O parlamento aprovou esta sexta-feira três projetos de resolução — o do Bloco de Esquerda por unanimidade, o da Iniciativa Liberal com o voto contra do PSD, e o do PS também com o voto contra do PSD — para a criação de uma comissão de inquérito à gestão do Novo Banco, ainda que com abrangências diferentes e objetos distintos.
Apenas a proposta do Chega não foi aprovada devido aos votos contra do PS e do PSD. O partido de André Ventura pretendia estender o inquérito ao financiamento de campanhas eleitorais e políticas que terá sido realizado nos tempos do Banco Espírito Santo, designadamente através do chamado saco azul do Grupo Espírito Santo.
Apesar deste consenso alargado, a aprovação de três propostas sobre o mesmo tema é inédito, como assinalou Fernando Negrão, o vice-presidente do Parlamento, e vai obrigar a conciliar o objeto da nova comissão de inquérito. O tema será tratado pela conferência de líderes parlamentares, mas já é certo que o novo inquérito se irá centrar nas operações que geraram prejuízos para o Novo Banco e levaram o Fundo de Resolução a meter mais capital, com o recurso ao dinheiro do Estado. Ainda que algumas destas situações possam implicar o recuo aos tempos do BES. Até porque um dos instrumentos será a auditoria da Deloitte que analisa os devedores e operações que mais prejuízos causaram entre os anos de 2000 e 2018.
Outra incógnita é a do calendário de realização dos trabalhos, sendo certo que as audições só poderão arrancar depois de aprovado o Orçamento do Estado de 2021, o que deverá acontecer até final de novembro. A expetativa é de que possam acontecer audições ainda em dezembro, aproveitando os deputados o tempo de discussão da proposta orçamental para pedir documentos.
Esta será a oitava comissão parlamentar de inquérito à banca em 12 anos, e a segunda que vai debruçar-se sobre a herança do Banco Espírito Santo, agora mais centrada na operação de venda e na gestão privada do Novo Banco.
Comissões de inquérito à banca
- 2008 — Atuação da supervisão financeira sobre o BCP e as operações realizadas através de offshores.
- 2009 — Gestão do Banco Português de Negócios e problemas e fraudes que conduziram à nacionalização.
- 2012 — Gestão pública e venda do BPN ao Eurobic
- 2014/2015 — Queda e resolução do Banco Espírito Santo
- 2016 — Resolução do Banif
- 2017 — I comissão de inquérito à capitalização da Caixa Geral de Depósitos (sem relatório final aprovado)
- 2019 — II comissão de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa (agora com auditoria da EY à gestão entre 2010 e 2015)
- 2020/21 — Gestão e venda de ativos pelo Novo Banco
Recuo no tempo divide PS e PSD, mas investigação a devedores vai chegar ao BES
Sobre o recuo aos tempos do BES e da gestão de Ricardo Salgado, apenas o PSD, através do deputado Hugo Carneiro, manifestou que o partido está contra propostas que repitam a comissão de inquérito ao BES, realizada no tempo do Governo PSD/CDS. “Não estamos disponíveis para isso”, o que à partida afastou logo o apoio à iniciativa do Chega.
Rui Rio já tinha manifestado a intenção de aprovar o teor da proposta de inquérito do Bloco de Esquerda que foi a única a merecer a aprovação do PSD. Já o PS manifestou, através de Fernando Anastácio, a vontade de “conhecer a história toda”, desde antes da resolução. “Não queremos só parte da história, percebo o incómodo do PSD que não está interessado nesta parte da historia”, numa alusão à resolução do banco decidida em 2014 durante o Governo de Passos Coelho.
Para o deputado João Paulo Correia, a doença do BES passou para o Novo Banco. “O Novo Banco existe porque o BES faliu devido a atos de má gestão. E porque foi opção da autoridade de resolução. Sabemos hoje que os ativos problemáticos (que deviam ter ficado no BES mau) foram para o Novo Banco”.
A Iniciativa Liberal também quer apurar “todas as responsabilidades” de um processo que poderá “ser o maior gasto de dinheiros públicos em Portugal”. Para o deputado Cotrim de Figueiredo, permanecem dúvidas sobre o passado, mas no quadro da pós venda é importante avaliar se as decisões da administração são compatíveis com os interesses dos contribuintes. Sublinhou também a necessidade de afastar as permanentes suspeitas que são negativas para a instituição e para os trabalhadores que “serão as maiores vitimas destas dúvidas”.
O CDS não se opõe a voltar ao tempo anterior à resolução, mas defende que a questão essencial é a de perceber se os prejuízos que estão agora a aparecer vêm do passado” e dos ativos que não deviam de ter passado para o Novo Banco, ou se resultam de uma “péssima gestão que vendeu ativos ao desbarato”, assinalou a deputada Cecília Meireles. “Votaremos a favor tudo o que tinha a ver com o apuramento das razões destes prejuízo, mas temos de nos concentrar no que é essencial”.
O PCP não irá criar obstáculos à criação desta comissão de inquérito, mas Duarte Alves não deixa de atirar culpas para o “habitual passa culpas entre o PS e o PSD” que nada resolve, reafirmando a posição do partido a favor do controlo público da instituição. E lembra que “os portugueses já entregaram perto de nove mil milhões de euros – na verdade só faltam 900 milhões de euros da garantia pública”.
Para a deputada do Bloco, Mariana Mortágua, não se trata apenas de apurar as responsabilidades do passado. “Queremos que se investigue para pôr termo ao abuso e travar a sangria de recursos que está em curso. É por isso que a levamos tão a sério”.
Já o PSD quantificou o esforço financeiro do Estado em mais de seis mil milhões de euros.
A deputada Inês Sousa Real do PAN também reafirmou a intenção do partido de apoiar a comissão de inquérito, sinalizando os negócios feitos pelo Novo Banco após a venda e os prémios de gestão, atribuídos mas não pagos, à gestão liderada por António Ramalho, ao mesmo tempo que a instituição apresenta prejuízos e pede mais capital.
O deputado “radioativo” o “pior do sistema” que irá “ultrapassar o vosso lugar” na política
Ainda durante a fase de discussão, Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda manifestou a intenção do partido de votar a favor de todas as proposta de comissão de inquérito. Mas deixou um desafio a André Ventura para aproveitar a oportunidade de conhecer os negócios do Chega e o financiamento do seu partido. A deputada invocou as várias ligações entre dirigentes do partido e pessoas que estiveram envolvidos no Grupo Espírito Santo, bem como as iniciativas, como “almoços luxuosos” para angariar fundos. E acusou o Chega de ser “um partido comprometido até ao pescoço com os negócios da elite económica e financeira”. E “o senhor deputado (André Ventura) de ser um político do pior que o sistema tem”.
André Ventura respondeu à letra, no meio de um debate sobre a central nuclear de Almaraz, invocando episódios que no passado embaraçaram o Bloco de Esquerda, como o caso da vendas de imóveis de Ricardo Robles, e deixando a certeza de que irá “ultrapassar o vosso lugar na política portuguesa”, numa alusão às sondagens que apontam para o crescimento do partido. Na réplica do Bloco, o deputado Nelson Peralta, aproveita o tema em discussão para chamar a Ventura o deputado “radioativo” que representa o pior do que o sistema tem.