Foi cancelada a missão tripulada da SpaceX até à Estação Espacial, tudo por causa das condições meteorológicas. Bob Behnken e Doug Hurley, os astronautas da NASA escolhidos para o primeiro lançamento americano desde 2011,  já estavam no interior do módulo Dragon, no topo do foguetão Falcon 9. Mas o tempo não cooperou e a descolagem marcada para as 21h33 de Portugal Continental foi adiada para sábado apenas 17 minutos antes da hora H.

De acordo com a SpaceX, a próxima janela de oportunidade será no sábado às 20h22 de Portugal Continental. Se, à semelhança do que aconteceu esta quarta-feira, as condições meteorológicas voltarem a falhar — ou se houver algum problema técnico para resolver — há uma nova janela de oportunidade no domingo às 20h.

Partindo no sábado, no entanto, a equipa só chegará à Estação Espacial no domingo numa hora a determinar, mas sempre 19 a 20 horas após a descolagem.

Os astronautas da NASA já saíram do interior do Dragon em segurança, depois de mais de uma hora para retirar o combustível do foguetão e verificar se a pressão no interior do módulo era a mesma que no exterior. Passam depois pela chamada “Sala Branca”, uma sala de contaminação zero para os astronautas e para o próprio veículo espacial, e a seguir voltam à quarentena. Veja o momento.

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A NASA também partilhou no Twitter o momento em que os astronautas no interior do Dragon souberam que, afinal, não viajariam até ao espaço esta quarta-feira: “Infelizmente, não vamos descolar hoje”, pode ouvir-se no vídeo. A resposta dos astronautas foi: “Obrigada pelo esforço da equipa. Nós compreendemos”.

Mais tarde, os astronautas repetiram: “Nós conseguíamos ver gotas de água na janela e percebemos que, o que quer que estivesse a acontecer, era demasiado perto da nossa janela de lançamento. Agradecemos e compreendemos que, apesar de ser um pouco aborrecido, é parte do trabalho. Toda a gente estava pronta para começar e agradecemos por isso”. A resposta veio pouco depois: “Obrigado pela vossa resiliência”.

Três falhas de segurança impediram voo esta noite

As comunicações da sala de controlo para o Dragon montado no Falcon 9 permitiram saber as três falhas de segurança que impediram a concretização da missão da SpaceX esta quarta-feira: “Natural lightning, field mills and attached anvils”, pode ouvir-se no vídeo partilhado em direto pela NASA. Em bom português, trovoada, medições do moinho de campo e nuvens.

“Natural lightning” diz respeito à trovoada criada naturalmente durante uma tempestade — uma hipótese que já estava em cima da mesa por causa do clima tropical que se fazia sentir na Flórida. Chama-se assim porque também existe a trovoada que não é “natural”, uma vez que “um raio pode ser acionado quando um veículo aeroespacial com uma superfície condutora e uma coluna de exaustão ionizada distorce as linhas equipotenciais do campo elétrico”. É uma lição que a missão Apollo 12 nos deixou.

“Field mills” ou, em português, moinho de campo, é instrumento que mede a força dos campos elétricos na atmosfera. Saber o comportamento destes campos elétricos permite prever se o veículo espacial será ou não um chamariz de raios que possam danificar os materiais. Neste caso, “havia muita eletricidade na atmosfera”, explicou Jim Bridenstine, administrador da NASA.

O terceiro aspeto, “anvils”, está relacionado com o primeiro. Diz respeito a um tipo muito particular de nuvens, as Cumulonimbus incus, uma estrutura que se estende até à estratosfera e que tem o formato de uma bigorna. São estes tipos de nuvens que criam os tais campos elétricos que podem dar origem à trovoada, mas também a granizo, tornados ou precipitação muito forte.

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O tempo nublado, tanto aqui como nas rotas de emergência estabelecidas pela NASA e SpaceX, não permitiram a viagem. Créditos: Getty Images

Todos estes fenómenos iriam desaparecer 10 minutos após a hora marcada para a descolagem do foguetão, mas a missão foi cancelada mesmo assim. O motivo é simples: não dava para esperar. A hora marcada para a missão é calculada para permitir um cruzamento perfeito entre a rota do módulo tripulado e da Estação Espacial tendo em conta a quantidade de combustível disponível e o menor tempo possível de viagem. Esse cruzamento, com características matemáticas muito próprias, só voltará a acontecer se a missão partir às 20h22 no sábado.

