Chama-se relógio do longo-agora ou relógio dos 10 mil anos e, ao todo, estima-se que já tenha custado cerca de 42 milhões de dólares (35,47 milhões de euros) a Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo e o fundador e líder da Amazon. Porém, não pense que este projeto de Bezos é apenas uma extravagância de um multimilionário. O relógio quer durar mais tempo do que a História registada da Humanidade tem e pôr todos a pensar numa coisa que está sempre em falta, o tempo.

Este projeto do líder da Amazon, a maior retalhista online do mundo, arrancou em 2018 e não está ainda concluído. Na prática, é um relógio que, em vez de contar os segundos e minutos, conta os anos e as centenas de anos passados. No início deste ano, ainda não se sabia como uma pandemia ia mudar a humanidade, a Wired escrevia sem papas na língua: “O relógio de 10 anos é um perda de tempo”. No artigo, a revista explicava que o propósito desta construção era simples: “Ser um monumento para pôr a Humanidade a pensar a longo prazo“.

Estima-se que temos História em registo desde há cerca de apenas seis mil anos. Com um relógio destes, poderá olhar-se para um futuro que só as mais ousadas ficções-científicas concebem. Contudo, também é, como dizia a Wired, “um lembrete de que o caos social nunca é distribuído de forma transversal”. Além disso, escreve: “É arte de, por e para os ultra-ricos”.

Porém, Bezos continua a financiar este relógio desde 2018. Em fevereiro desse ano, no Twitter, o empreendedor revelou que a construção tinha começado. No final, independentemente de críticas, será sempre um feito de engenharia. Construído numa montanha na cordilheira de Sierra Diablo, no Texas, a construção têm, ao todo, 152 metros de altura. É totalmente mecânico e é alimentado a ciclos termais diurnos e noturnos. Além disso, vai estar sempre sincronizado.

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Este “sempre” sincronizado é relativo como o próprio tempo. A garantia dada pelos responsáveis do relógio é que continuará a funcionar e estar sincronizado, no mínimo, durante 10 mil anos (daí o nome). Isto é sempre melhor do que os dois anos de garantia da maioria dos atuais aparelhos eletrónicos, mas é esse olhar a longo prazo que também dá desenho ao relógio. Os ponteiros, que seriam para os minutos e horas, são para os anos e para as centenas de anos passados, respetivamente. Além disso, há um contador que mostra o anos sempre com um zero atrás (estamos em 02020, segundo os criadores).

O relógio é feito de materiais fortes e estáveis, como titânio, cerâmica e aço inoxidável. O sistema de engrenagens é baseado em mecanismos que permite contar o tempo com a maior precisão possível. Não obstante, o design segue um número de princípios:

  • “Longevidade. Com manutenção ocasional, é razoável esperar que o relógio exiba a hora correta nos próximos 10.000 anos.
  • Capacidade de Manutenção. O relógio deve poder ser mantido com tecnologia da era do bronze.
  • Transparência. Deve ser possível determinar os princípios operacionais do relógio por uma inspeção rigorosa.
  • Evolucionabilidade. Deve ser possível melhorar o relógio ao longo do tempo.
  • Escalabilidade. Deve ser possível construir modelos funcionais do relógio desde a mesa até o tamanho monumental usando o mesmo design”.

A história do relógio que quer estar ainda estar na História daqui a 10 mil anos

“Quero construir um relógio que toque uma vez por ano. O ponteiro do século avança uma vez a cada cem anos, e o cuckoo [o toque das 12 horas em relógios de cuco] surge a cada milénio. Quero que o cuckoo surja a cada milénio nos próximos 10.000 anos. Se me apressar, devo terminar o relógio a tempo de ver o cuco sair pela primeira vez“. Esta explicação não é de Jeff Bezos, mas sim Danny Hillis, professor no Massachussetts Institute of Technology (MIT), criador da ideia para o relógio dos 10 mil anos e atual responsável do projeto.

A ideia surgiu em 1989 (ou 01989, com diz) e, em 1995, foi na Wired que começou a ganhar maior sucesso. Tanto que, em 1996, Hillis criou, juntamente com empreendedores de Sillicon Valley, a Long Now Foundation (Fundação Longo-Agora). O objetivo desta entidade foi perceber como é que se poderia construir um relógio destes. Como conta a mesma revista, foi preciso responder a várias questões: “Que tipo de peças mecânicas podem durar 10.000 anos? Como é que isso funcionaria? Como é que isso seria preservado?”.

Se tivermos um relógio que conta há 10.000 anos, que tipo de questões e projetos em escala geracionais é que este sugere? Se um relógio pode continuar por dez milénios, não deveríamos ter certeza de que nossa civilização também o faz?”, dizem os responsáveis do projeto.

Ou seja, a ideia pode parecer muito bonita, mas se nem História devidamente registada com mais de seis mil anos temos enquanto Humanidade, como é que se constrói algo que tem de durar mais tempo? As ideias foram postas em prática e, em 1999, foi revelado um protótipo no Fórum Económico Mundial, em Davos. Tocou na passagem do milénio e foi guardado no Museu de Ciência de Londres. No entanto, tratou-se sempre de um protótipo.

Porque é que alguém construiria um relógio dentro de uma montanha com a esperança de que toque durante 10.000 anos? Parte da resposta: apenas para que as pessoas façam esta pergunta e, fazendo-a, possam invocar noções de gerações e milénios”

Anos mais tarde, em 2005, Hillis falou com Jeff Bezos sobre esta ideia e começou aquilo que seria o investimento de milhões de euros para milhares de milhões de vidas que ainda hão-de vir poderem contemplar. A Fundação Longo-Agora, que foi criada também por Kevin Kelly, o primeiro editor-executivo da Wired, ficou a cargo do projeto. De acordo com o site oficial desta entidade, o projeto “não tem data de conclusão programada”. Contudo, quando acontecer, vai ser algo para toda a gente saber: “Planeamos abri-lo ao público assim que estiver pronto”.