Se o futebol arrumou as botas durante largas semanas, preparando-se agora para regressar em estádios à porta fechada, também a competição automóvel está a passar pelo mesmo processo de confinamento, mesmo quando o desconfinamento já começa a ser uma realidade. A Fórmula 1 parou com as corridas, à semelhança da Fórmula E, a parente eléctrica da modalidade rainha da competição automóvel que se manteve activa, ocupando os seus pilotos em corridas virtuais com recurso aos simuladores, as conhecidas Sim Races.

Após a disputa das quatro primeiras corridas da época 2019-2020, realizadas na Arábia Saudita, Chile, México e Marrocos, os pilotos deslocaram-se para a Race at Home Challenge, onde “correm” uns contra os outros em simuladores rFactor2. E aqui há espaço para duas corridas, uma para os verdadeiros pilotos da Fórmula E, que assim se entregam a provas virtuais, e outra reservada a influencers e a jogadores deste tipo de simuladores (gammers), na maioria miúdos.

A organização da Fórmula E transmite as Race at Home Challenge através dos parceiros de televisão e canais sociais, com os proveitos a destinarem-se a reforçar os fundos da Unicef. Tal como nos jogos das crianças, os carros estão regulados para 80% de danos, baixando para 20% nos testes não oficiais, eliminando a deterioração da pista e introduzindo alguns efeitos climatéricos, como em alguns jogos da PlayStation. E a razão de não permitir aos gamers correr directamente com os pilotos profissionais prende-se com o evitar que as crianças batam os adultos e o embaraço associado…

Daniel Abbot, ou Abt no mundo da competição, é um jovem de 27 anos com provas dadas, daí que seja piloto oficial da Audi. Não figura contudo entre os mais rápidos, como o prova o facto de ter sido 7º no campeonato de 2018-2019 e 17º após as quatro primeiras corridas da actual época. Porém, as provas realizadas através de computador não fizeram muito bem ao piloto alemão, que caiu para a 22ª posição, após quatro provas de Sim Racing, o que o deixou numa posição algo fragilizada.

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Foi então que Daniel Abt tentou melhorar a sua situação, recorrendo a um substituto para o representar, o que não só é ilegal como é uma falta de respeito pela modalidade, pela Audi como patrocinador e pelos adversários. Para completar ainda mais a situação, durante as Sim Races, os pilotos estão sem capacete e a serem filmados através do Zoom, ou seja, à vista de todos, o que torna as substituições ilegais complicadas, para não dizer impossíveis.

Foi exactamente nesta fase que Daniel Abt se revelou pouco inteligente, além de péssimo desportista. Para esconder o facto de ter recrutado um gamer profissional para correr por si na corrida de Berlim – Lorenz Hoerzing, que já tinha feito algumas provas com maus resultados, acreditando-se agora que o fez apenas para ficar a conhecer o sistema em condições reais –, Abt resolver desligar a ligação ao Zoom, numa primeira fase, para de seguida obstruir a imagem da cara do piloto, isto na prova em que o piloto alemão se mostrava anormalmente rápido.

Durante as 15 voltas virtuais ao circuito de Berlim-Tempelhof, o primeiro a reparar na estranha e maior rapidez de Abt (que terminaria a corrida em 3º), bem como o facto de a sua câmara estar desligada, foi o belga Stoffel Vandorrrne, que terminaria em 2º. Também o francês Jean-Eric Vergne, campeão em duas ocasiões nas corridas “à séria”, juntou-se às críticas a Abt, afirmando “peçam ao Daniel Abt para ligar a câmara, pois eu tenho a certeza que não é ele que está a conduzir”. E não estava, como o próprio acabaria por admitir. Abt foi desclassificado da corrida, penalizado em 10.000 euros (a atribuir para instituições de caridade) e despojado de todos os pontos amealhados.

Resta saber o que o futuro reserva a Daniel Abt na equipa da Audi, que deverá ter alguma dificuldade em aceitar este tipo de comportamento, bem como a FIA (Federação Internacional do Automóvel), que controla a modalidade e que não tem por hábito deixar passar em claro habilidades deste tipo, mesmo quando são cometidas em provas “a brincar”.