Já partiu para a Estação Espacial Internacional a histórica missão da SpaceX com dois astronautas da NASA a bordo. Apesar longas horas de incerteza por causa das condições meteorológicos, o tempo acabou mesmo por ajudar e foi dada luz verde para a descolagem às 20h22 de Portugal Continental. Bob Behnken e Doug Hurley devem chegar ao destino final em 19 horas.

Os astronautas viajam no módulo Dragon, que chegou ao espaço incorporada no nariz do Falcon 9. Todas as condições técnicas necessárias para assegurar um lançamento foram cumpridas, mas as condições meteorológicas continuaram a ser incertas por longas horas. Um boletim publicado cerca de hora e meia antes da descolagem dizia que não havia condições para a missão, mas uma aberta permitiu o avanço cerca de meia hora antes do lançamento.

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Neste momento, o Falcon 9 já ultrapassou a condição Max Q, o ponto de uma rota de ascensão pela atmosfera fora em que o foguetão fica exposto à máxima pressão mecânica. É uma fase muito crítica para verificar a fiabilidade do design do foguetão. E passou no teste.

O primeiro estágio, que é reutilizável, também já aterrou de nariz para cima na plataforma “Of Course I Still Love You”, no Oceano Atlântico. Quando os astronautas sentiram a mais potente Força G do percurso, a nave viajava a quase 27 mil quilómetros por hora a caminho da Estação Espacial. Agora, o Dragon já está sozinho no espaço e já entrou em microgravidade.

O momento em que a nave Dragon se separou do segundo estágio do foguetão também foi captado em vídeo. Agora o módulo da SpaceX com dois astronautas a bordo está por conta própria a caminho da Estação Espacial Internacional. Por ser automática em praticamente todos os controlos, Bob e Doug poderão dormir e descansar até chegarem ao destino enquanto a nave os conduz até lá.

O momento em que os astronautas se despediram da família

Minutos antes da chegada ao foguetão, Bob Behnken e Doug Hurley, já equipados com os fatos espaciais preparados pela SpaceX para os astronautas da NASA, conversaram com Jim Bridenstine (o administrador da NASA) e despediram-se da família. Bob deixou um recado ao filho: “Porta-te bem, não dês problemas à mãe”.

Na impossibilidade de tocarem nas mulheres e filhos, levantaram os braços e juntaram as mãos, simulando um abraço. “Adeus, malta”, disseram Bob e Doug às famílias. Já dentro dos Tesla, Doug esticou as luvas e permitiu ao filho que a tocasse pela última vez antes do voo.

O presidente norte-americano Donald Trump assistiu à descolagem no Centro Espacial Kennedy a bordo do Air Force One. Trump foi uma das poucas pessoas a assistir ao vivo à descolagem do foguetão, uma vez que os ajuntamentos habituais foram proibidos por causa da Covid-19. O último presidente a assistir a um lançamento tinha sido Bill Clinton em 1998 com o Space Shuttle Discovery.

O problema da meteorologia na missão da SpaceX

Até poucos minutos antes do lançamento, nada garantia que a missão fosse mesmo levantar voo este sábado. A avaliação do 45º Esquadrão de Meteorologia da Força Aérea norte-americana chegou a dizer que havia 60% de probabilidade de haver condições meteorológicos adversas à realização de um lançamento para o espaço. A autorização para o voo podia ter recuado a qualquer momento.

Não são circunstâncias estranhas e o próprio Doug Hurley lembrou-o na sexta-feira, num tweet sobre os tempos em que viajou no Space Shuttle para o espaço: “No meu primeiro voo, STS-127, no vaivém Endeavor, tentámos cinco vezes ao longo de um mês por causa de desafios técnicos e climáticos”. Bob Behnken teve uma experiência semelhante: “Durante minha última missão no Space Shuttle, o tempo também nos apanhou”.

As desistências até foram tema na conversa dos dois astronautas com o administrador da NASA, disse Jim Bridenstine mais tarde numa entrevista: “O Bob acha que o problema é o Doug”, comentou entre risos. Mas o real problema é simplesmente o tempo, prosseguiu Jim: “Estamos na Flórida no meio de maio, vamos ter de tentar”.

Missão da SpaceX abortada por causa das condições meteorológicas. Nova tentativa no sábado

De acordo com o administrador da agência, o tempo estava melhor do que na quarta-feira, quando ocorreu a primeira tentativa, mas com algumas formações atmosféricas que se podiam ter traduzido em trovoada. É que não basta que a meteorologia por cima do Falcon 9 esteja nas condições perfeitas: é necessário que, nos lugares onde a nave cairá em caso de acidente, o tempo também seja seguro.

