O fundo norte-americano que controla o Novo Banco, o Lone Star, abdicou de pelo menos 73 milhões de euros para conseguir fechar o mecanismo ao abrigo do qual o Estado, nos últimos anos, injetou mais de 3.400 milhões de euros na instituição financeira que herdou o negócio bancário do BES. Para o Lone Star, porém, este é o preço a pagar pela hipótese de avançar já nos próximos meses com a venda de parte do capital (em bolsa ou a um investidor, ou grupo de investidores). Além disso, com a extinção desse mecanismo, o banco fica livre para distribuir aos acionistas um dividendo extraordinário que, se for aprovado pelo BCE, irá rondar os 1.300 milhões de euros – 325 milhões dos quais, aproximadamente, vão, direta e indiretamente, para o Estado.
Depois do ok aos termos por parte do Ministério das Finanças, o fundo norte-americano Lone Star, o Fundo de Resolução e a Direção-Geral do Tesouro e Finanças – os três acionistas do Novo Banco – formalizaram nesta segunda-feira um acordo para o encerramento antecipado do mecanismo de capital contingente que foi acordado em 2017, quando o banco foi vendido (em 75%) ao Lone Star. Foi ao abrigo desse mecanismo, conhecido pela sigla anglo-saxónica CCA, que o Novo Banco recebeu ao longo dos anos 3.405 milhões de euros em injeções de capital, quase 500 milhões abaixo do plafond máximo – 3.890 milhões – que havia para ajudar na “limpeza” do balanço do banco.
Se nada fosse feito, o mecanismo só iria expirar no final de 2025, ou seja, o encerramento é antecipado em cerca de doze meses. Mas já desde 2019 que existe abertura, sobretudo por parte do Novo Banco, para que o CCA fosse encerrado mais cedo do que o previsto. Para o banco, além de se libertar das limitações relacionadas com a proibição de serem extraídos dividendos, isso teria sido algo que teria reduzido o ruído político em torno da instituição financeira – dadas as sucessivas comissões de inquérito parlamentar e notícias na imprensa sobre as injeções públicas anuais.
Do lado do Fundo de Resolução e do Banco de Portugal, na altura ainda liderado por Carlos Costa, também havia abertura para que se negociasse um último pagamento final para “arrumar” esta questão. Como explicou ao Observador fonte ligada ao processo, já na altura era relativamente fácil fazer as contas ao perímetro de ativos problemáticos (herdados do BES) e às perdas que o Novo Banco ainda teria de reconhecer.
PwC avaliou banco em cinco mil milhões e antecipou dividendos elevados
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A confirmar-se o dividendo de 325 milhões pago ao Estado, a parte que caberia ao Fundo de Resolução seria usada para melhorar a situação líquida (deficitária em cerca de 6,74 mil milhões) deste organismo que é alimentado com contribuições do setor bancário. Porém, sendo um organismo público, as receitas reverteriam para o Orçamento do Estado, da mesma forma que as injeções feitas no Novo Banco também aí foram refletidas (como despesa).
O Fundo de Resolução começou por ter 25% do Novo Banco mas a sua posição foi sendo diluída já que o Estado recebeu ações devido à conversão de impostos por ativos diferidos. Ainda assim, em junho, o Fundo de Resolução decidiu exercer um direito de opção que tinha e comprou mais 4,14% do Novo Banco, por 128 milhões de euros, voltando a subir a sua participação para 13,54% do capital.
“O Fundo de Resolução exerceu o direito que a lei lhe confere para adquiri os direitos de conversão porque reuniu elementos que lhe permitiram concluir não só que o valor dos capitais próprios do Novo Banco será previsivelmente superior aos referidos 3.100 milhões de euros de valorização implícita no preço do exercício, mas também que a rendibilidade a obter pela aquisição dos direitos será superior ao custo da oportunidade”, sublinhou a instituição.
Uma análise encomendada pelo Fundo de Resolução à consultora PwC, nessa altura, avaliou o capital do Novo Banco em cinco mil milhões e antecipou que este poderá vir a distribuir um total de 2,7 mil milhões de euros em dividendos associados aos lucros entre este ano e 2026.
Mas a negociação acabou por se arrastar e não levar a lado algum, nessa fase, em parte porque o contexto financeiro dos bancos não era tão favorável como agora – sobretudo, depois, na fase da pandemia – e também não terá sido manifestada abertura política para fazer o tal pagamento final que ascenderia a várias centenas de milhões de euros, de uma assentada.
Com a mudança de Governo, uma fonte próxima da negociação descreveu (em setembro) a atitude do ministério liderado por Joaquim Miranda Sarmento, neste processo, como “pró-ativa”. Face a expectativas de que tudo poderia ser resolvido até setembro último, o acordo acabou por atrasar-se mas foi, finalmente, atingido antes do fim do ano – no último momento em que faria sentido acordar um encerramento antecipado de algo que já iria expirar, de qualquer forma, no final do próximo ano. E é a garantia que não vai entrar mais dinheiro no Novo Banco por conta de ativos herdados do BES.
