Será uma loja ou uma galeria de arte? Nada como deixar as intimidações de lado, pôr a máscara e entrar para conferir. A L’Éléphant abriu há um mês naquele que, por estes dias, é novo bairro mais pacato de Lisboa, o Chiado. Entre paredes e objetos de personalidade forte, encontramos um trio mais conversador do quarteirão — Joana Correia, arquiteta de formação, Álvaro Roquette, decorador e antiquário, e Luís Araújo, que depois da arquitetura atirou-se à engenharia civil, uma dobradinha de grande serventia no setor.

São sócios e têm papéis bem definidos dentro deste estúdio de interiores criado em 2015. Em tempos chamou-se Cubiculum, mas os projetos e ambições de Joana e Álvaro, os proprietários iniciais, deixou de caber no pequeno gabinete de projetos. “Passámos de 60 para 400 metros quadrados”, começa por dizer Álvaro, há 20 anos na área do design de interiores. “Durante anos, tivemos uma estrutura exclusivamente baseada na relação com os nossos clientes — eles vinham uma primeira vez, voltavam e acabavam por recomendar a amigos. Agora, quisemos ser nós a ir conhecer as pessoas e isso só se consegue abrindo a porta”, completa Joana.

Joana Correia, Álvaro Roquette (à esquerda) e Luís Araújo © David Andrade

A equipa cresceu, o número de projetos aumentou, sobretudo fora do país, e o negócio sofreu um rebranding. L’Éléphant — conhecido por ser o obstáculo incontornável no meio da sala — serviu de mote à primeira loja. O atelier abriu-se ao exterior e assumiu ele próprio a forma de casa. As divisões sucedem-se como num espaço habitado — uma sala de estar, um escritório, uma biblioteca e uma sala de jantar.

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Apenas uma porta separa a loja dos bastidores, ala reservada ao trabalho à secretária e a reuniões e onde os projetos ganham vida. Uma porta que se quer entreaberta, nunca fechada, para encurtar a habitual distância entre clientes e profissionais. “A arquitetura e o próprio design de interiores são atividades excessivamente fechadas. Aqui, queremos que as pessoas circulem”, refere Joana. O contacto entre arquitetos, designers e clientes é, mais uma vez, essencial. Joana fala numa relação distante, quase cerimonial, e que não garante necessariamente a criação de elos de confiança.

Os três têm bem presentes quais os principais preconceitos que pairam sobre o setor, a começar pela idade dos clientes. “Existe uma conotação bastante conservadora quando falamos em interiores, de que não é uma coisa para jovens, de que ‘ainda não está altura'”, acrescenta a arquiteta. Com clientes que vão dos 30 aos 80 anos, é através da proximidade que esta equipa tenta combater os complexos que minam o mercado. “Também não trabalhamos só para ricos. O nosso objetivo é conseguir chegar a todos, a casas sem nada e a casas com tudo”, remata Álvaro, à conversa com o Observador.

Uma tese sobre o gosto

“A casa muda com a personalidade das pessoas”, afirma o decorador. Primeiro como Cubiculum, agora como L’Éléphant, a maleabilidade do atelier é posta à prova a cada projeto. A assinatura está sempre lá — no uso da cor, na subversão de regras e até na valorização do artesanato –, mas o gosto nunca surge como imposição. “Temos sempre de ver como é que o nosso gosto vai entrar ali, naquela casa, nas expectativas daquele cliente. Dizem que os gostos não se discutem, mas discutem-se. O gosto discute-se e educa-se também”, declara Álvaro Roquette, que com o passar dos anos ganhou o cognome de home dresser.

Um dos ambientes no interior da nova loja © Francisco Amado

“Em Portugal, há gente com ótimo gosto. Mas notamos que os clientes internacionais percebem que as coisas boas beneficiam as casas. Os franceses, por exemplo, valorizam imenso o toque dos tecidos. Os portugueses querem muito fazer omeletes sem ovos e a verdade é que elas se fazem”, conclui. No campo da cor, a batalha continua a ser travada. Em Portugal, a resistência continua alta, principalmente quando comparada com França ou Inglaterra, países culturalmente habituados a contornar a insipidez das paredes brancas.

Álvaro recorda o dia em que sugeriu a um dos clientes que pintasse a sala de jantar de vermelho — paredes e teto tingidos de um tom intenso e com brilho. “A cara dele tremeu”, assinala. “São só paredes, é como com o cabelo: cortamos e ele volta a crescer”, adiciona Joana. Num ponto, estão ambos de acordo: a idade traz uma maior abertura ao arrojo e à liberdade das escolhas, enquanto o gosto dos mais novos surge muito mais regido por tendências.

