Um grupo de associados do Sporting, entre os quais se incluem o antigo Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, o ex-presidente da Transparência e Integridade em Portugal, Luís Sousa, Luís Cortez, Luísa Mellid, Rodrigo Roquette e Gonçalo Nascimento Rodrigues, entregou ao presidente da Mesa da Assembleia Geral dos leões, Rogério Alves, uma proposta de alteração estatutária que vida três grandes pontos em relação à atual realidade verde e branca: aumentar a transparência e garantir uma maior prevenção nos casos de conflitos de interesse que possam em membros do clube ou da SAD, com a criação de um quarto órgão social; alterar o modelo de governance na sociedade que gere o futebol leonino; e promover a obrigatoriedade de voto descentralizado pelos Núcleos que garantam essas condições logísticas, refutando assim o i-voting.

Em paralelo, e num outro ponto importante que consta logo nos primeiros artigos que foram alvo de proposta de alteração, a que o Observador teve acesso, fica também consagrado que qualquer “alienação ou oneração de participações em sociedades, detidas diretamente pelo Clube, ou de forma indireta, por sociedades maioritariamente participadas pelo clube, exceto se tiverem a natureza de meras aplicações financeiras, depende de autorização da Assembleia Geral”. Ou seja, e perante uma dúvida que tem vindo a crescer entre o universo verde e branco perante os Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC) de 135 milhões que terão de ser “resgatados” pelo clube até 2026 para manter a maioria do capital social da SAD, ficaria consagrado nos estatutos que qualquer alteração ou venda de percentagem teria de passar sempre pela aprovação dos sócios.

“No caso das sociedades anónimas desportivas, depende ainda da autorização ou aprovação da Assembleia Geral o sentido de voto unânime das ações de categoria A ou o exercício do direito de veto, por parte das acões detidas diretamente pelo clube ou detidas por sociedades maioritariamente participadas pelo clube nas deliberações que respeitem a alienação ou oneração, a qualquer título, de bens que integrem o património imobiliário daquelas sociedades desportivas (…)  Depende ainda da autorização ou aprovação da Assembleia Geral o sentido de voto das ações detidas pelo clube direta ou indiretamente, através de sociedades maioritariamente participadas pelo clube nas deliberações que impliquem o aumento do envidamento em montante superior a 50% do orçamento de gastos e investimentos previstos para o exercício corrente”, consagra ainda a mesma proposta.

Mais transparência, evitar conflitos de interesse e o método de Hondt

No primeiro pilar da reforma estatutária proposta pelo grupo encontra-se a preocupação com uma nova forma de abordar o próprio dirigismo em termos internos, com uma preocupação reforçada não só com o aumento da transparência mas também com a prevenção de eventuais conflitos de interesse que possam existir, seja em relação aos órgãos sociais do clube, seja em relação aos administradores da SAD, seja a nível de remunerações.

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Assim, a ideia passa por estar consagrado nos estatutos um Código de Conduta, com indicadores adicionais que seriam tornados públicos através dos órgãos oficiais do clube, numa medida extensível à sociedade que gere todo o futebol por inerência da maioria de participação que os leões têm. Exemplos práticos: as relações entre clube e SAD passam a estar abrangidas por um contrato base transparente e as relações entre clube e claques, Núcleos e demais grupos são também regidas por protocolos públicos não discriminatórios que cumpram vários princípios. “As sociedades desportivas promovidas ou participadas pelo clube devem respeitar os mesmos princípios de transparência, integridade e prevenção de conflitos de interesse aplicáveis ao clube, designadamente, nos termos em que a lei que rege essas sociedades o permitir”, defende a proposta, com alguns pontos práticos:

  • Publicação de um registo de interesses dos membros dos órgãos sociais, bem como das respetivas remunerações, subsídios e abonos de despesas de representação auferidos;
  • Imposição aos membros dos órgãos sociais da obrigação de apresentação de uma declaração de inexistência de dividas fiscais e a sua sujeição a uma avaliação de integridade por empresa especializada;
  • Incompatibilidade de qualquer cargo social com a detenção pelo próprio, ou familiar, de outro interesse económico relevante, de forma direta ou indireta, na sociedade ou no clube ou, no caso de existir relação profissional ou materialmente relevante, com quem tenha esse outro interesse;
  • Proibição da participação, pelos membros dos órgãos sociais, em deliberações que possam envolver benefício para o próprio ou familiar ou para pessoa jurídica com quem tenham relação profissional ou materialmente relevante;
  • Elaboração de um código de conduta aplicável a todos os atletas, funcionários e membros dos órgãos sociais e criação de uma unidade de controlo responsável pela sua monitorização e pela promoção e fiscalização de políticas de integridade desportiva, financeira e ética;
  • Criação e publicação, em cooperação com uma organização especializada e independente, de uma lista de indicadores de transparência que inclua, designadamente: informação financeira que permita uma avaliação da realidade financeira atual mas também do impacto financeiro futuro das deliberações da sociedade; informação sobre contratos celebrados, os seus valores, quando acima de um certo montante, e respetivos regimes jurídicos e beneficiários; subsídios e concessões do uso de bens móveis e imóveis a grupos organizados de adeptos, fundações e outras entidades, incluindo estruturas descentralizadas do clube.

