Um “apelo à responsabilidade social da Fundação”, feito por formadores, músicos, técnicos e guias assistentes de sala. Um coletivo de trabalhadores da Casa da Música — entre prestadores de serviços e funcionários com contrato de trabalho — enviou um abaixo assinado ao Diretor-Geral da Fundação a pedir para que sejam revertidas algumas das medidas tomadas para os trabalhadores independentes, face ao cancelamento dos trabalhos devido à Covid-19. Segundo os 92 signatários deste documento, que também foi enviado ao Ministério da Cultura, as medidas são “indignas” e “muito prejudiciais”. Em resposta, a Casa da Música esclarece a forma como estão distribuídas as remunerações neste momento.

“Nos últimos dias revelou-se muito preocupante a forma como estão a ser tratados os numerosos profissionais independentes que trabalham na Casa da Música. Falamos de formadores e músicos, técnicos e guias, assistentes de sala e porventura outros ainda que viram as suas vidas interrompidas neste período de encerramento da instituição. Falamos de profissionais que são, de facto, parte da equipa e colegas de trabalho”, começam por referir os signatários (28 com contrato e 64 a recibos verdes) deste documento , enviado a 18 de abril.

Este coletivo de trabalhadores sublinha que a gestão que a Casa da Música está a fazer da atual crise é “alarmante”, especialmente para os trabalhadores mais precários, a recibos verdes. Em causa estão as soluções colocadas aos prestadores de serviços de várias áreas face aos efeitos da pandemia:

  • Formadores do Serviço Educativo: de acordo com o documento, mais de 10 formadores, face ao cancelamento das atividades, viram a “perda total dos rendimentos a ela associados”. “Foi proposto o adiantamento de valores próximos dos serviços cancelados, mas os formadores ficariam a dever essas quantias à Casa da Música, no formato de bolsa de horas”, acrescentam;
  • Técnicos: no caso dos técnicos, terá sido também colocada a solução de “um contrato de bolsa de horas que lhes permite receber agora os valores médios que têm recebido nos últimos meses, sendo que estas quantias se transformam em horas que os técnicos têm de trabalhar mais tarde, sem qualquer remuneração”. O documento afirma ainda que muitos destes profissionais “trabalham 8 e mais horas por dia na Casa da Música e assim perdem meses de vencimento”;
  • Assistentes de Sala e Guias: os compromissos que foram cancelados, lê-se no documento, “levaram à perda total de um rendimento que para muitos é essencial” e, por isso, tiveram de ser “remetidos para os apoios da Segurança Social, para os quais apenas uma parte é elegível”;
  • Músicos extra: os convidados que não pertencem às formações base da Casa da Música, acrescentam os trabalhadores, ficaram sem qualquer pagamento, “mesmo que já estivessem contratados”;
  • Músicos e Bandas do Café: apesar de terem sido reagendados, os trabalhadores consideram que “o reagendamento não é a manutenção de um compromisso com o ecossistema artístico”. “A banda virá à Casa da Música noutra altura, ocupando o lugar de outra banda que já não virá, e pouco a pouco todo o sistema se ressente com a diminuição extrema de trabalho”, explicam.

Este coletivo de trabalhadores diz que as soluções adotadas são “muito prejudiciais ao equilíbrio económico dos circuitos das artes” e que não são compreensíveis, uma vez que não há notícia de redução, “pelo menos para este ano, de subsídios estatais ou do mecenato, nem mesmo uma redução significativa dos alugueres de sala para promotores externos”.

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As perdas da bilheteira e da área comercial estarão na ordem dos 140.000 euros mensais, o que pode ser estimado a partir do Orçamento de 2020 da Casa da Música. Em vez de se retirar rendimentos a quem trabalha com vínculo precário, porque não usar o resultado operacional de 935.000 €, previsto pelo Orçamento de 2020, para colmatar estas perdas?”, questiona o grupo.

O conjunto de trabalhadores refere que não foi dada qualquer resposta da parte do Diretor-Geral da Fundação e, por isso, deu também conhecimento da situação ao Conselho de Fundadores, ao Conselho de Administração e ao Ministério da Cultura.

Casa da Música diz estar disponível para apoiar situações de maior carência, mas que não foi contactada

Entretanto, a Casa da Música enviou um esclarecimento em que refere que “todos os trabalhadores estão a receber integramente as suas remunerações, incluindo complementos, sem qualquer alteração ou interrupção”. Quanto aos prestadores de serviço, a instituição garante que “estão a ser remunerados em função da frequência e da regularidade da sua colaboração, respeitando em todos os casos a legislação aplicável”. No  caso dos músicos de agrupamentos especializados e membros do coro “foi proporcionada uma remuneração de 75% da sua retribuição histórica, por cada espetáculo cancelado, acima do limite mínimo de 50% estabelecido no Decreto-Lei 7/2020, de 10 de Abril”, acrescenta a nota enviada.

Fonte da Casa da Música disse ainda ao Observador que a Casa da Música disponibilizou-se para apoiar situações de maior carência, mas que, até ao momento, não foi contactada por nenhum dos signatários do abaixo-assinado nesse sentido. Quanto à questão da bolsa de horas, a mesma fonte esclarece que a compensação em horas é feita durante um período de, pelo menos, três anos.

A Casa da Música conta atualmente com um quadro de cerca de 190 trabalhadores e cerca de 250 que não fazem parte do quadro. Com a situação da pandemia da Covid-19, a maior parte dos funcionários está em teletrabalho. “Uma parte significativa dos prestadores de serviços é composta por profissionais que não têm na Casa da Música a sua principal atividade; os prestadores de serviços cuja actividade e remuneração foi interrompida estão protegidos pelo Decreto-Lei n.º10-A/2020 de 13 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril, e podem recorrer ao apoio da Segurança Social, mediante a apresentação de declaração específica que a Casa da Música tem disponibilizado sem demora, sempre que solicitada”, acrescenta o esclarecimento enviado pela Casa da Música.

(Artigo atualizado às 20h00 com a resposta e esclarecimento da Casa da Música)