Mais de 27 mil tratamentos para a hepatite C foram autorizados e cerca de 26 mil iniciados desde 2015, com taxas de cura de 97%, avançou esta segunda-feira à agência Lusa o presidente da Sociedade Portuguesa de Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG).

Citando dados oficiais da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), Rui Tato Marinho precisou, em declarações à agência Lusa, que foram registados 27.239 tratamentos desde que foi assinado em 2015 um acordo com a indústria farmacêutica para acesso aos medicamentos inovadores para o tratamento da Hepatite C.

“Há uma certa disparidade entre os tratamentos finalizados e os que são registados, porque isto implica que os médicos registem no portal (do Infarmed). É um certo obstáculo burocrático, mas tem de ser”, disse o gastrenterologista à Lusa, na véspera de se assinalar o Dia Mundial das Hepatites.

Segundo as estimativas, ainda existem 40 mil pessoas infetadas com o vírus da hepatite C por diagnosticar e tratar em Portugal.

As hepatites víricas são “doenças silenciosas”, “muito traiçoeiras”, porque podem “evoluir durante 20, 30, 40 anos ou mais sem a pessoa saber que está infetada, fazer a vida normal, contagiar outras pessoas, e mais tarde vir a desenvolver uma cirrose ou um cancro do fígado”. “Porque sabemos que essas pessoas existem”, queremos identificá-las, porque existe uma “grande capacidade interventiva nesta área das hepatites”.

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Para isso, é preciso ir ter com essas pessoas, promovendo um rastreio mais amplo, que também é benéfico para a sociedade, para evitar mais infeções. “Estamos muito habituados” a que as pessoas que têm problemas de saúde “venham até nós, mas temos de mudar um bocado o nosso modo de pensar e irmos até elas”: “estas pessoas não são marcianos, não vivem noutro mundo. Vivem a poucos quilómetros de nós, alguns deles cruzam-se connosco e são potenciais problemas de saúde pública” porque não sabem que estão infetados e podem infetar outros.

Entre esses grupos de riscos, designadamente na hepatite C, um vírus que se transmite sobretudo por via sanguínea, estão pessoas que foram consumidoras de drogas ou que ainda são, alguns sem-abrigo, pessoas com dificuldade em ir ao hospital, em gastar dinheiro em transportes públicos, ou que fizeram transfusões de sangue antes de 1992, quando ainda não existiam testes para este vírus.

“Temos de ir a essas bolsas sociais mais desfavorecidas, além de ser uma ação humanitária, que temos obrigação social e ética de o fazer, vai permitir não só diagnosticar, tratar e curar essas pessoas, mas também é bom para a sociedade”, defendeu. Mas, ressalvou, “não quero estigmatizar só esses grupos porque há diretores de empresas, pessoas muito bem colocadas na vida que também têm as hepatites víricas sem o saberem”.

Rui Tato Marinho explicou que tal como a Covid-19, as hepatites também são vírus, mas que afetam o fígado em vez do pulmão, e constituem um problema de saúde pública. “São vírus que conhecemos muito bem, conhecemos as cadeias de transmissão, sabemos que há pessoas assintomáticas, como há na Covid-19”, mas existem testes serológicos, marcadores das hepatites e teste de diagnóstico PCR.

Também há vacinas para algumas hepatites, tratamento e cura. “Portanto, temos uma panóplia de ‘armas’ “, de intervenção médica e de saúde pública, que “desejávamos para a Covid com a máxima urgência”. Com esta intervenção, assinalou, evitam-se as consequências desta doença, a cirrose e o cancro do fígado, que matam 1,5 milhões de pessoas anualmente no mundo.

Campanha alerta para a necessidade de reunir esforços no combate às hepatites

“Todos contam” é o mote de uma campanha lançada pela Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia que visa reforçar a mensagem de que é preciso reunir esforços no combate às hepatites, que todos os anos matam 1,5 milhões de pessoas mundialmente.

A “#TodosContam” é uma iniciativa patrocinada pela Organização Mundial de Saúde e por várias entidades internacionais que assinala o Dia Mundial das Hepatites, que se assinala na terça-feira, disse à agência Lusa o presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG), Rui Tato Marinho.

Há um milhão de portugueses que têm as análises do fígado alteradas, mas existe “muita capacidade” de intervenção nas doenças principais deste órgão, “com vacinas e tratamentos muito eficazes”, disse o especialista, defendendo a inclusão da análise ao fígado nos exames de rotina.

“Uma das mensagens importantes é que as pessoas se lembrem que é um órgão que não podemos viver sem ele, não há fígado artificial, e até para os transplantes, que chega a pouca gente, nós estamos com menos dadores, porque há menos acidentes”, elucidou.

Para Rui Tato Marinho, é “perfeitamente atingível” eliminar o vírus da hepatite C como problema de saúde pública até 2030, cumprindo a meta estabelecida pela OMS, através do tratamento disponível desde 2015 para a hepatite C, com taxas de cura de 97%, da união de esforços para não deixar ninguém sem cuidados e da afetação dos recursos adequados.

Isso exige “uma estratégia muito mais ativa, de ir muito mais ao terreno, testar mais” para identificar as 40 mil pessoas que se estima estarem infetadas e que é preciso diagnosticar, disse, apelando à população para, “pelo menos uma vez na vida”, fazer as análises à hepatite B e C e ao VIH.

A campanha conta com a colaboração da SOS Hepatites, do Grupo de Ativistas em Tratamento (GAT) e da Associação Ares do Pinhal.

Em comunicado, o diretor-executivo do GAT, Ricardo Fernades, alerta para o “grande impacto” das hepatites na saúde das pessoas, mas lembra que “tudo isto pode ser prevenido” através da vacinação, do tratamento e do diagnóstico precoce. Esta posição é partilhada pela presidente da SOS hepatites, Emília Rodrigues, sublinhando que uma das “grandes batalhas” da associação é “o rastreio”.

“Embora ainda haja discriminação e ostracismo para com os portadores”, a hepatite é uma doença assintomática que pode atingir qualquer pessoa, disse, exemplificando com quedas dadas no passado em que a pessoa teve de levar ‘um pontinho’, um parto antes de 1992 ou um destacamento na guerra do ultramar.

Elsa Belo, diretora-técnica da Ares do Pinhal, associação que apoia pessoas em situação de exclusão social, acrescentou que muitas destas pessoas “desconhecem a sua situação real de saúde e de uma forma geral aceitam fazer o rastreio”, até porque têm consciência que levam uma vida de risco e que estão excluídos da sociedade e dos circuitos de tratamento convencionais.

“Dependemos da boa vontade e disponibilidade pessoal dos médicos e equipas para marcação de consultas e follow-up das situações”, o que pode significar “a não continuidade do acompanhamento e de cuidados necessários futuros em contexto hospitalar”, lamentou.