A forma como o Sevilha ganhou ao Manchester United e os números com os quais o Inter derrotou o Shakhtar não foram propriamente a conclusão do que mais se esperava mas, ao contrário do que se passou na Champions, houve alguma normalidade na Final Eight da Liga Europa que curiosamente conduziu até ao encontro decisivo as duas equipas que disputaram os oitavos a uma só mão por não terem conseguido realizar o primeiro encontro já devido à pandemia, em março. E por muito que pelo caminho tenham ficado equipas com uma segunda volta forte ou que mostraram sempre um futebol interessante, as duas melhores iam discutir quem era a melhor. Mais do que um jogo, mais do que um troféu internacional, jogava-se em Colónia a afirmação de um projeto.

Pela tradição, este era um duelo entre passado e presente da Liga Europa, antiga Taça UEFA. Nos últimos 12 anos do século XX, os conjuntos da Serie A dominaram por completo a segunda competição europeia, com pelo menos uma equipa em dez finais, oito troféus ganhos (entre Inter, Juventus, Parma e Nápoles) e quatro decisões com dois transalpinos. Após a viragem do século, e nos últimos 16 anos, as formações da La Liga começaram a imperar de forma mais visível com nove títulos conquistados (entre Sevilha, Atl. Madrid e Valencia) e duas decisões com dois espanhóis. Outro dado: nos derradeiros 30 anos, Sevilha e Inter, que nunca jogaram antes entre si, foram a nove finais e ganharam por oito vezes, com os transalpinos a falharem o pleno com o Schalke 04 em 1997. Depois, os momentos: o Sevilha não perdia há 20 jogos (11 vitórias e nove empates) tendo sofrido dois golos nos últimos oito jogos, o Inter não perdia há 11 jogos (oito vitórias e três empates) consentindo três golos nos últimos oito jogos.

Ao longo de um ano, Lopetegui mudou por completo a perceção que os adeptos da formação da Andaluzia tinham do seu trabalho. Porque essa era a realidade: como destacava o El Mundo, a sua apresentação gerou sobretudo um “incómodo silêncio”. O currículo não era suficiente, a passagem sem títulos pelo Porto não tinha sido esquecida, a novela de saída da seleção espanhola para o Real Madrid não foi apagada, o percurso na capital espanhola não encantou ninguém. Apenas Monchi, o diretor desportivo da moda que regressou a Sevilha após uma passagem pela Roma, acreditava no antigo guarda-redes. Ganhou a aposta – apesar da eliminação precoce na Taça, num episódio mais complicado de gerir, levou a equipa à Champions, prolongou o sonho europeu e montou uma formação capaz de jogar contra qualquer adversário para ganhar mantendo os princípios e ideias de jogo do seu 4x1x4x1 que trouxe o melhor Banega, apostou em Navas e Reguilón como laterais que são quase alas para fazer os flancos e devolveu a jogadores como Suso ou Ocampos as movimentações ofensivas para fazerem a diferença. Agora ia ter pela frente o encontro mais importante que orientou em clubes, frente a um adversário muito elogiado pelo técnico.

“O Inter é uma equipa muito completa, com grandes jogadores e uma forma muito concreta de jogar, muito parecida com as equipas de Antonio Conte, capaz de atacar muito sem ter oportunidades de golos. Diz muito sobre a dificuldade do jogo e temos de estar muito completos. Vamos abordá-lo como sempre fazemos, fortalecendo as nossas virtudes e tendo um lado sólido e solidário que sabe entender o que acontece a cada momento. Temos de ter humildade e respeito. Estamos cientes de que cada detalhe da final é importante. Não é diferente de qualquer outro jogo deste tipo mas o impacto é diferente. Temos de nos preparar e estar focado. O que nos impulsiona é a excitação, a ambição e a determinação de fazer um grande jogo”, comentou Lopetegui, entre pedidos para a equipa de manter fiel à sua identidade mas conseguindo dar ainda um pouco mais para fazer a diferença.

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No mesmo lapso de tempo, Antonio Conte reformatou por completo o Inter, uma equipa que tinha caído para as posições longe da luta pelo título e que ressurgiu das cinzas com um primeiro ano de sucesso que terminou com um segundo lugar na Serie A, a presença nas meias da Taça e agora a final da Liga Europa. E esta nova era nem teve um início fácil, com o treinador a abdicar da grande referência ofensiva, Mauro Icardi, em nome da construção de um grupo sólido e com jogadores que tivessem as características que entroncassem num modelo tático e numa ideia de jogo defendida para os nerazzurri – sendo que Lukaku, que custou 75 a 80 milhões de euros, foi o melhor exemplo disso mesmo. Hoje, o Inter transformou-se numa máquina tática e cínica de produzir futebol. O seu futebol. Com a devida distância pela evolução do jogo, a equipa que melhor reflete a hegemonia transalpina.

