O comentador político Marques Mendes considerou este domingo que empréstimo de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução – para serem injetados (como parte de uma tranche de 1.037 milhões de euros) no Novo Banco – foi o caso político mais significativo da semana. Sobretudo os seus contornos, já que o primeiro-ministro viu-se forçado a pedir desculpa ao Bloco de Esquerda por ter prestado informações incorretas no parlamento, quando afirmou no debate quinzenal que “até haver resultados da auditoria”, não haveria “qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução”. Só que houve mesmo reforço e os holofotes viraram-se para as Finanças, para saber que informação foi ou não passada ao gabinete de Costa sobre a operação.
Para Marques Mendes, o caso foi nada menos do que uma “desautorização do primeiro-ministro por parte do ministro das finanças”. O antigo líder social-democrata, no seu habitual espaço de comentário no Jornal da Noite, na SIC, acrescentou ainda que António Costa “pediu desculpa, mas devia ter dado uma explicação ao país”, depois de ter assegurado, há várias semanas, que não seria injetado “mais um euro no Novo Banco” sem primeiro ficar concluída uma auditoria. Foi esse ponto que voltaria a repetir no debate quinzenal de 7 de maio, em resposta à líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.
O ministro das finanças “meteu o dinheiro no Novo Banco mesmo sem a auditoria” disse Marques, para quem isso revela que “Centeno corre em pista própria e só obedece a ele próprio”.
O Observador confirmou na altura do caso que o pagamento, que totalizou 1.037 milhões, foi feito na passada quarta-feira ao Novo Banco, depois do empréstimo contraído pelo Fundo de Resolução — a entidade que capitaliza a instituição bancária, nascida após falência do Banco Espírito Santo (BES) — junto do Estado. Este pagamento estava previsto já desde o anúncio dos prejuízos de 2019 do Novo Banco (mais de mil milhões de euros), em fevereiro. O empréstimo estava também previsto no Orçamento do Estado deste ano, que deu luz verde a um financiamento ao Fundo de Resolução para o efeito. Já no ano passado, a injeção no Novo Banco ocorreu também entre o final de abril e o início de maio.
Ainda no âmbito da política, Marques Mendes destacou a forma “séria e responsável” com quem o PSD abordou a questão da TAP – ao exigir ao Governo a apresentação de um plano sobre o futuro da companhia aérea – mas o líder do partido, Rui Rio, foi “infeliz” quando comparou uma empresa de comunicação social a uma fábrica de sapatos, ainda a propósito dos apoios financeiros prometidos pelo governo ao setor dos media. “Com todo o respeito pela indústria do calçado, há uma diferença, que é a democracia”, explica ainda Marques Mendes: “Se por absurdo fechasse toda a nossa indústria do calçado, não ficávamos descalços. Comprávamos sapatos importados de outros países. Ao contrário, se fecharem os nossos jornais não os podemos substituir por jornais estrangeiros”.
Sobre o CDS, Marques Mendes reconhece que “esteve bem” ao propor uma Comissão para fiscalizar os ajustes diretos feitos pelo Governo em tempo de pandemia, o que mostra a democracia a funcionar – “o Governo decide e a oposição fiscaliza” – mas o partido de Francisco Rodrigues dos Santos “esteve mal” ao lançar suspeitas de que Rui Tavares era professor na nova Telescola e de que, através de uma alegada aula de história, fazia política. “É uma forma pouco decente de fazer política”, acrescentou o ex-líder social-democrata, que aproveitou o contexto para criticar a demagogia do Chega em relação ao episódio dos ciganos. “André Ventura não está preocupado com os ciganos. Zero. O que ele quer é arranjar uma bandeira para dar nas vistas” e sacar alguns votos”. O que desta vez lhe correu mal, segundo Marques Mendes, que elogiou a resposta de Ricardo Quaresma.
“Os idosos não morrem da doença, mas morrem da cura”
Fora do contexto político, o antigo presidente do PSD teceu ainda algumas críticas ao governo em relação ao plano de desconfinamento que tem vindo a ser implementado na última semana – apesar de fazer um balanço positivo relativo ao uso das máscaras pela maior parte dos portugueses, evitando assim o “caos que se temia nos transportes públicos”. O problema, para Marques Mendes, está na abertura das creches, agendada para dia 18 de maio, condicionada a regras “impraticáveis” e “rígidas”, dando como exemplo o distanciamento social de dois metros entre educadoras e crianças. Ou a partilha de brinquedos. O ex-líder do PSD sugere “regras flexíveis e ágeis” para não constarem só no papel.
O mesmo se passa com os idosos. “Passou mais uma semana e ainda não houve uma reunião entre o Governo, as Misericórdias e as IPSS para definirem um plano para o fim do isolamento dos idosos”, disse Marques Mendes à SIC, o que só pode ser descrito como uma “violência”, tendo em conta que há dois meses que os mais velhos, que estão em lares, “não podem contactar sequer com familiares”, acrescentando ainda que se não houver uma mudança, “os idosos não morrem da doença mas morrem da cura”.
Críticas também dirigidas às medidas para controlar as praias – uma ideia divulgada pelo jornal Expresso, antecipando a possibilidade de drones e militares passarem a controlar as praias – e que para Marques Mendes não passa de “um completo exagero”, acrescentando ainda que tudo isto “parece um estado policial”. E apela para que sejam criadas medidas de proteção e regras mas, ao mesmo tempo, deixem as “pessoas respirar, relaxar, usufruir da praia, gozar um pouco de liberdade, serem felizes”.
O mesmo não se pode dizer das notícias que chegam da Europa, no plano económico. Para o ex-político é mau “sinal” o adiamento da apresentação do Fundo Europeu para a Recuperação Económica, o que significa “dificuldades nas negociações” e, como consequência, atrasos na disponibilização de fundos até ao Verão para os investimentos necessários. Más notícias relativas às previsões da Comissão Europeia. “Uma recessão profunda”, antecipa ainda Marques Mendes, que será marcada pela austeridade – termo que António Costa rejeita – mas que o ex-líder do PSD considera “ofensivo falar assim” porque já há muitos portugueses em lay off ou desempregados que já sentem o peso da austeridade.
Por fim, Marques Mendes comentou que mesmo com uma crise económica à vista, nestes dois meses de pandemia houve mudanças políticas. Tanto na governação como na oposição, reconhece. E começa por António Costa, que se antes da pandemia estava em dificuldades, “agora mudou de estatuto”. Ganhou popularidade e isso permite-lhe resolver três problemas: os orçamentos, já que agora “ninguém se atreve a chumbá-los” para não abrir uma crise política; os ministros, em especial os “fraquinhos”, mais disfarçados pela “popularidade” de Costa. “Ele é o seguro de vida do Governo. Logo, pode aguentar uma remodelação até meados ou final de 2021”. E finalmente, o Congresso do PS, que devia estar a decorrer e que foi adiado devido à pandemia. “O que lhe dá muito jeito – assim, a questão da sua sucessão fica adiada para 2023, o que lhe está a ser útil”, concluiu.