Perderam-se milhões, perdeu-se um apuramento europeu, perdeu-se um início de novo capítulo. Mas no fundo, e espremido tudo aquilo que o Benfica perdeu na passada terça-feira, só se perdeu um jogo. E esta sexta-feira, em Famalicão, Jorge Jesus tinha a oportunidade de voltar a desenhar o arranque deste regresso à Luz — desta vez, esperavam os adeptos encarnados, com cores mais alegres.

O técnico encarnado assumiu a responsabilidade depois da derrota com o PAOK, garantiu que viu pontos positivos na exibição da equipa, explicou que o Benfica é melhor do que o conjunto grego comandado por Abel Ferreira e deixou escapar que ainda não pode contar com um avançado que sabe “ganhar o espaço”. Ou seja, e minutos depois de ter falhado um encaixe financeiro de quase 40 milhões de euros e ainda no verão em que teve reforços no valor de outros 80, Jesus parecia estar a pedir mais uma prenda. Apressou-se a garantir que não, já na antevisão do jogo do Campeonato, e explicou que terá de trabalhar com aquilo que já tem.

Ficha de jogo

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Famalicão-Benfica, 1-5

1.ª jornada da Primeira Liga

Estádio Municipal de Famalicão, em Famalicão

Árbitro: Luís Godinho (AF Évora)

Famalicão: Zlobin, Riccieli, Babic, Jorge Pereira (Patrick William, 45′), Calvin (Ibrahim, 45′), Jordão (Matheus, 62′), Gustavo Assunção, Guga, Fernando Valenzuela (Walterson, 77′), Toni Martínez (Del Campo,62′), Rúben Lameiras

Suplentes não utilizados: Luiz Júnior, Henrique Trevisan, Ofori, Neto

Treinador: João Pedro Sousa

Benfica: Vlachodimos, André Almeida, Rúben Dias, Vertonghen, Grimaldo (Nuno Tavares, 72′), Rafa (Pizzi, 60′), Gabriel (Weigl, 76′), Taarabt, Everton, Waldschmidt (Diogo Gonçalves, 76′), Darwin (Carlos Vinícius, 72′)

Suplentes não utilizados: Helton Leite, Seferovic, Pedrinho, Ferro

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Waldschmidt (19′ e 66′), Everton Cebolinha (21′), Grimaldo (42′), Rafa (52′), Guga (68′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Rúben Dias (27′), a Jorge Pereira (45′), a Gabriel (71′)

E aquilo que já tem, diga-se, é manifestamente satisfatório enquanto matéria-prima: Seferovic foi o melhor marcador da Liga em 2018/2019, Vinícius foi o melhor marcador da Liga na época passada, Waldschmidt chega da competitiva Bundesliga e Darwin foi o jogador mais caro da história do Benfica. Ciente disso, e depois de ter entrado contra o PAOK com o avançado suíço no onze, o treinador português reescrevia a própria lógica e lançava o alemão e o uruguaio na equipa titular contra o Famalicão.

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Ao todo, eram quatro as alterações que Jesus fazia: saíam Weigl, Pedrinho, Pizzi e Seferovic, entravam Gabriel, Rafa, Waldschmidt e Darwin. O grande destaque, além da titularidade dos dois reforços ofensivos, era a ausência de Pizzi do onze, a grande figura da equipa nos últimos anos que parece ter perdido protagonismo com o regresso do técnico. O adversário era então o Famalicão, a equipa sensação da época passada que falhou por pouco o apuramento europeu, que manteve o treinador João Pedro Sousa, dono da identidade do grupo, e que ainda conta com Toni Martínez, avançado que permanece no radar do FC Porto. Pedro Gonçalves rumou ao Sporting, Uros Racic ao Valencia e também a braçadeira de capitão saiu de lugar, com Gustavo Assunção a assumir o papel de liderança que no ano passado esteve entregue ao guarda-redes Defendi. Esta sexta-feira, contra um Benfica que já na retoma do verão não foi além de um empate em Famalicão, a equipa de João Pedro Sousa procurava começar um ano de consagração e confirmação dos ideais que impressionaram em 2019/20.

Os primeiros minutos serviram para perceber que, em comparação com o jogo na Grécia, Waldschmidt faria de Pedrinho, Rafa de Pizzi e Darwin de Seferovic. Mais atrás, no lugar de Weigl, Gabriel mantinha a ideia de Jorge Jesus que ficou patente contra o PAOK: o médio mais recuado vai sempre ocupar o espaço entre os dois centrais para ser o primeiro elemento da construção, partindo daí a movimentação ofensiva da equipa. Lá à frente, a mobilidade é a palavra de ordem. Waldschmidt é o vagabundo da zona central, tal como Pedrinho foi em Salónica, mas a alteração de posições com Darwin ou Cebolinha é uma constante — o alemão podia receber no meio para depois combinar com o uruguaio ou o brasileiro e encostar-se à esquerda ou surgiu na grande área, tornando imprevisível a dinâmica atacante dos encarnados. No meio, entre o ataque e o setor mais defensivo, Taarabt era o equilíbrio perfeito e tanto desequilibrava com roturas na frente como compensava mais atrás e apoiava com recuperações de bola.

