Mário Centeno apontou esta segunda-feira na sua tomada de posse como governador do Banco de Portugal os quatro desafios estratégicos que a instituição enfrenta e afirmou que a “independência se exerce pela ação”.

“Ao longo de 25 anos aprendi que a independência se exerce pela ação, pela materialização de uma vocação para o serviço público” e “a independência não é uma mera atribuição” ou “algo que nos é outorgado”, assinalou.

Num discurso que durou 10 minutos, Mário Centeno referiu a “enorme honra” e “entusiasmo” com que enfrenta as novas funções, assinalando que “a independência do Banco de Portugal não se questiona nem se impõe” porque ao “Banco de Portugal não cabe ter estados de alma acerca da natureza da sua independência, muito menos ao seu governador”.

Falando na cerimónia de tomada de posse que decorreu no salão nobre do Ministério das Finanças e à qual assistiram o presidente do Tribunal de Contas, o seu antecessor no BdP, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos e ainda os presidentes executivos dos principais bancos a operar no mercado português, entre outros convidados, Mário Centeno apontou os quatro desafios estratégicos que se colocam à instituição que agora passa a liderar.

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Entre esses objetivos estão assegurar uma supervisão eficiente, exigente e proativa num mundo em que a transição digital tem alterado a prestação de serviços financeiros, participar e influenciar a política monetária europeia num contexto de taxas de juros baixas, definir uma política macroprudencial que assegure a estabilidade do sistema financeiro e não permita a acumulação de riscos sistémicos e credibilizar o mecanismo e o processo de resolução bancária.

Numa intervenção pontuada por referências à independência e depois de ter sublinhado que a do Banco de Portugal não se questiona, o novo governador do BdP acentuou que também não cabe ao supervisor do sistema financeiro “viver fechado” para e sobre “si próprio”, considerando que “isso não assegura a independência, cria a irrelevância”.

“A capacidade técnica, de intervenção pública e política e o capital reputacional de toda a instituição, começando pelo governador, são a melhor garantia de uma instituição sólida, coesa e que viva para a sociedade”, disse ainda Mário Centeno.

O novo governador, que viu a sua indigitação para o cargo ser alvo de crítica por parte dos partidos da oposição pelo facto de ter desempenhado as funções de ministro das Finanças nestes últimos cinco anos, disse não acreditar “em estratégias de dividir para reinar” e que sempre geriu as instituições por onde passou “de portas abertas”.

Mário Centeno apontou ainda que o “país precisa, como nunca, de instituições fortes e renovadas e de lideranças capazes de enfrentar os desafios que se nos põem com determinação, num contexto europeu e mundial competitivo”, afirmando ser, por isso, com “enorme entusiasmo, mas sobretudo com responsabilidade e plena consciência dos desafios futuros” que encara a liderança do Banco de Portugal.

“O Banco de Portugal tem de ser uma instituição de referência”, referiu depois de já ter precisado que “o Banco de Portugal é fulcral”, seja “quando consegue cumprir com sucesso os seus objetivos, o que tantas vezes não é apercebido pela sociedade, seja quando falha nesse cumprimento, o que tem sempre enorme impacto e visibilidade”.

“O Banco de Portugal pode e deve contribuir decisivamente para a definição de políticas nacionais coerentes, de portas abertas, e para uma estratégia nacional que permita a Portugal vencer os importantes desafios que se lhe colocam na Europa e no mundo”, precisou ainda Mário Centeno.

Ao longo da sua intervenção, o novo governador do BdP sublinhou também o seu trajeto académico, no BdP, como governante e presidente do Eurogrupo, que lhe permitiu “adquirir e amadurecer o conhecimento e o saber, que foram as bases essenciais para exercer, com sucesso e ponderação, cargos públicos”.

Numa intervenção também de cerca de 10 minutos, o ministro das Finanças, João Leão, afirmou que a escolha de Mário Centeno “contribuirá para que o país esteja representado ao mais alto nível” entre os governadores de bancos centrais da zona euro.

“Estou confiante que Mário Centeno é a pessoa certa para lidera o Banco de Portugal neste momento exigente”, referiu o ministro, reafirmando o que já tinha dito na semana passada durante uma audição na Comissão de Orçamento e Finanças.

Antes João Leão tinha deixado uma palavra de agradecimento a Carlos Costa, sublinhando que o mandato que agora cessa “foi exercido em condições económicas muito difíceis”, tendo atravessado uma das maiores crises mundiais, com um “impacto muito profundo” no sistema financeiro.

O anúncio da aprovação da nomeação de Mário Centeno para governador do BdP, sob proposta do ministro das Finanças, João Leão, foi feito na passada quinta-feira, no final da reunião do Conselho de Ministros, em Lisboa. Mário Centeno sucede a Carlos Costa, cujo segundo mandato terminou em 08 de julho, depois de 10 anos à frente daquela instituição.

A escolha de Centeno para o cargo foi polémica, pelo facto de este responsável passar quase diretamente do Ministério das Finanças (onde foi ministro até junho) para o BdP, quando em 09 de junho foi aprovado no parlamento, na generalidade, um projeto do PAN que estabelecia um período de nojo de cinco anos entre o exercício de funções governativas na área das Finanças e o desempenho do cargo de governador.

Contudo, a 17 de junho, a esquerda parlamentar (PCP e BE, sendo já sabido que PS era contra) demarcou-se da intenção do PAN de estabelecer esse período de nojo e, a 25 de junho, o parlamento suspendeu por quatro semanas a apreciação na especialidade do projeto do PAN até chegar o parecer pedido ao Banco Central Europeu (BCE).

Mário Centeno nasceu no Algarve em 1966 e licenciou-se em economia no ISEG, em Lisboa (onde chegou a professor catedrático). Depois de regressar de Harvard com um doutoramento, em 2000, ingressou no BdP, instituição na qual foi economista, diretor-adjunto do Departamento de Estudos Económicos e consultor da administração.

Entre novembro de 2015 e junho de 2020 foi ministro das Finanças dos dois governos PS liderados por António Costa. Foi eleito presidente do Eurogrupo, o grupo de ministros das Finanças da zona euro, e levou as contas públicas portuguesas ao primeiro saldo positivo em democracia, mais concretamente desde o ano de 1973.