O Ministério Público citou um dos e-mails roubados por Rui Pinto ao ex-advogado da PLMJ, João Medeiros, no âmbito do processo das rendas da EDP. A revelação foi feita pelo próprio advogado, João Medeiros, que foi esta quarta-feira ouvido em tribunal naquela que é a terceira sessão do julgamento do caso Football Leaks.
Segundo explicou, o e-mail surgia citado numa nota de rodapé numa resposta do MP a uma contestação que o advogado João Medeiros apresentou no âmbito do processo das rendas excessivas da EDP. Era um e-mail trocado entre João Medeiros — que representa António Mexia e Manso Neto — e o advogado Ricardo Sá Fernandes — que defende Manuel Pinho — a combinar a estratégia de defesa.
João Medeiros esteve deste o início da tarde a explicar ao tribunal como soube que os seus e-mails tinham sido divulgados. Contou que no dia 31 de dezembro de 2018, estava na casa dos sogros com a família, quando recebeu uma chamada do informático da sociedade de advogados da Morais Leitão a dizer que a “totalidade” da caixa de e-mail tinha sido publicada. Foram, segundo disse à juíza cerca de 29 mil e-mails, que continham informação sujeita ao sigilo profissional, mas também informação pessoal e familiar.
Ao tribunal disse que vivia numa “enorme ansiedade” com receio de que mais informações suas fossem sendo divulgadas. Admite mesmo que vivia em “paranóia” e que procurou ajuda de uma psicóloga — algo que o deixou “envergonhado”.
João Medeiros já foi ouvido. Antes dele, durante a manhã, foi ouvido também na qualidade de assistente o sócio-gestor da PLMJ, Luís Pais Antunes, que revelou que os ataques a e-mails e pastas com documentos da PLMJ foram feitos com recurso credencias de acesso obtidas junto de um dos administradores do sistema informático da sociedade de advogados. Este é um dos ataques pelos quais Rui Pinto está acusado.
Não sabíamos que os ataques foram feitos de dentro e não de fora”, admitiu.
Segundo explicou ao tribunal, estas credenciais permitem “uma série de autorizações”. “Foi isso que foi feito para chegar a um conjunto significativo de caixas de e-mails e pastas”, disse. Luís Pais Antunes detalhou já no final do seu depoimento como é que o hacker, que será alegadamente Rui Pinto, conseguiu esta credencial. Tudo começou com uma advogada que recebeu um e-mail que aparentava ter sido enviado pela Direção-Geral das Finanças e que continha um link — só que, na PLMJ, os funcionários estão instruídos a não abrir links para prevenir exatamente eventuais ataques. Seguindo estas instruções, a advogada enviou esse e-mail para o administrador do sistema — que é gerido por uma empresa externa — para que ele pudesse avaliar.
Só que este administrador — que apelida de “guarda noturno” — “não teve perceção do erro”, segundo Luís Pais Antunes, acabando por aceder ao link — atribuindo, sem se aperceber, credenciais de acesso. “Grande parte das autorizações estavam concentradas no mesmo administrador”, disse o assistente.
Permanência de hacker na caixa de e-mail foi “muito longa, de meses”
Mas só no final de dezembro de 2018, quando “começaram a ser divulgadas algumas informações que teriam de ter sido obtidas na PLMJ”, no site Mercado do Benfica, é que a sociedade percebeu que podia ter sido alvo de um ataque. Nomeadamente informações relativas ao processo E-toupeira. Luís Pais Antunes explicou que assim que se apercebeu falou com a equipa de informática e começou a ser feita uma perícia forense “que permitiu perceber que tinha havido acesso indevido”. O acesso que foi feito à caixa de e-mail do advogado João Medeiros, detalhou, “prolongava-se desde meados de outubro”.
“A permanência na caixa de e-mail foi muito longa. De meses. Outros [acessos] foram de horas dias”, disse o assistente.
Luís Pais Antunes disse que, “pelo histórico de acessos”, percebeu que “a primeira entrada foram muito na área da equipa criminal”, tendo sido divulgada muita informação da Operação Marquês e o processo EDP. “Havia a convicção que os acessos foram muito focalizados nessas áreas”, disse ainda.
Esta quarta-feira decorreu a terceira sessão do julgamento do Football Leaks, que serviu para dois assistentes do processo serem ouvidos. Esta quinta-feira, os advogados Rui Pereira e Inês Costa vão ser ouvidos durante a manhã. À tarde, será ouvido o inspetor da PJ.
A sessão de ontem, terça-feira, serviu para terminar o interrogatório ao advogado Aníbal Pinto, também arguido no processo e acusado de um crime de tentativa de extorsão.
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de e-mails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão. Isto porque, segundo a investigação, Rui Pinto terá exigido à Doyen um pagamento entre 500 mil e um milhão de euros para que não publicasse documentos relacionados com a sociedade que celebra contratos com clubes de futebol a nível mundial. Aníbal Pinto, então advogado do hacker, terá servido de seu intermediário. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.