É assim por dois motivos: por um lado, para permitir às equipas de resgate chegarem facilmente ao local da aterragem; e, por outro, por causa na forma como os astronautas chegarão a terra em caso de acidente: “Eles usam páraquedas, por isso é preciso olhar para o vento e para a chuva”, descreveu Jim Bridenstine.

Numa comunicação para o interior do Dragon, cerca de duas horas antes do lançamento, um dos responsáveis pela missão explicou que a meteorologia ainda está incerta. Segundos depois, começou a chover no Complexo de Lançamentos 39A. Entretanto, o tempo melhorou, mas ainda falta uma decisão final.

O SpaceX no Complexo de Lançamentos 39A às 1820 este sábado. Créditos: NASA TV

Uma missão histórica que recupera prestígio aos EUA

Esta missão é preponderante para o futuro da exploração espacial. Será a primeira vez desde 2011, há nove anos, que os Estados Unidos regressam aos voos tripulados a partir de solo americano e com tecnologia da casa. Desde a reforma do programa Space Shuttle que os astronautas com o selo da NASA apanham boleia dos russos até ao espaço em troca de 85 milhões de euros por lugar.

Além disso, se a missão for bem sucedida e acoplar corretamente na Estação Espacial Internacional, a SpaceX tornar-se-á na primeira empresa privada a viajar até ao laboratório espacial a 408 quilómetros de altitude em relação à Terra. Será um sinal importante que poderá solidificar o papel do investimento privado em planos de outra magnitude, como o regresso à Lua. E abrirá a possibilidade cada vez mais realista do turismo espacial.

Depois do lançamento a partir da Flórida, será preciso esperar entre 19 e 20 horas para que o Dragon chegue à Estação Espacial Internacional, onde Chris Cassidy (EUA), Anatoly Ivanishin e Ivan Vagner (Rússia) esperam por Bob e Doug. A nave da SpaceX deverá acoplar com o laboratório domingo às 15h29 de Portugal Continental. Se quiser uma experiência semelhante à que os astronautas experimentam ao estacionar o Dragon na Estação, tente esta simulação preparada pela empresa de Elon Musk. Um aviso: não é nada fácil.

Mas meros minutos depois da descolagem, há um momento especial para assistir: o regresso do primeiro estágio do foguetão Falcon 9, que é reutilizável, até uma plataforma montada no Oceano Atlântico.

Da bandeira aos peluches, uma missão de simbolismos

A missão está repleta de simbolismos. O Falcon 9 será lançado precisamente da mesma plataforma de lançamentos de onde partiu a missão Apollo 11 — a 39A. E o piloto do Dragon é o mesmo astronauta que comandou a última viagem totalmente americana ao espaço, o Atlantis. Pode recordar aqui em baixo o lançamento.

Dezanove horas depois do lançamento, outra surpresa na Estação Espacial. Em 2011, quando os Estados Unidos foram pela última vez ao espaço exclusivamente com tecnologia própria, a tripulação do Space Shuttle Atlantis levou uma bandeira norte-americana para a Estação Espacial — a mesma que havia no primeiro Space Shuttle, o Columbia.

Em 2011, Barack Obama usou-a para lançar uma verdadeira caça aos ovos no espaço: “Esta bandeira vai viver na Estação Espacial Internacional até que uma empresa espacial comercial lançe astronautas para a estação”. Nove anos depois, a SpaceX está à frente da corrida pela recuperação da bandeira.

As surpresas a bordo do módulo Dragon

Bob Behnken e Doug Hurley não são os únicos passageiros a bordo do módulo Dragon que, 19 horas após o lançamento, deverá acoplar com a Estação Espacial Internacional. Há também um dragão de peluche que servirá como um “medidor de gravidade zero”: quando começar a flutuar pela câmara do Dragon, significa que se chegou a um momento em que só a microgravidade ainda atua.

Esta não é a primeira vez que a SpaceX junta um peluche à carga a bordo de um Dragon a caminho da Estação Espacial — embora seja, claro, o primeiro com companhia humana ao longo da viagem. Em março de 2019, Elon Musk colocou um peluche sorridente da Celestial Buddies com o formato do planeta Terra numa missão de envio de carga para os astronautas em órbita. O peluche está na Estação desde então e deverá voltar cá para baixo quando Bob e Doug regressarem — algo que pode acontecer só em finais de setembro.

Além disso, o Dragon transporta também uma ilustração inspirada no progresso da humanidade para lá da Terra desenvolvido por Tristan Eaton, um artista americano conhecido pelos trabalhos urbanos, assim como um painel de fotografias de finalistas do ensino secundário americano. Cada fotografia pode ser explorada na página da SpaceX.