Montar uma exposição a partir do outro lado do oceano não é fácil, mas Swoon, o nome artístico da norte-americana Caledonia Curry, nascida em 1977, tem “confiança” na Underdogs, a galeria de Vhils em Marvila, Lisboa. “É uma galeria gerida por artistas, então sabia que ia funcionar”, conta também à distância, por e-mail. “Tenho uma longa relação de admiração e confiança com eles, fiquei entusiasmada e soube que iriam conseguir fazer algo elegante e impactante ao mesmo tempo.”
Nos últimos dias, “Asteraceae”, inaugurada a 10 de Julho (e na Underdogs até 8 de agosto), é a primeira exposição individual da artista de Nova Iorque em Portugal e uma retrospetiva do seu trabalho em vários suportes, das colagens em papel à serigrafia, das pinturas em objetos à animação stop-motion, uma paixão recente.
No fim dos anos 90, e num universo artístico predominantemente masculino, Swoon começava a dar nas vistas com os seus retratos em papel colados nas fachadas de edifícios de Brooklyn, uma maneira de ocupar o espaço público e tornar a arte mais acessível. Apesar disso, diz não pensar na street art como discriminatória. “Acho que é pior no mundo da arte ‘blue-chip’ [a de artistas conhecidos, que move grandes quantias dinheiro]”, conta.
“Basta olhar para os leilões, para as aquisições de museus e para os registos das principais galerias. Aí vês que há uma discriminação muito maior em mulheres alcançarem sucesso do que os seus colegas do sexo oposto.”
É fácil apontar o dedo à arte de rua. “Pode ter uma vibe mais ‘macho’ porque começou com o graffiti”, afirma. “Não acho que seja pior do que noutros sítios. É só um reflexo de um preconceito maior ainda mantido por quem tem poder na nossa sociedade.” No entanto, há poucas mulheres com um trabalho tão reconhecido nesta área como o seu, com peças no MoMA de Nova Iorque, na londrina Tate Modern ou no Institute of Contemporary Art, em Boston.
Viagem pela arte da norte-americana Swoon a partir desta sexta-feira na Underdogs em Lisboa
Em Portugal, esta primeira exposição serve como um cartão de visita, daí o estranho nome, “Asteraceae”, termo para a família de flores à qual pertence o dente-de-leão, que não se cansa de desenhar nos últimos tempos. “Como não pude ir a Portugal e tive de mandar os meus ‘bebezinhos’ [as peças], veio-me a imagem de um dente-de-leão, de como fica parado, mas lança as suas sementes”, explica.
“Essas sementes para mim são sempre uma fonte de contemplação e essa nossa capacidade sempre foi a espinha dorsal do meu trabalho. Sempre esperei conseguir traduzir aquilo que sinto a admirar o mundo ou a observar os mistérios de um rosto humano numa obra de arte, de maneira a que quem a veja possa participar nesse estado de espírito comigo.”
Muitas das peças que estão na Underdogs são precisamente rostos. “A maior parte são da minha família, mãe, pai, avós. Também há amigos, há estranhos que vi na rua de passagem, pessoas com quem trabalhei em projetos. É um estudo real sobre a minha vida.”
A família sempre foi uma grande influência no seu trabalho. Aliás, na folha de sala da exposição fala abertamente da “toxicodependência” e da “doença mental” dos pais e de como foi confrontando a mortalidade e os traumas enterrados através da arte, um processo terapêutico desde que era criança. “Acho que a criatividade me ajudou a manter a sanidade no ambiente caótico da minha infância e o mesmo acontece ainda hoje, com os desenhos que consciente e inconscientemente me ajudam a processar a minha vida.”
Um dos trabalhos em exposição na Underdogs é uma animação em stop-motion, técnica que começou a explorar mais recentemente, e que demorou dois anos a ser feita. “É uma peça muito especial para mim”, confessa. “Chama-se ‘Cicada’ [‘Cigarra’], porque as cigarras ficam no subsolo, às vezes durante muitos anos, até se transformarem. [Também eu] nos últimos anos comecei a lidar com traumas enterrados da minha família.”
A animação foi exibida pela primeira vez o ano passado em Nova Iorque, numa exposição com o mesmo nome, “Cicada”. “Quando era jovem e me mudei para Nova Iorque [de New London, Connecticut] estava basicamente a tentar esquecer que a minha infância tinha acontecido. Depois percebi que não podes fugir dessas coisas. Elas vão-te apanhar e precisam de ser curadas. De certa forma, a animação tornou-se parte do processo de cura.”
Em tempos de pandemia, a artista que tem um estúdio em Brooklyn também viu o seu modo de trabalho afetado. “Todas estas peças em exposição foram feitas antes da pandemia”, conta. “Por exemplo, todos os pedaços de papel foram feitos à mão, com pessoas a misturar a polpa, a colocar as camadas de folhas, a usar todos estes processos mais sujos. Neste momento não podemos estar a trabalhar assim tão juntos, então estou a fazer pequenos desenhos.”
Outra novidade é ter começado a escrever um livro sobre si própria. “Posso escrever sozinha e refletir sobre os últimos 20 anos parece ser uma coisa boa a fazer nestes tempos de mudança.”
Assunto não lhe falta. Além da longa carreira que das paredes da rua saltou para as paredes de galerias, tem uma ONG, a Heliotrope Foundation, que foi criada depois do terramoto do Haiti, em 2010, para facilitar a resposta dos artistas a situações de crise e catástrofes naturais.
“Depois do terramoto do Haiti, quando muitas ONGs ficaram presas em burocracias, eu e um pequeno grupo de amigos fomos capazes de estabelecer uma ligação direta, de humano para humano, numa vila muito perto do epicentro”, conta. “Começámos a reconstruir imediatamente.”
Neste momento, a ONG está a fazer trabalhos de “pequena-escala” relacionados com o Covid e com a crise de opiáceos. “Na verdade, estou muito curiosa sobre Portugal, que parece ter sido um líder mundial inspirador no combate à dependência de drogas.”
Uma boa maneira de ajudar a associação é comprar um “print low-cost” de vários artistas através do site www.heliotropeprints.org.