Para Irene Flunser Pimentel, Rita Rato “não corresponde de forma nenhuma aos critérios usados para o perfil do diretor ou diretora do museu do Aljube”. A sua nomeação em concurso — através de um processo de recrutamento para um cargo público, aberto a todos os candidatos — cria dúvidas sobre o todo processo, diz a historiadora, revelando ainda conhecer “pelo menos duas pessoas” com mais competências técnicas que se candidataram ao lugar e que “se sentiram despachadas” durante a fase final de entrevistas:

Conheço pessoas que concorreram e não é uma nem duas nem três. O processo foi longo e atravessou várias fases, uma das quais — a última — era uma entrevista. Sei pelo menos de duas pessoas que foram a essa entrevista e, vou utilizar um termo mais corriqueiro, sentiram-se ‘despachadas’. Não lhes foi colocada nenhuma questão, não lhes foi perguntado nada e rapidamente perceberam, segundo me disseram, que [o nome do diretor] já estaria escolhido”, denuncia.

A historiadora, vencedora do Prémio Pessoa em 2007 e autora de ensaios e livros como A PIDE/DGS. 1945-1974 e A Cada Um o Seu Lugar. A política feminina do Estado Novo, reagiu assim em declarações à Rádio Observador, esta quinta-feira, depois de já ter criticado na sua conta de Facebook a escolha de Rita Rato. A militante do PCP foi eleita para dirigir o Museu do Aljube pela EGEAC — Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, depois de se ter candidatado.

Vincando que não se opõe à escolha por Rita Rato ser militante de um partido — “penso que qualquer militante de um partido pode concorrer, evidentemente, a vários cargos”, diz mesmo —, Irene Pimentel lembra que “no concurso percebemos que em primeiro lugar e preferencialmente estariam pessoas ligadas à História Contemporânea, política ou cultural, e à Museologia”.

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Os principais critérios para o perfil de diretor parece que não correspondem à candidata que acabou por ser escolhida, que é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais e não tem experiência de museologia, de museus ou de direção de museus. Portanto, fiquei perplexa por causa disso”, conta.

Quando tomou conhecimento da nomeação, Irene Flunser Pimentel assume que chegou a pensar: “Se calhar a Rita Rato foi a única candidata”. Depois, apercebeu-se “que muitos e muitas colegas com larga experiência de direção de museus de História Contemporânea também concorreram” e a perplexidade aumentou.

A historiadora portuguesa, doutorada em História Institucional e Política do Século XX, diz ainda que “gostaria muito que este caso servisse de exemplo para que futuros concursos sejam o mais transparentes possíveis” e acrescenta: “Porque estamos numa situação muito complicada, com muito desemprego, e porque há muitos colegas e muitas colegas minhas de museus e de História que concorrem a todos os concursos, gostaria muito de saber se esses concursos são verdadeiros concursos“.

Rita Rato no Museu Aljube. “Sei de pessoas que foram à entrevista e que se sentiram despachadas”

Notando que a EGEAC tinha até possibilidades legais de nomear um diretor sem recorrer a um concurso ou auscultar dezenas de candidatos, vincando até que tal “seria até mais transparente, porque sabíamos todos que as coisas são dessa forma” (embora tenha a opinião de que “um cargo público, nacional ou camarário, deveria sempre ir a concurso”), Irene Pimentel manifesta-se perplexa com o resultado final deste processo de seleção de uma candidatura vencedora.

Não querendo “ter má fé” ou “desacreditar as instituições da democracia do meu país”, a historiadora é clara: “Assim, as coisas não estão a funcionar de forma correta”.

Quanto à possibilidade de a escolha ser revertida, apontou: “Teria de ser colocado em causa o concurso em si, o que é muito grave. Pode ser feito só e unicamente por pessoas que concorreram, que podem impugnar o concurso. Só poderá acontecer [um recuo] se alguém que concorreu tentar impugnar. Aí poderá haver, se calhar, uma revisão, mas penso que vai ser muito difícil porque evidentemente as empresas e as instituições do Estado não querem voltar atrás relativamente a uma postura que tiveram”.

Críticas multiplicam-se

Irene Pimentel não foi a única historiadora a tecer críticas ao facto de a militante do PCP Rita Rato ter sido a escolhida para a direção do Museu do Aljube.

Em texto publicado no seu blogue Malomil, o historiador António Araújo acusa a militante do PCP de desconhecimento da História e vinca: “Nomeá-la é um insulto grave aos historiadores e investigadores portugueses, a gente competente e independente, aos cidadãos desta Lisboa, aos resistentes e às vítimas pela liberdade, a todas elas, sem exceção, aos que lutaram e sofreram no Tarrafal, em Auschwitz, no gulag, na Coreia do Norte, em Hong-Kong, em muitos lugares”.

Historiadores contra escolha de Rita Rato para dirigir Museu do Aljube: “É uma vergonha”

Entretanto, também a presidente do comité português do Conselho Internacional dos Museus, Maria de Jesus Monge, criticou a escolha de Rita Rato para dirigir o Museu do Aljube, afirmando “ter ficado surpreendida” com a escolha por a candidata “não ter o perfil adequado” e não ter “formação que a recomende para aquele lugar”.

Vereadora da CML elogia “experiência de relacionamento interpessoal e político” de Rita Rato

A escolha de Rita Rato foi justificada oficialmente pelo “projeto apresentado e pelo desempenho nas entrevistas realizadas com o júri”, em que esta “se destacou”, de acordo com comunicado publicado no site oficial da EGEAC.

Ao Observador, a vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, defendeu entretanto que Rita Rato “revelou-se a candidata mais adequada para o cargo” e que “o perfil de direção para o museu não tem necessariamente um perfil académico ou museológico”. E

Catarina Vaz Pinto acrescentou que a militante do PCP destacou-se “não só pelo projeto que apresentou” mas também pela “expectativa de que a sua demonstrada experiência de relacionamento interpessoal e político possa vir a assegurar uma transição e renovação geracionais, capaz de manter vivo e atualizado o espírito plural que presidiu à criação” do museu localizado em Alfama.

“Candidata mais adequada”: vereadora da Cultura de Lisboa sai em defesa de Rita Rato à frente do Museu do Aljube

Do júri que selecionou Rita Rato fizeram parte Joana Gomes Cardoso (presidente da EGEAC), Luís Farinha, antigo diretor do museu que agora se reforma, Manuel Bairrão Oleiro (assessor para a área do património e dos museus) e Joaquim René (diretor de recursos humanos da EGEAC).