Por muito que nos últimos tempos as notícias sobre hostels tenham sido tudo menos positivas, este tipo de alojamento — quando bem regulado e gerido –, é uma opção importante para qualquer viajante e até um dos grandes responsáveis, por exemplo, pela maior democratização do turismo (juntamente com o boom das low-costs) que nos últimos tempos tanto beneficiou a economia e a valorização nacional. Só que depois veio a pandemia.

À semelhança de hotéis e outros tipos de alojamento, os hostels viram-se forçados a fechar portas devido à travagem brusca e necessária da deslocação de pessoas entre países e neste momento, à semelhança de setores como o da restauração, por exemplo (qualquer um que dependa do turismo, na verdade), atravessam graves dificuldades. É para tentar combater isso que surgiu a plataforma internacional “Adopt a Hostel”, iniciativa criada pela empresa de consultoria Hostel.Consulting, o bloguer de viagens low-cost Kash Bhattacharya (conhecido como o “Budget Traveller”) e a agência de marketing “Stay the Night” que pretende incentivar qualquer pessoa a escolher uma de duas opções (ambas, se se sentir generoso): ou comprar um voucher que dê direito a uma estadia quando a normalidade se instalar ou a doar a quantia que bem entender, tudo para injetar dinheiro em negócios que estão na corda bamba.

No total, mais de 500 hostels de todo o mundo associaram-se a esta iniciativa e, de entre eles, mais de 30 são portugueses. Um deles é o lisboeta Good Morning Hostel, que a plataforma Hostelworld classificou como o melhor do país e um dos melhores do mundo, propriedade de Benedita Paes de Vasconcellos. Outro é o Lisboa Central Hostel, de Miguel Santos, igualmente destacado internacionalmente, por exemplo, como um dos melhores hostels do mundo para mulheres que viajam sozinhas. Foi a propósito desta iniciativa que o Observador falou com ambos para perceber o panorama atual dos hostels em Portugal.

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Um marroquino, o ciclista francês e a inglesa da Lousã

Miguel Santos é um dos poucos exemplos que contradizem a tendência geral: ao longo destes tempos conseguiu manter o seu projeto a funcionar enquanto muitos, muitos outros, decidiram fechar portas. Apesar de não ter existido nenhuma ordem de encerramento emitida pelo Estado (novamente, como aconteceu com os restaurantes), a hotelaria viu-se forçada a fechar portas por motivos de segurança mas também por motivos económicos. “A meio de março começou a quebra abrupta de reservas e tivemos uma enorme quantidade de cancelamentos. A minha primeira intenção foi fechar o hostel mas disse sempre que enquanto tivesse uma pessoa não punha ninguém na rua. Acabei por não ficar um único dia sem hospedes”, explica o proprietário do Lisboa Central Hostel.

Nos últimos dois meses chegou a ter apenas três hóspedes na mesma altura, nunca teve mais de dez ao mesmo tempo e tudo isto quando a sua capacidade  máxima é de 78 pessoas. “É péssimo para o negócio mas por outro lado dá-nos o conforto de conseguir distribuir uma pessoa por quarto, quase, para manter as distâncias de segurança”, afirma. As pessoas que foi tendo ao longo destes tempos de Covid-19 foram quase exclusivamente estrangeiros (um ou outro português que passava por Lisboa em trabalho, nada mais): “Basicamente tivemos pessoas retidas”, conta. Neste momento, por exemplo, tem hóspedes que estão no seu espaço há dois meses, como um cidadão marroquino “que ficou sem suporte e não consegue regressar a casa”,  ou “um senhor francês que estava a dar uma volta de bicicleta pela Península Ibérica e ficou sem conseguir regressar”.

O Lisbon Center Hostel de Miguel Santos conseguiu manter-se aberto apesar de nunca ter tido mais de 10 clientes (tem capacidade para 78). D.R.

Abril foi diferente, ligeiramente mais movimentado com vários grupos de brasileiros que não só também “estavam a viajar e ficaram retidos” como outros que estavam fixos em Portugal mas que “ficaram sem trabalho, já estavam sem casa e ficaram por cá até conseguirem voltar para o seu país”, conta. “Fomos fazendo-lhes preços baixíssimos, alguns acabaram por ficar alguns dias sem pagar, até.” Turismo, nem sombra dele. O mais próximo que teve foi “uma senhora inglesa que ia para a Lousã trabalhar”, teve de passar uma noite em Lisboa e perguntou a Miguel “o que havia para ver ” na cidade. “Há muito tempo que não fazíamos um check-in desse género, a dizer a alguém o que podia ver ou conhecer”, conta, entre risos. Tudo isto, claro, teve um impacto económico brutal, veja-se que teve de reduzir o seu preço médio por ano de 22 euros para onze.