“Como jogador disputei muitas finais, ganhei e perdi. As pessoas só se lembram de ti se ganhas as finais. Ganhei uma Champions mas perdi três finais, o que fica para a história são as que ganhas. Temos de ter entusiasmo e aproveitar a experiência que nos deu esta caminhada europeia. Estamos orgulhosos por voltar a alcançar uma final europeia passados dez anos, mas tem de se saber que a história é escrita pelo vencedor. Temos de mostrar que merecemos ganhar, contra uma equipa difícil e com muita experiência na competição. Medo? A palavra medo não faz parte do meu vocabulário e não quero que faça parte do dos meus jogadores. Temos respeito por este Sevilha, apreciamos a equipa, a sua história, mas se chegámos à final, é porque temos as nossas possibilidades”, referiu o técnico, coadjuvado por Godín: “Temos de fazer o que fazemos mas com querer, com coração”.

A parte de fazer algo mais além do que estavam habituados a fazer confirmou-se, os erros em alguns processos que estavam consolidados e a primeira metade da final foi uma maratona de parada e resposta como dificilmente se poderia adivinhar. Aliás, e para ser ter ideia, o Sevilha sofreu tantos golos em 30 minutos do que tinha consentido nos oito jogos anteriores. O primeiro, esse, foi o mais rápido em finais da Liga Europa: Barella conseguiu sair bem pelo corredor central após um remate de Fernando prensado na defesa transalpina, Lukaku ligou o turbo em mais uma arrancada explosiva e Diego Carlos, antigo central do FC Porto B e do Estoril, cometeu o seu terceiro penálti consecutivo que o belga transformou com sucesso, naquele que foi o 11.º encontro seguido a marcar na prova (5′). Os espanhóis sabiam que a tarefa se complicava, tendo em conta a forma como os italianos conseguem gerir as vantagens, mas numa jogada muito idêntica à que valeu a passagem frente ao Manchester United, com jogo pelo corredor central, bola na lateral e cruzamento de Navas, De Jong desviou de cabeça para o empate (12′).

O encontro foi de loucos, a continuidade também. Porque mesmo tendo mais posse, mais bola e melhor qualidade para chegar à frente, o Sevilha sabia que o Inter poderia marcar a qualquer momento numa exploração que fosse mais conseguida na profundidade. Porque mesmo tendo uma posição de maior expetativa, maior rigor tático e melhor organização defensiva, o Inter sabia que o Sevilha poderia marcar a qualquer momento numa daquelas jogadas mais trabalhadas criando superioridade por dentro para soltar para fora e procurar finalização na área. Já depois de uma fase mais quezilenta e de um remate de Ocampos às malhas laterais (18′), os golos surgiram mesmo mas de bola parada, ambos na sequência de livres laterais: Luuk de Jong apareceu ao segundo poste após um movimento muito parecido com aquele que valeu o golo a D’Ambrosio frente ao Shakhtar para fazer o 2-1 (33′), Godín empatou logo de seguida aparecendo nas costas de Diego Carlos para apontar o 2-2 (35′).

O segundo tempo começou com características que se coadunavam mais com o que se esperava numa final, com a parte boa de haver uma maior identificação de Sevilha e Inter com a sua identidade de jogo e a parte má de haver menos lances de perigo junto das balizas. Reguilón, em mais uma das muitas subidas pelo flanco esquerdo, tirou Godín da frente e rematou de pé esquerdo às malhas laterais (57′). Ashley Young, na sequência de um lance de estratégia iniciado de um canto, atirou de fora da área por cima da baliza (60′). Os treinadores tardavam em mexer, o jogo começava a ficar “atado” e não se conseguia prever para que lado poderia cair o encontro.

Mais uma vez, surgiu Diego Carlos. Mais uma vez, pelas piores razões: num erro de posicionamento, colocou Lukaku em jogo, o belga correu isolado quase meio-campo mas Bounou fez bem a “mancha”, naquela que foi a defesa mais importante neste jogo decisivo em Colónia (65′). Parecia que Diego Carlos tinha mesmo de entrar na história do jogo, parecia que tudo estava destinado a mais uma vitória do Sevilha. O que ninguém esperava era que o mais azarado da noite passasse de repente para o maior sortudo como se tivesse quebrado o enguiço e passado a nuvem que o atormentava desde início ao adversário direto: após um livre lateral, o central brasileiro arriscou um pontapé de bicicleta na área, o belga tentou cortar e desviou para a própria baliza (74′). A UEFA decidiu atribuir o golo ao jogador do Sevilha quando pareceu ter sido um autogolo do avançado do Inter mas a história direita estava escrita por linhas tortas: na final da Liga Europa, são 11 contra 11 e ganham sempre os espanhóis.