Carlos Ghosn poderá ter sido tramado pelo japoneses, para alavancar a sua capacidade negocial face aos franceses da Renault. Quem o afirma é a Bloomberg, que alegadamente teve acesso a troca de correspondência interna da Nissan, onde uma série de executivos japoneses expressava a sua preocupação pela vontade de Ghosn (e, por tabela, da Renault) em fortalecer a Aliança entre os franceses e a Nissan, tornando-a irreversível. Daí terem decidido levar a cabo uma campanha com o objectivo de destronar o seu salvador da direcção de ambas as companhias, de forma a inviabilizar a sua estratégia.
Os documentos que agora vieram a público parecem provar que Carlos Ghosn, o CEO da Renault e chairman da Nissan, tem razão quando alega que foi tramado pela Nissan, numa tentativa de negociar numa posição de força com a Renault, que a controla. Carlos Ghosn foi o grande artífice contratado pela Renault para salvar a empresa francesa, na pós-privatização (em 1998), o mesmo que anos depois orquestrou a recuperação da Nissan das garras da falência (em 1999), passando a controlar 43,4% da empresa nipónica. Forjou uma Aliança entre franceses e japoneses, mas nunca com a solidez de criar um grupo, como a Volkswagen fez com a Audi, Seat e Skoda, entre outras, a Fiat com a Chrysler ou a PSA com a Peugeot, Citroën e Opel.
A Nissan sempre se opôs à fusão com a Renault com receio de não ser dominante dentro do grupo que Ghosn queria formar, para tornar a empresa mais eficiente e impedir os japoneses de continuar a fazer das suas. E outra coisa não seria de esperar de uma empresa que estava condenada e que só não foi ao fundo devido aos iniciais 3,5 mil milhões que os franceses injectaram na Nissan, em troca de 36,8% do capital.
A posição oficial da Nissan é que afastou Ghosn quando se apercebeu que o seu ex-CEO, e na altura chairman, tinha prestado declarações falsas sobre os rendimentos recebidos. Contudo, a empresa nipónica não explica os motivos que a levaram a proceder de forma distinta quando descobriu que o CEO japonês, Hiroto Saikawa, procedia da mesma forma. Aparentemente, era prática na Nissan…
Num dos documentos, um dos executivos da Nissan, Hari Nada, terá informado o responsável pelas relações governamentais, Hitoshi Kawaguchi, que a Nissan deveria “neutralizar as iniciativas de Ghosn antes que seja demasiado tarde”. A trama adensa-se ainda mais noutro documento enviado ao CEO Hiroto Saikawa, durante muito tempo o número dois de Ghosn, onde Hari Nada o aconselha a pedir o fim do acordo com a Renault, avançando ainda a possibilidade de comprar acções da marca francesa e de impedir que os franceses possam nomear uma série de posições determinantes na Nissan. Tudo isto, segundo a Bloomberg, nas vésperas de Ghosn ter sido preso ao aterrar em Tóquio, a 18 de Novembro de 2018.
Ainda antes de Ghosn ser encarcerado, Nada defendia noutro documento que se devia “alargar as acusações” ao responsável máximo do grupo Renault e da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, “incluindo quebra de confiança” para se tornar mais difícil de explicar as declarações de rendimentos inferiores aos valores movimentados em direcção a Ghosn. Nada aconselhava ainda os seus superiores a que “todo este esforço fosse acompanhado por uma campanha nos órgãos de informação, como garantia de que a reputação de Ghosn seria completamente destruída”. Curiosamente, além de Ghosn e de Hiroto Saikawa, também Hari Nada figura no rol dos executivos que receberam mais do que o que foi declarado, tanto pelos empregados como pela empresa. Uma fuga ao fisco, portanto.
A Bloomberg suporta a notícia em testemunhos e documentos, que a Nissan diz serem forjados. Porém, não se refere aos testemunhos. Pelo seu lado, Hari Nada, que aparenta ter um papel determinante neste caso, optou por não responder às questões.