Dos 150 aos (quase) zero num dia

A história de Benedita Paes de Vasconcellos, do Good Morning Hostel, é totalmente diferente da de Miguel porque esta crise não a permitiu continuar de portas abertas. Ao Observador, explica que o cenário está complicado: “Praticamente não caem reservas nenhumas, as que existem são completamente residuais e falamos de pessoas que as fazem só porque sim, porque sabem que podem reaver o dinheiro todo mesmo cancelando as reservas.”

No seu caso específico recorda que teve dias, ainda antes da instauração do Estado de Emergência, com 150 cancelamentos assim de rajada. “O setor está completamente paralisado sobretudo porque não há turismo português nos hostels. Os hóspedes portugueses que vamos tendo ao longo dos anos têm sempre motivos profissionais, vêm por uma razão qualquer profissional, ficam uns dias mas não são os nossos hóspedes habituais. Como os aeroportos estão fechados, não há transito, estamos completamente parados mas com os custos habituais inerentes”, ressalva.

Benedita explica que decidiram fechar o hostel “como precaução porque na altura ninguém sabiam bem o que isto era e queríamos proteger o staff e os clientes”. Perante isso e os cancelamentos sucessivos — quando surgiram os primeiros, ainda em março, já tinham o mês de junho praticamente cheio e previam “um verão muito bom” — preferiram “fechar e recorrer ao layoff.” E assim se mantém tudo até hoje, a preferir aguardar para ver quando será a melhor altura para voltar a aceitar reservas e hóspedes, algo que, diz, será impossível de acontecer enquanto não reabrir o espaço aéreo e as fronteiras — “Eu estou a pensar eventualmente abrir em julho mas ainda não sei. Depende da aviação. Estamos totalmente dependentes da gestão do tráfego aéreo. Não vale a pena estarmos a abrir se não há pessoas a chegar. “

Precauções e o futuro

Os dois exemplos ouvidos pelo Observador podem ter histórias diferentes mas uma coisa, pelo menos, partilham em comum: a atenção e cuidado que é/será preciso ter neste “novo normal”. Benedita mostra-se cautelosa e atenta às direções específicas para a segurança em ambientes de hostel que ainda estão por divulgar pelas autoridades — “Ainda não saíram normas para a reabertura dos hostels, eventualmente podem sair esta semana. Já se conhecem as da hotelaria convencional mas nós, hostels, vamos ter regras diferentes com certeza”, explica. Assume ainda que só depois de perceber aquilo que essas diretivas dirão tomará medidas mais práticas na reorganização do seu negócio. Até lá, explica, conta com projetos como este “Adopt a Hostel” para dar algum lastro económico e alento: “Eu tive clientes que têm uma ligação connosco de tal maneira forte que chegaram a fazer donativos de cinco euros. Para mim isso tem um significado enorme. São pessoas que quiseram mesmo ajudar!”

Os viajantes mais jovens são o público principal deste setor e é neles que muitos depositam a sua esperança para o futuro. D.R.

Já Miguel, como se manteve aberto durante estes tempos, não teve outra solução senão começar desde cedo a ter maior atenção aos cuidados inerentes à convivência com o vírus. “Mal saíram as primeiras diretivas da DGS começámos logo a implementá-las”, afirma. Neste momento, e com base nas informações que vão sendo divulgadas, já está a adaptar a sua operação ainda mais a fundo: “Estou a comprar mais material como as máscaras e o álcool gel, dispensadores, tapetes desinfetantes, novas sinaléticas. Até a definir novos procedimentos de limpeza, por exemplo, e distribuições diferentes das camas nos quartos.”

O futuro? Esse permanece uma incógnita para ambos, apesar de já preverem algumas mudanças inevitáveis. De forma geral os dois acreditam que os mais jovens — o cliente de excelência deste tipo de alojamentos — serão quem terá mais facilidade a começar a arriscar em viajar de novo e isso pode vir a ser a primeira boia de salvação mais real para estes negócios. “Sentimos (até nas remarcações) que as pessoas querem voltar o mais cedo possível — mas tem de haver condições para isso. Não havendo voos e com restrições nas fronteiras, tudo fica impossível. Acredito que assim que essas limitações sejam superadas vão começar a regressar pessoas. Principalmente o público habitual dos hostels, os jovens”, conta Miguel.

Benedita acredita que “pelo menos durante dois anos” vão haver grandes alterações à forma como todo este negócio funciona mas mesmo assim, “assim que houver uma vacina ou tratamento”, tudo voltará ao normal. “O nosso target de idades são pessoas que não estão num grupo de risco, são pessoas mais jovens. À medida que o risco for atenuando as coisas melhorarão. Não sei se será assim mas é o que prevejo”, afirma. Mesmo assim, fazendo contas à vida, a mesma Benedita refere que “o impacto financeiro disto deve durar uns quatro ou cinco anos”. Como? Por culpa dos empréstimos que muitos sítios tiveram de fazer, por exemplo. “Vamos funcionar um ano sem qualquer tipo de lucro e no segundo, o pouco que existir servirá para pagar os empréstimos, algo que ainda vá durar um tempo”, remata.