“E o gosto também é regional, não há dúvida”, declara Roquette. “Nos anos 80, por exemplo, onde é que estavam as casas mais vanguardistas? No norte do país, construídas pelos industriais do têxtil que iam muito a Itália por causa dos tecidos e que, por isso, tinham um gosto muito mais educado para a modernidade”, explica. “Lisboa sempre foi muito mais burguesa. Os filhos casavam e queriam replicar as casas dos pais”, continua Joana.

Aplique de parede na L’Éléphant © Instagram

Outro hábito português: o de não viver as peças mais especiais. Ter um serviço de jantar guardado a sete chaves ou uma colcha para evitar o desgaste do sofá é meio caminho andado para ver um decorador irritado. No L’Éléphant, a equipa recorda o cliente que visitou dois anos depois de concluído o projeto. “Nem os livros que lá deixámos tinham saído do sítio. As casas têm de ser vividas, não são para vestir com os vestidos de ir à madrinha”, desabafa Álvaro Roquette.

O antigo e o contemporâneo a morar na mesma casa

“Dos três, sou o que tenho o olhar menos contemporâneo”, reconhece o decorador. “Eles é que me puxam para a modernidade”. Como antiquário, mais do que objetos, Álvaro traz as velhas técnicas para dentro do atelier. Exemplo disso são os apliques de parede expostos na loja, feitos com pequenas conchas e búzios. A minúcia impressiona, bem como saber de que mãos vieram — “um senhor francês que chegou a fazer cenários para a ópera de Paris”.

Nos diferentes ambientes da loja, a miscelânea é visível — pintura contemporânea e traço industrial ao lado de sofás imponentes, tecidos exuberantes e inspirações africanas. São o espelho de um estilo onde tudo cabe. “O Álvaro integra a história sem preconceitos. Lembro-me de o ver pôr um par de candeeiros em cima de uma consola, os dois do mesmo lado”, conta Joana, ao recordar o dia em que pensou, pela primeira vez, em formar uma equipa.

Um dos ambientes no interior da nova loja © Francisco Amado

Entre as muitas paixões do decorador, está o artesanato, em especial o português. Dos bordados de Viana do Castelo à olaria de Nisa, integrar a tradição portuguesa nos projetos — seja em Sintra ou em Paris — é uma opção frequente, mesmo que sob uma orientação específica, como acontece sobretudo quando é preciso aumentar a escala das peças, tradicionalmente demasiado pequenas para acompanhar os interiores contemporâneos. “Tem sido um sucesso. Normalmente, estamos com os artesãos para lhes dar um toque. Sobretudo, é importante dar ao artesanato português a dignidade que ele não tem quando está enfiado numa loja de souvenirs“, conclui.

As opiniões sobre Joana são unânimes — ela é o maestro, mas também o elemento conciliador entre as fantasias do decorador e o pragmatismo do arquiteto engenheiro. Luís é purista no desenho e a mente engenhosa por detrás de muitas das soluções técnicas e cálculos que sustentam os projetos do atelier. Juntou-se à equipa de uma forma inusitada — a própria mão respondeu ao anúncio, não lhe deixado alternativa senão ir à entrevista. Hoje, são um “monstro de três cabeças”, como lhe chama Joana.

O negócio da decoração e a nova vida em casa

“Toda a gente ficou fechada em casa e se apercebeu do que lá tinha”, exclama Joana. Contrariamente a muitos outros negócios, este tem corrido de vento em popa. O confinamento fez-se sentir de uma forma especial na área da decoração e do design de interiores. Com a abertura da loja, muito entraram aqui à procura de soluções. “Muitas pessoas olharam para o que tinham e perceberam que não gostavam”, conclui a arquiteta.

Detalhe da loja © David Andrade

Em março, Joana, Álvaro e Luís colocaram os cinco funcionários em lay-off. Ficaram os três sócios para segurar as pontas e para finalizar os projetos que já estavam em curso. Inesperadamente, os clientes continuaram a procurar o atelier e, com a entrada de novos projetos, a dispensa temporária da equipa foi revertida. Surpresas de uma pandemia, ela própria inesperada, que deixou toda a gente a olhar para a própria casa com outros olhos.

Dentro e fora do país, o atelier continua a não ter mãos a medir. Para o resto da Europa exporta-se o saber fazer português, sobretudo das áreas da marcenaria e serralharia, para não falar no artesanato que tem feito um brilharete além-fronteiras. O trio alega que não é nacionalismo, mas sim um reconhecimento óbvio da qualidade do que é feito em Portugal. Na nova loja, defendem, as vistas fazem-se com calma e, quem sabe, se com dois dedos de conversa com os donos da casa. Está bom de ver que assunto não há-de faltar.