A discussão de um parecer sobre um projeto do Chega que extingue a comissão para a igualdade e contra a discriminação racial abriu um debate acalorado em que Isabel Moreira (PS) chamou racista a André Ventura (Chega).
A meio da discussão do parecer, na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, esta quarta-feira de manhã, Isabel Moreira afirmou que o deputado do Chega “é declaradamente uma pessoa racista”, ao que André Ventura respondeu, por Skype, que “nunca” foi “condenado por racismo”.
O presidente da comissão, Luís Marques Guedes, chamou a atenção para este tipo de linguagem que pode “ofender as pessoas”, distinguindo o que é uma opinião e uma posição política, quando se acusa alguém de “apresentar propostas racistas”.
Na resposta, a deputada do PS disse “recuar” e que “não deveria ter dito o que disse”, mas acrescentou, em tom irónico: “Uma pessoa que nunca foi condenada por racismo não é racista, tem muitas opiniões racistas, mas não tendo sido condenado, não é racista.” “Uma pessoa que propõe confinamento de pessoas por serem ciganas, é ser racista”, afirmou ainda.
Neste debate, em que o deputado do Chega participou por Skype, André Ventura disse que não iria responder diretamente a Isabel Moreira, embora também tenha dito: “Não vou dizer o que penso sobre si.”
O debate incidiu sobre o relatório a propósito de um projeto de lei do Chega que propõe que seja extinta a comissão para a igualdade e contra a discriminação racial e que caiba ao Ministério Público a investigação de crimes relacionados por questões raciais ou discriminação.
Essa comissão, que no projeto se diz que custa “vários milhares de euros”, só servirá, para André Ventura, para “passar umas multas”, como se fossem “multas de trânsito”.
Com os deputados do PSD e o PCP em silêncio e na ausência do CDS, coube a Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda, e a Romualda Fernandes, do PS, a defesa do relatório de Isabel Moreira.
É preciso contraditório” e não deixar passar a ideia de que “falar de racismo é falar de um problema que não existe”, afirmou a deputada bloquista, numa referência o facto de o Chega afirmar, no seu projeto, que “não é verídico afirmar-se categoricamente que Portugal é um país racista ou que tenha um problema de racismo estrutural”.
Já Romualda Fernandes argumentou também que a criação da comissão decorre de compromissos internacionais assumidos em matéria de combate à discriminação racial.
Isabel Moreira diz que há preocupação no PS sobre restrição de direitos por resolução
A deputada socialista Isabel Moreira afirmou esta quarta-feira que há preocupação na bancada do PS pela forma como o Governo está a “restringir direitos” através de resoluções do Conselho de Ministros sem intervenção parlamentar, suscitando-se inclusivamente dúvidas de constitucionalidade.
Em declarações à agência Lusa, Isabel Moreira, constitucionalista, além desta advertência ao Governo, insurgiu-se também contra a “inqualificável” divulgação pública de um seu email “interno de trabalho” – um email que disse ter enviado recentemente sobre esta questão aos seus colegas de bancada.
Pretendeu-se passar a ideia de que eu – e só eu -, levanto dúvidas sérias sobre forma como se restringem direitos em estado de calamidade, mas foram variadíssimos os deputados e as deputadas que concordaram com a minha visão. A nossa intenção é sempre procurar as melhores soluções para propor e apoiar o Governo que sustentamos”, disse.
No que toca à forma como se estão restringir direitos, liberdades e garantias nesta fase do país em que vigora a declaração de calamidade, Isabel Moreira defendeu que lhe não parece que exista “habilitação na Lei de Bases da Proteção Civil, ou em outras leis que têm sido invocadas, ou mesmo em decretos que limitaram direitos e que são eles próprios de muito duvidosa constitucionalidade”.
Não me parece adequado que se restrinjam direitos liberdades e garantias, como o número de pessoas que podem estar concentradas num determinado local, ou mesmo em relação ao uso de máscaras, através de resolução do Conselho de Ministros. Penso que não é saudável que se tenha passado de um estado de emergência, em que evidentemente teria de haver intervenção do Presidente da República e do Governo e da Assembleia da República, para uma outra situação em que, para restringir direitos, basta uma resolução do Conselho de Ministros”, sustentou.
Mas a deputada socialista vai mais longe em defesa da sua tese, contrariando a opção legislativa do executivo. “Mesmo quem não considere que se trata de uma inconstitucionalidade orgânica e de um desrespeito pelo parlamento – é essa a minha opinião -, aquilo que tenho visto por parte dos meus colegas é que certamente se ficaria mais confortável se existisse um diploma com aprovação pelo parlamento, tal como foi feito em outros países que transitaram de um estado de emergência para outra situação de pós-estado de emergência. O parlamento é a casa da restrição de direitos, liberdades e garantias”, frisou.
Segundo Isabel Moreira, o processo legislativo deveria ter sido feito com base em propostas de lei ou por autorização legislativa da Assembleia da República.
Considero errado alienar o parlamento de restrições de direitos, liberdades e garantias, que são muito importantes – isto, tendo a certeza de que o Governo tem uma opinião diferente e que está a fazer com uma convicção de que tem base legal para o fazer”, ressalvou.
Nas declarações que proferiu à agência Lusa, Isabel Moreira considerou que o Governo até “tem sido cauteloso em utilizar a Lei de Bases da Proteção Civil”, mas apontou logo a seguir “um outro conjunto de leis que são importantes, como a Lei de Bases da Saúde, dando esta competências concretamente à ministra da Saúde”.
“Entendo que as sucessivas resoluções do Conselho de Ministro distribuem pelos ministérios competências que são da ministra da Saúde. É uma questão técnica que me parece importante ter em atenção. No PS, somos um espaço livre de partilha de opiniões. E não fui certamente a única pessoa que expressou esta opinião”, advertiu.
Isabel Moreira referiu então que, desde o início da pandemia de Covid-19, o Grupo Parlamentar do PS tem discutido as “soluções jurídicas adotadas”.
Como é normal, foram vários os deputados e deputadas que, desde o início, suscitaram dúvidas ou mesmo discordâncias. Pelos vistos, alguém no meu Grupo Parlamentar entendeu divulgar um email meu de trabalho interno, dando a ideia de que só eu, assim do nada, levanto dúvidas sobre a forma como se restringem direitos em estado de calamidade”, criticou.
Isabel Moreira disse ainda não compreender a referência feita esta quarta-feira ao jornal Público por um deputado do PS, embora de forma anónima, dando a entender que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ele próprio um constitucionalista, não levantou obstáculos face à opção de se procurar legislar por resoluções do Conselho de Ministros.
“Ora, as resoluções do Conselho de Ministros não estão sujeitas a promulgação. São exclusivas do Conselho de Ministros e nelas não interfere o Presidente da República”, acentua a constitucionalista e deputada do PS.