“Deve e haver” era de 73 milhões mas Novo Banco desiste de receber
Logo na primeira injeção de capital, em 2018, o Fundo de Resolução entregou 792 milhões de euros ao Novo Banco, fruto das perdas que o banco reconheceu e que, sem a injeção pública, teriam levado os rácios de capital do banco para menos de 12%. Foi assim que o mecanismo foi desenhado: dava ao Novo Banco o direito de, a partir das perdas registadas em cada ano, fazer “chamadas de capital” ao Fundo de Resolução no valor suficiente para restabelecer a capitalização do banco, erguendo-a para acima dos 12% previstos no acordo.
A maior injeção pública de todas, porém, veio no ano seguinte: 1.149 milhões de euros em 2019, relativamente a perdas reconhecidas ao longo de 2018, o primeiro ano completo em que o Lone Star controlou a gestão do Novo Banco. No ano seguinte, ainda com António Ramalho ao leme da instituição, o montante injetado no Novo Banco baixou um pouco mas voltou a superar os mil milhões de euros: foram 1.035 milhões entregues nesse ano de 2020, relativamente a 2019.
Depois disso, em 2021, a chamada de capital feita pelo Novo Banco junto do Fundo de Resolução caiu para menos de metade: 429 milhões de euros – num ano em que o Novo Banco tinha pedido mais: 598 milhões, o que levou a um diferendo jurídico entre as duas partes. Nos dois anos seguintes (2022 e 2023) já não houve quaisquer transferências.
Ainda assim, apesar de, na prática, terem terminado as injeções de capital, as duas partes continuaram a manter um “deve e haver” para que houvesse um acerto final de contas, desde logo porque havia vários processos em tribunal que opunham o Fundo de Resolução e o Novo Banco e que, conforme as decisões jurídicas, poderiam fazer com que o Fundo de Resolução tivesse de pagar mais ou menos ao Novo Banco.
Por outras palavras, embora não houvesse novas perdas a reconhecer nos ativos do “perímetro” de ativos tóxicos herdados do BES, o Fundo de Resolução ainda estaria em risco de ter de fazer novos pagamentos ao Novo Banco, devido às questões judiciais. As duas partes contabilizavam esse “deve e haver” em 73 milhões de euros, em favor do Novo Banco – que a instituição financeira, agora, prescinde de receber.
Nestas contas entrou o que o Fundo de Resolução recebeu da recuperação do BES Angola, que acabou por exceder aquilo que o Novo Banco já tinha aprovisionado e, a dada altura, se decidiu que ia para o Fundo de Resolução. Esse valor foi, então, utilizado para abater no maior pagamento que o Fundo de Resolução poderia ter de fazer ao Novo Banco, relacionado com a aplicação de regras contabilísticas – um processo onde o Novo Banco saiu vitorioso em tribunal. Este acordo envolve, indica o Fundo de Resolução em comunicado, “a aceitação, da parte do Novo Banco, de não receber o saldo remanescente, que o banco reclama ser de 73 milhões de euros“.
Porém, embora seja difícil quantificar quanto é que isso poderia significar, em termos concretos, havia outros diferendos dos quais o Novo Banco também desistiu e que poderiam aumentar a fatura a suportar pelo Novo Banco. Havia uma outra arbitragem relacionada com a aprovação, em 2021, de uma lei fiscal no Parlamento que veio alargar as taxas agravadas do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) a empresas com ligações a jurisdições offshore (o banco passou a ter de suportar este encargo porque o seu acionista estava numa jurisdição de privilégio fiscal).
Também aqui “ocorre a desistência por parte do Novo Banco“, pode ler-se no comunicado do Fundo de Resolução, que afirma que o valor pedido pelo Novo Banco era de 198 milhões de euros mas que, tendo em conta que o CCA apenas ressarcia o Novo Banco até cumprir os rácios de capital acordados, uma eventual transferência do Fundo de Resolução para o Novo Banco, por esta razão, teria um impacto bem menor.
Além disso, “extinguem-se [também] as responsabilidades contingentes do Fundo de Resolução associadas à alegada violação de Business Warranties assumidas no acordo de venda do Novo Banco, nomeadamente com a desistência de pedidos indemnizatórios apresentados preliminarmente pela Nani Holdings, que ascendiam a cerca de 60 milhões de euros” – um valor, porém, que o Fundo de Resolução nunca valorizou ao ponto de registar imparidades nas suas contas anuais mas que, de todo o modo, fica agora resolvido.