Uma missão histórica adiada para sábado

A concretização desta missão será um momento especial por dois motivos: é a primeira vez desde há nove anos que o mundo assiste ao lançamento de uma missão tripulada a partir de solo americano. Desde 2011, com o fim do programa “Space Shuttle”, todas as viagens da NASA até à Estação Espacial eram compradas à Roscosmos a 90 milhões de dólares por lugar.

Se a missão for bem sucedida, esta será a primeira vez que uma empresa privada conclui o feito de levar humanos até à Estação Espacial Internacional, o que abre um novo capítulo na exploração espacial, que até agora esteve sempre nas mãos de agências governamentais como a americana, chinesa, russa ou europeia, por exemplo.

Entretanto, o Twitter da SpaceX tem partilhado alguns dos momentos mais importantes antes da viagem até à Estação Espacial. Aqui em baixo, a empresa mostra os dois astronautas desta histórica missão ao Complexo de Lançamentos 39A, no Cabo Canaveral.

Um caça aos ovos espacial: SpaceX pode recuperar bandeira americana na Estação

A missão está repleta de simbolismos. O Falcon 9 será lançado precisamente da mesma plataforma de lançamentos de onde partiu a missão Apollo 11 e o piloto do Dragon é o mesmo astronauta que comandou a última viagem totalmente americana ao espaço — o Atlantis.

Dezanove horas depois do lançamento, outra surpresa na Estação Espacial. Em 2011, quando os Estados Unidos foram pela última vez ao espaço exclusivamente com tecnologia própria, a tripulação do Space Shuttle Atlantis levou uma bandeira norte-americana para a Estação Espacial — a mesma que havia no primeiro Space Shuttle, o Columbia.

Em 2011, Barack Obama usou-a para lançar uma verdadeira caça aos ovos no espaço: “Esta bandeira vai viver na Estação Espacial Internacional até que uma empresa espacial comercial lançe astronautas para a estação”. Nove anos depois, a SpaceX está à frente da corrida pela recuperação da bandeira. É um passo que pode simbolizar a independência dos Estados Unidos em relação à Roscosmos e o estabelecimento do investimento privado na exploração do espaço.

SpaceX. Primeira missão tripulada vai partir para a Estação Espacial. E pode ver a viagem da sua janela

Há um dragão (e muito mais) a bordo da missão da SpaceX

Bob Behnken e Doug Hurley não são os únicos passageiros a bordo do módulo Dragon que, 19 horas após o lançamento, deverá acoplar com a Estação Espacial Internacional. Há também um dragão de peluche que servirá como um “medidor de gravidade zero”: quando começar a flutuar pela câmara do Dragon, significa que se chegou a um momento em que só a microgravidade ainda atua.

Esta não é a primeira vez que a SpaceX junta um peluche à carga a bordo de um Dragon a caminho da Estação Espacial — embora seja, claro, o primeiro com companhia humana ao longo da viagem. Em março de 2019, Elon Musk colocou um peluche sorridente da Celestial Buddies com o formato do planeta Terra numa missão de envio de carga para os astronautas em órbita. O peluche está na Estação desde então e deverá voltar cá para baixo quando Bob e Doug regressarem — algo que pode acontecer só em finais de setembro.

Além disso, o Dragon transporta também uma ilustração inspirada no progresso da humanidade para lá da Terra desenvolvido por Tristan Eaton, um artista americano conhecido pelos trabalhos urbanos, assim como um painel de fotografias de finalistas do ensino secundário americano. Cada fotografia pode ser explorada na página da SpaceX.

Elon Musk: “Disse-lhes que estamos a fazer tudo para que regressem”

Em declarações ao canal da televisão da NASA, que está a fazer a cobertura nas últimas horas, Elon Musk falou sobre a importância da viagem espacial. Elon Musk quer aproveitar as aprendizagens desta experiência na tecnologia que, nos seus planos, permitirá fazer do espaço um destino turístico e da SpaceX o epicentro da próxima alunagem e da viagem a Marte.

Mas, para lá das tecnicidades, o multimilionário também abriu o coração. Questionado sobre se o facto de a missão ser tripulada acrescenta pressão aos ombros de Elon Musk, o fundador da SpaceX confirma: “Falei com a família deles antes de vir para aqui”, confessou, referindo-se a Bob Behnken e Doug Hurley. “Disse-lhes que estávamos a fazer de tudo para que eles regressem”.