Ao mesmo tempo, e no mesmo contexto, é proposta a criação de um órgão, o Conselho de Ética e Disciplina, que surge quase como um reflexo desse relevo dado à transparência mas, ao mesmo tempo, como necessidade de separação de competências diferentes das que estão abrangidas pelo Conselho Fiscal e Disciplinar. O órgão irá também possibilitar a que qualquer associado possa ter conhecimento real da situação financeira que o clube vai vivendo e do impacto que as decisões tomadas alcançam a médio prazo, que não aparecem de forma habitual no Relatório e Contas. Em paralelo, é sugerido o regresso do método de Hondt, que foi abolido nos últimos anos, para a eleição do Conselho Fiscal e Disciplinar que tenha assim outras condições para cumprir a separação de poderes.

Um modelo de governance semelhante ao que se passa no Bayern

O Bayern continua a ser o principal modelo de gestão utilizado como exemplo para a realidade nacional em duas vertentes: por um lado, ter no cerne das decisões antigas figuras do clube que conhecem como ninguém a realidade bávara e perceberam ao longo de anos a fio de carreira o que é necessário para estar mais próximo das vitórias; por outro, a forma como está organizado em termos de estrutura, numa ideia onde três grandes sponsors têm assento num Conselho que toma as decisões e que conta com Adidas, Audi e Allianz, cada um com 8,33% de ações.

Assim, salvaguardadas as questões de transparência e de prevenção de conflitos de interesse que na Alemanha não necessita muitas vezes de ser “regulamentado”, a proposta do grupo de associados enviada para Rogério Alves prevê um segundo modelo que também está previsto no Código das Sociedades Comerciais e que, nesta fase, é visto como a melhor solução não só para o Sporting mas também para muitos outros clubes nacionais: a existência de um Conselho Geral e de Supervisão da SAD, liderado pelo presidente do clube por ter a maioria do capital social, que por sua vez nomeia os administradores executivos que terão como função gerir o futebol nas diversas áreas. Em termos práticos, a ideia passa por reforçar os poderes do clube, que através do seu líder eleito pelos associados tem sempre o poder decisor, recrutando as pessoas mais habilitadas para o cargo em vez de fazer uma espécie de recondução de vices para uma Comissão Executiva, como acontece agora com os cinco administradores da SAD à exceção de Nuno Correia da Silva, administrador não executivo que representa a Holdimo.

Voto descentralizado, segunda volta, sem i-voting e outras regras para candidaturas

Outra vertente importante no trabalho apresentado passa pelo sistema de votação em relação às Assembleia Gerais, neste caso apenas as Assembleias Gerais eleitorais. Assim, e de acordo com esta proposta de revisão estatutária, passa a ser obrigatória a votação em sufrágio não só nas instalações do Sporting mas também em pelo menos mais quatro Núcleos leoninos geograficamente dispersos, “que assegurem as condições logísticas e representativas das diferentes listas ou noutros locais” com o intuito de assegurar de forma mais ampla a participação dos associados. Desta forma, ficaria de fora o i-voting, seja para reuniões magnas ordinárias (discussão e votação de Relatórios e Contas ou Orçamentos, por exemplo) ou extraordinárias. O facto de ser um modelo implementado apenas num país europeu e porque reúne um grau elevado de confiança entre os votantes (Estónia), bem como os riscos que têm vindo a ser encontrados nas avaliações independentes são outras razões para a sua não adoção.

Com isso acrescenta-se também o modelo de segunda volta já antes defendido por outros grupos de associados. Ou seja, “caso nenhuma das listas concorrentes, aos órgãos cuja eleição se faz por lista completa, obtenha a maioria absoluta dos votos, serão realizadas novas eleições, em  Assembleia Geral eleitoral convocada para o efeito, no prazo máximo de 20 (vinte) dias após apuramento dos resultados, às quais se apresentarão as duas listas mais votadas na primeira volta”. Desta forma, os próprios estatutos passariam a impedir casos práticos como ocorreram em 2011 e em 2018, onde os presidentes eleitos não tiveram a maioria de associados a votar na sua lista.

Também a apresentação de listas a sufrágio ou a possibilidade de convocação de uma Assembleia Geral destitutiva, como a que aconteceu em 2018, teria novos números com o objetivo de tornar qualquer decisão mais robusta em termos de representação de associados. Assim, e na proposta que chegou a Rogério Alves, as candidaturas terão de ser acompanhadas por um limite mínimo de 600 sócios que correspondam a pelo menos 2.500 votos (nesta altura a única necessidade passa por juntar 1.000 votos), até por forma a quebrar a existência de listas que vão a votos e tenham percentagens residuais. Já as reuniões magnas destitutivas teriam por esta proposta de juntar pelo menos 2.500 sócios efetivos “no pleno gozo dos seus direitos” que tenham um total mínimo de 10.000 votos, ao invés dos atuais 1.000 votos, mas em contrapartida os subscritores deixam de ter de pagar as despesas da realização dessa mesma Assembleia Geral extraordinária, como se encontra hoje consagrado.