39 mil milhões de euros. Este é o valor, à data de 18 de junho, que os bancos nacionais tinham em moratórias de crédito relacionadas com a pandemia Covid-19, segundo o Banco de Portugal. O valor corresponde a 22% das carteiras de crédito dos bancos, em termos agregados. Na avaliação que o Banco de Portugal faz da estabilidade financeira, publicada esta quarta-feira, a instituição avisa que “as consequências da pandemia poderão prolongar-se muito para além do fim previsto” para estas moratórias – final de março de 2021 – pelo que “poderá ocorrer um aumento do incumprimento” tanto por parte dos particulares como por parte das empresas.
“Num contexto marcado pela pandemia de Covid-19, a concretização das perspetivas macroeconómicas muito desfavoráveis nos próximos anos deverá afetar negativamente a capacidade do setor privado não financeiro em servir a dívida, designadamente, no caso das empresas, em alguns setores particularmente vulneráveis ao atual contexto, levando a uma deterioração da qualidade dos empréstimos e consequente aumento do incumprimento“, antecipa o Banco de Portugal, que recentemente estimou uma recessão de 9,5% na economia portuguesa, em 2020, mais grave dos que os 6,9% previstos pelo Orçamento do Estado em aprovação (e uma recessão que, num cenário adverso admitido pelo Banco de Portugal, pode superar os 13%).
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No Relatório de Estabilidade Financeira (REF) destaca-se, porém, que “as medidas adotadas no sentido de abranger parte dos empréstimos existentes por moratórias públicas ou privadas e de conceder garantias públicas a parte dos novos créditos atuem no sentido de mitigar, pelo menos no curto prazo, o aumento do fluxo de novos NPL (ou dívida em incumprimento) e o seu impacto negativo sobre as instituições.
Mas o Banco de Portugal deixa um aviso claro: “As consequências da pandemia poderão prolongar-se muito para além do fim previsto do período de vigência destas medidas, pelo que, após o seu término, poderá ocorrer um aumento do incumprimento das obrigações de crédito tanto dos particulares, como das empresas”. “É fundamental que os regimes de moratória sejam acompanhados por outras medidas de apoio à liquidez e solvabilidade dos diferentes agentes económicos e de relançamento da economia”, recomenda o Banco de Portugal.
A instituição calcula que a “exposição dos oito maiores grupos bancários a atuar em Portugal a créditos objeto de adesão a regimes de moratórias públicas e privadas, até 18 de junho, ascendia a cerca de 39 mil milhões de euros (cerca de 22% da carteira total de crédito a empresas e particulares)”. A estas moratórias pode acrescentar-se que “no que diz respeito a concessão de garantias públicas a linhas de crédito, o montante total anunciado situa-se em 13,4 mil milhões de euros, o que corresponde ao máximo autorizado pela Comissão Europeia”.
Segundo os dados do Banco de Portugal, 30% do crédito concedido às empresas está em moratória, com 17% do crédito a particulares abrangidos pelas moratórias públicas e privadas.
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Esta é uma crise que, assinala o Banco de Portugal, surge numa altura em que “a deterioração da qualidade da carteira de crédito dos bancos portugueses, observada entre 2008 e 2016, ainda não terá sido totalmente revertida“. Esta é, portanto, uma “vulnerabilidade do sistema bancário, num contexto em que emergiu, de forma abrupta, uma nova crise, cuja persistência temporal está rodeada de elevada incerteza”.
Os rácios de crédito vencido ou malparado têm vindo a cair nos últimos anos, com esforço de recuperação, com o crescimento económico e também a venda de carteiras de crédito a empresas especializadas na recuperação de crédito. O crédito malparado chegou aos 17,8% em 2016, mas baixou para 6,1% até ao final do ano passado. Mas “o atual contexto económico-financeiro aponta para a interrupção da trajetória de redução dos empréstimos non-performing, sendo expectável que as condições para a diminuição deste stock se tornem menos favoráveis ou tendam mesmo a desaparecer“, afirma o Banco de Portugal.
Sendo esta uma realidade a nível europeu, ela será tanto mais relevante quanto mais elevados forem os rácios de NPL dos sistemas bancários. O desempenho associado às transações de NPL deverá ser afetado negativamente e de forma transversal no curto e médio prazo, embora seja expectável alguma diferenciação entre setores de atividade em função da magnitude e duração da crise. Em particular, a principal preocupação associada a este mercado está associada a pressões de liquidez motivadas, por exemplo, por disrupções nos processos de recuperação dos NPL e/ou a uma eventual redução dos preços do imobiliário, com implicações ao nível da execução dos colaterais associados.”
O Banco de Portugal reforça que a “natureza e as implicações da crise pandémica requerem uma resposta coordenada ao nível europeu. A efetividade das medidas será tanto maior quanto maior for a sua articulação, seja entre as diferentes autoridades, seja entre os diferentes países e blocos económicos”. “Será, assim, importante que sejam criadas as condições para que os países, mesmo partindo de situações diferenciadas, possam atuar de forma concertada e proporcional aos desafios que enfrentam”, remata o Banco de Portugal.