O presidente norte-americano Donald Trump estava no Centro Espacial John F. Kennedy para assistir ao lançamento do Falcon 9 esta noite. Trump seria a única pessoa a assistir ao vivo à descolagem do foguetão, uma vez que os ajuntamentos habituais foram proibidos por causa da Covid-19. O último presidente que tinha assistido a um lançamento foi Bill Clinton em 1998 com o Space Shuttle Discovery. Ainda não se sabe se estará na Flórida no fim de semana para a nova data.

A viagem do Dragon, passo a passo

Depois de partir do Complexo de Lançamentos 39A, no Centro Espacial Kennedy, não muito longe da gigantesca garagem onde o Saturn V foi montado e onde os foguetões da SpaceX também ganham forma, a viagem da cápsula Dragon até à Estação Espacial Internacional demorará 19 horas. Mas a aventura começa ainda com os pés bem assentes na terra, 45 minutos antes do lançamento. Eis como tu vai acontecer:

Quarenta e cinco minutos antes da descolagem, o diretor de lançamento da SpaceX verifica a carga de projeção, a fonte de energia química que aplica propulsão ao foguetão e uma grande velocidade inicial.

Quarenta e dois minutos antes da descolagem, retrai-se o braço de acesso da tripulação, uma peça metálica que permite aos astronautas entraram na nave espacial Dragon. É todo branco e desinfetado regularmente para evitar contaminações nos momentos antes da partida da missão — e já era assim antes da pandemia.

Trinta e sete minutos antes da descolagem, o sistema de escape no lançamento do Dragon é acionado. Este é o mecanismo que vai separar a nave espacial do Falcon 9 em caso de emergência. Fica no topo do foguetão, ligado ao Dragon, e expele-o para longe do Falcon 9 em caso de explosão.

Trinta e cinco minutos antes da descolagem, começa o abastecimento de RP-1, um combustível usado nos motores propulsores dos foguetões. Ao mesmo tempo que isso acontece, também começa o abastecimento de oxigénio líquido no primeiro estágio do foguetão, para oxidar o RP-1.

Dezasseis minutos antes da descolagem, começa também o abastecimento do oxigénio líquido no segundo estágio do foguetão.

Sete minutos antes da descolagem, começa o arrefecimento de motores. É um passo em que se usam combustíveis criogénicos a partir do RP-1 e do oxigénio líquido para controlar a temperatura dos motores. Isto evita os choques térmicos que poderiam danificar os materiais dos motores.

Um minuto antes da descolagem, o comandante de voo inicia as verificações técnicas prévias ao lançamento. Ao mesmo tempo, inicia-se também a pressurização do tanque de propulsão.

Quarenta e cinco segundos antes da descolagem, o diretor de lançamento da SpaceX verifica se estão reunidas todas as condições para o lançamento.

Três segundos antes da descolagem, começa a sequência de ignição do motor a mando da unidade de controle do motor, um módulo de controlo eletrónico à combustão interna do motor que assegura o desempenho ideal destas peças do motor.

Cinquenta e oito segundos depois da descolagem, atinge-se a condição Max Q, o ponto de uma rota de ascensão pela atmosfera fora em que o foguetão fica exposto à máxima pressão mecânica. É uma fase muito crítica para verificar a fiabilidade do design do foguetão.

Dois minutos e 33 segundos depois da descolagem, os motores do primeiro estágio do foguetão — nove motores Merlin — são desligados.

Dois minutos e 36 segundos depois da descolagem, o primeiro e o segundo estágio do Falcon 9 separam-se. O primeiro estágio é reutilizável e, uns minutos após o lançamento da missão, regressará ao solo e aterrará de nariz para cima na plataforma “Of Course I Still Love You”, no Oceano Atlântico.

Dois minutos e 44 segundos depois da descolagem, liga-se o motor Merlin do segundo estágio do foguetão.

Sete minutos e 15 segundos depois da descolagem, o primeiro estágio do foguetão reentra na atmosfera e continua a sua viagem em direção ao solo.

Oito minutos e 47 segundos depois da descolagem, o motor do segundo estágio do foguetão desliga-se.

Nove minutos e 22 segundos depois da descolagem, o primeiro estágio do Falcon 9 aterra no Oceano Atlântico, na plataforma “Of Course I Still Love You”, no porto Canaveral, na Flórida.

Doze minutos depois da descolagem, o Dragon separa-se do segundo estágio do foguetão e continua a sua viagem até à Estação Espacial Internacional.