Em termos contabilísticos, o Novo Banco anunciou em comunicado à CMVM que o acordo terá um impacto negativo de quase 63 milhões de euros em relação às contas como tinham sido expressas no final do terceiro trimestre. Mas este é apenas um ajuste contabilístico, nas contas do Novo Banco, já que se “extinguem as obrigações de pagamento existentes entre as partes” e “não resulta do acordo qualquer fluxo financeiro”.
Estado estanca a “sangria” e pode receber 325 milhões já em 2025
O Novo Banco já tinha admitido distribuir até 1,3 mil milhões de euros num dividendo extraordinário assim que houvesse este acordo para encerrar antecipadamente o CCA. Tal como o Observador já tinha noticiado no início de setembro, o Novo Banco estará em condições de pagar um dividendo superior a mil milhões de euros – 1,3 mil milhões, especificou, mais tarde, o presidente do banco, Mark Bourke – o que pode dar 325 milhões de euros ao Estado, que tem 25% do capital (entre os 13,54% do Fundo de Resolução e os 11,46% das Finanças).
O Orçamento do Estado para 2025 não prevê qualquer receita relacionada com dividendos extraordinários, embora já se afigurasse como provável que este acordo poderia ser atingido antes do fim do ano.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) tinha salientado, na análise ao orçamento que publicou em meados de novembro, que “o fim antecipado do mecanismo de capital contingente pode[ria] permitir o pagamento de dividendos por parte do Novo Banco”, pelo que “o pagamento de dividendos, não previsto na POE (proposta de Orçamento do Estado), representaria um aumento de receita com contributo positivo para o saldo orçamental em 2025“.
Ou seja, o Estado ganha uma “almofada” para a execução orçamental do próximo ano – que pode ser ainda maior se for vendida em bolsa (ou fora dela) parte do capital do banco. De acordo com o jornal Eco, o Ministério das Finanças negociou, em paralelo, um projeto de acordo com a Lone Star e o Fundo de Resolução que estabelece que, numa futura operação de venda do banco, todos terão as mesmas condições, incluindo o preço de venda.
Questionado pelo Observador, o Ministério das Finanças não fez comentários mas o ministro Joaquim Miranda Sarmento, em Bruxelas para uma reunião do Eurogrupo, mostrou satisfação pelo acordo que permite “normalizar” a instituição financeira, reduzir os encargos do Estado e encaixar 400 milhões de euros. “Foi um bom acordo e estamos muito satisfeitos que esse acordo tenha sido alcançado”, afirmou Joaquim Miranda Sarmento.
Para o Lone Star, porém, as vantagens são claras. O fim da proibição de distribuição de dividendos permite duas coisas: recuperar, por via do seu “quinhão” do dividendo extraordinário, quase tudo aquilo que o fundo pagou pelos 75% do Novo Banco que comprou em 2017 (por mil milhões de euros) e, por outro lado, fica a via aberta para uma operação de venda de parte substancial da posição acionista que o Lone Star tem na instituição financeira.
Essa venda poderá ser feita através de uma alienação direta a um investidor (ou conjunto de investidores) ou, então, com a dispersão de parte do capital em bolsa – entre 25% e 30%, previsivelmente. A proibição de dividendos que existia prejudicava a missão do Novo Banco de atrair investidores para a compra de ações, já que quem comprasse os títulos teria de esperar algum tempo antes de poder daí retirar algum rendimento.
O próprio presidente executivo, Mark Bourke, reconheceu que o CCA era um “bloqueio” à venda em bolsa, que acrescentou ser o “cenário central” com vista ao qual a gestão tem vindo a trabalhar. o norte-americano Lone Star, está a preparar uma venda de parte do capital em bolsa que deverá avaliar o banco em quatro a cinco mil milhões. É previsível que a venda do Novo Banco – num ou noutro cenário – avance no próximo mês de maio ou junho, após serem apurados os resultados anuais (que serão os melhores de sempre na história do Novo Banco) e depois de o BCE aprovar a distribuição de dividendos.
Do ponto de vista do Fundo de Resolução, o fecho do CCA e a retirada dos processos em tribunal permite à entidade liderada por Luís Máximo dos Santos concentrar-se na redução da posição deficitária em que ainda se encontra. Em declarações aos jornais, Máximo dos Santos disse que “o reembolso dos empréstimos concedidos pelo Estado e pelos bancos será a missão futura fundamental do Fundo e o termo antecipado do CCA é, também, um contributo para que corra bem”. Em 2023, o Fundo de Resolução registava uma situação líquida negativa de 6.735 milhões.
Para os restantes bancos, que recentemente viram o Banco de Portugal aumentar a contribuição anual exigida ao setor para equilibrar a posição financeira (deficitária) do Fundo de Resolução, as atenções também estarão viradas para a possibilidade de se envolverem no processo de venda do Novo Banco.