Falou-se de humor na política, ao fim da tarde no Espaço Livre, e dos seus limites que não existem, defendeu o humorista Ricardo Araújo Pereira (RAP). O convidado especial da tarde provocou a maior enchente até ao momento na Festa do Avante — estavam mais de 300 pessoas a ouvi-lo num espaço ao ar livre e nem sempre cumprindo regras de distanciamento necessárias, o que causou algum nervosismo à organização — e falou à vontade: “Talvez este seja o único sítio onde eu não sou o comuna”.

Depois do debate, ao Observador, o humorista disse que do que lhe tinha sido “dado ver” as regras de distanciamento “estavam ser cumpridas”. RAP defendeu publicamente a realização do evento comunista e afirma que “a vida não pode ficar suspensa à espera de uma vacina que não sabemos sequer se vai aparecer”. Não vinha à Festa há 20 anos, tendo vindo agora porque foi convidado pela editora “Avante”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O debate demorou a começar, tendo em conta a afluência e as tentativas da organização para conseguir que fossem cumpridas as regras de distanciamento necessário. Iam pedindo a quem ali estava que se distanciasse de quem estava ao lado, mas foi tarefa impossível tendo em conta o ajuntamento que o humorista já provocara e que não arredava pé e ia muito além do recinto de 350 metros quadrados definido para aquele debate, entupindo mesmo a via que vinha de uma das entradas na Festa. Ricardo Araújo Pereira aguardava na mesa instalada no palco, sorrindo.

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Quando começou a sua intervenção, o humorista e ex-militante do PCP contou como já lhe escreveram “comunista” no muro de casa. “São provavelmente pessoas que acham que eu sou demasiado à esquerda para aquilo que eles pensam”, gracejou acrescentando que ali, na Festa do Avante onde estava a falar, era “talvez o único sítio onde não seja o comunista”. Tendo em conta que já não faz parte do partido. Mas no público é como um “camarada” que ainda o tratam, tanto que mesmo antes de começar a falar ouviu uma ovação a gritar “PCP”. “Calma, se calhar vão retirar esse entusiasmo quando ouvirem a respostas à pergunta”, atirou ao público.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A sua intervenção foi muito centrada no reinado de Donald Trump nos Estados Unidos e como este foi eleito presidente mesmo contra as críticas da esmagadora maioria dos humoristas. Ricardo Araújo Pereira assumia, assim, as limitações do seu espaço de ação público, aliás disse claramente que não é esse o seu objetivo como humorista. “Não tenho nenhuma intenção de causar prejuízo”, disse, defendendo que o seu papel é outro: “O que faz falta é animar a malta e eu também acho que é o que faz falta”.

Já sobre os limites do conteúdo do humor, RAP foi claro: não existem. E recuou até 2015 e ao massacre na redação do jornal satírico Charlie Hebdo para mostrar isso mesmo, criticando a “adversativa” usada então pelo Papa Francisco quando reagiu ao acontecimento. Condenou-o, recordou o humorista, “mas houve uma adversativa logo de seguida: mas não se pode ofender”. Ora, para Ricardo Araújo Pereira esse limite não existe e explicou que a mensagem que se disseminou nessa altura, o “Je suis Charlie”, queria dizer precisamente que “não se responde a um desenho com tiros na nuca”.

Ainda criticou André Ventura por ter incentivado, através das redes sociais, a que se boicotasse um humorista, Vasco Correia, devido a uma frase sobre o Chega que este tinha escrito no Twitter.