No meio de tudo isto, porém, Rafa estava demasiado perdido na direita e algo afastado do jogo, que passava principalmente pela ala esquerda do Benfica. A primeira oportunidade apareceu por intermédio de Darwin, que cabeceou por cima depois de um livre de Taarabt (7′), e o Benfica ia estagnando a investidas do Famalicão graças às linhas muito subidas que mantinha. A equipa de João Pedro Sousa até teve mais bola, por volta do quarto de hora inicial, mas não conseguia transformá-la em ocasiões ou aproximações à baliza de Vlachodimos. Do outro lado, Waldschmidt só precisou de atirar uma vez à malha lateral (9′) para não falhar na oportunidade seguinte.

Darwin isolou o avançado alemão na grande área, noutro exemplo paradigmático da mobilidade ofensiva do Benfica, e Waldschmidt picou por cima de Zlobin à saída do guarda-redes russo (19′). Os encarnados estavam em vantagem em Famalicão e o avançado ex-Friburgo sucedia a Toni Martínez, que curiosamente estava do outro lado, como o marcador do primeiro golo da Primeira Liga. Logo depois, foi a vez de Everton Cebolinha se estrear a marcar pelo Benfica: o médio brasileiro apareceu à entrada grande área depois de um cruzamento recuado de Rafa a rematar rasteiro para aumentar a vantagem encarnada (21′). Ainda antes do intervalo, e já depois de Waldschmidt falhar a emenda a outro cruzamento de Rafa (23′), Grimaldo ainda teve tempo de converter de forma exímia um livre direto a tombar na direita (42′).

Na ida para o intervalo, o Benfica estava totalmente tranquilo, com uma vantagem confortável e os reforços iam correspondendo. Do outro lado, no Famalicão, transparecia a ideia de que as dinâmicas ainda estavam muito agarradas àquela que era a equipa da temporada passada — o problema é que Pedro Gonçalves não estava, Uros Racic não estava, Fábio Martins não estava. E os reforços, à exceção de Bruno Jordão, pareciam ainda não entender aquilo que João Pedro Sousa pretendia, esbarrando múltiplas vezes na pressão elevada do Benfica.

Na segunda parte, João Pedro Sousa procurou alterar a história do jogo e fez duas substituições logo ao intervalo, trocando Calvin e Jorge Pereira por Ibrahim e Patrick William. As alterações, porém, pouco se fizeram sentir, já que o Benfica só precisou novamente de escassos minutos para aumentar ainda mais a vantagem. Numa jogada que foi metade insistência metade clarividência, Cebolinha recebeu de Rafa já no interior da grande área, escorregou na hora da decisão, teve a inteligência de se levantar e devolver e o internacional português acabou por finalizar (52′). Dois jogos, dois golos para Rafa, que saiu pouco depois para dar o lugar a Pizzi.

A perder por quatro golos de diferença, João Pedro Sousa voltou a fazer duas substituições de uma vez, ao tirar Bruno Jordão e Toni Martínez (que esteve para lá de discreto) para lançar Matheus Clemente e Del Campo. A noite de inspiração, porém, era de Waldschmidt: o alemão bisou com assistência de Darwin, num lance em que só precisou de encostar já em esforço depois de um passe mortífero do uruguaio (66′). Logo depois, em reação imediata, Guga apareceu na grande área a reduzir para o Famalicão na sequência de um bom trabalho de Rúben Lameiras na direita (68′).

Até ao fim, Jorge Jesus ainda deu minutos a Weigl e Diogo Gonçalves mas o resultado não voltou a alterar-se. O Benfica venceu categoricamente o Famalicão e goleou na primeira jornada da Liga, arrancando com chave de ouro uma temporada em que as escorregadelas serão praticamente proibidas. A derrota com o PAOK, assim como a eliminação da Liga dos Campeões, não estão esquecidas — mas tiveram a resposta necessária. Waldschmidt bisou, Darwin não marcou mas deu boas indicações mas foi Everton Cebolinha, que marcou, assistiu e liderou em dribles e passes para finalização, que foi o verdadeiro motor encarnado. O médio brasileiro, pedido especialmente por Jorge Jesus, é o elemento mais criativo do Benfica, oferece uma mobilidade acima da média, sabe trocar de lugar com o avançado e o elemento interior e dá uma dimensão maior ao ataque da equipa. Cria, serve e concretiza. E o Benfica goleou.