O ministro da Defesa relativizou esta quarta-feira o impacto da diretiva do uso de linguagem “não discriminatória” nas Forças Armadas para a promoção da igualdade de género, defendendo que outras medidas em curso são mais relevantes.
O que é verdadeiramente importante é o trabalho que está a ser feito na promoção da igualdade de género dentro das Forças Armadas. Depois se se deve prever ‘nascido em’ ou ‘data de nascimento’, isso é absolutamente menor, não tem relevância nenhuma e, do meu lado, confesso que não pretendo passar muito tempo a pensar nessa matéria”, considerou João Gomes Cravinho, em declarações à agência Lusa.
A TSF noticiou quarta-feira que a Secretaria-geral do Ministério da Defesa Nacional enviou aos ramos e ao Estado-Maior-General uma proposta de diretiva com orientações para uma “liguagem não discriminatória” e mais igualitária nas Forças Armadas, na qual se propõe, por exemplo, que em vez de escrever “o coordenador”, deverá utilizar-se “a coordenação”, em vez de “os participantes”, “quem participa”, ou até o “sejam bem-vindos” deve ser trocado por “boas vindas a todas as pessoas”.
Questionado pela Lusa, Gomes Cravinho afirmou que apesar de considerar as temáticas da igualdade de género e da promoção do acesso da mulher à carreira militar como “temas importantes” no âmbito da Defesa Nacional, Gomes Cravinho admitiu não atribuir “a mínima relevância” ao documento em causa.
Para o ministro, “é uma matéria para os ramos [das Forças Armadas] e para os diferentes patamares de decisão escolherem a melhor forma de apresentar as Forças Armadas”.
“Eu acho que nós não devemos perder a noção da distinção entre aquilo que são os aspetos verdadeiramente importantes e aquilo que são uns meros faits divers”, concluiu Gomes Cravinho, em declarações à Lusa, por telefone, a partir da Estónia, onde terminou esta quarta-feira uma visita oficial.
A “Orientação sobre a utilização de linguagem não discriminatória”, à qual a Lusa teve esta quarta-feira acesso, data de 18 de setembro, e foi elaborada no âmbito do Plano Setorial da Defesa Nacional para a Igualdade 2019-2021, “com vista à utilização de uma comunicação mais inclusiva”.
O objetivo, de acordo com o documento, é “salientar a importância para a utilização de linguagem sensível ao género, dar a conhecer exemplos práticos que previnam a utilização de linguagem discriminatória e contribuir para a eliminação dos estereótipos existentes”.
No campo da comunicação escrita, recomenda-se a “neutralização ou abstração” de género, substituindo determinadas palavras por termos neutros — como por exemplo, em vez de “nascido em” preferir “data de nascimento”, ou substituir “os políticos” por “classe política”.
É ainda recomendada a “especificação” de género nos textos, quando a neutralização anterior não é possível, utilizando formas duplas (“os alunos e as alunas”), barras de separação (“O/A candidato/a”) ou ainda a menção “m/f”.
A comunicação oral não “escapa” às recomendações, com a diretiva a recomendar que se evite linguagem que “muitas vezes descreve as mulheres de forma não valorativa ou mesmo depreciativa, até quando usada para insultos a homens”, como por exemplo, “as expressões “deixa-te de mariquices” ou “pareces uma menina, porta-te como um homem”.
Quanto à comunicação visual, é proposto que as Forças Armadas escolham “imagens que reflitam a diversidade no ambiente do seu organismo”, mostrando pessoas de géneros diferentes “em papéis de igual valor” ou ainda que exiba imagens “onde a presença do sexo sub-representado é diminuta”.
Estas diretrizes seriam aplicadas a “todos os documentos oficiais”, designadamente, “decisões de dirigentes e chefes militares e respetivas comunicações internas e externas, incluindo ofícios”, “apresentações institucionais e materiais usados em sessões de formação e apresentação”, bem como à “comunicação e relações públicas” — como guiões para cerimónias públicas, convites, notas de imprensa ou a comunicação nas redes sociais.
De acordo com o Ministério da Defesa, a proposta de diretiva sobre utilização de linguagem não discriminatória foi enviada a todas as entidades na esfera da Defesa “no sentido de recolher contributos e melhorias” e “só após audição de todos os envolvidos e integrados os contributos considerados pertinentes, a referida Diretiva se assumirá como um documento final”.
O plano setorial para a promoção da igualdade de género na Defesa e Forças Armadas foi apresentado publicamente no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, em 2019, numa cerimónia em que participou o ministro João Gomes Cravinho.
A utilização de “linguagem não discriminatória nos documentos e discursos oficiais” já era uma das 30 medidas previstas, tal como a criação de gabinetes de igualdade nas Forças Armadas no Ministério da Defesa e a realização de um estudo sobre as dificuldades de incorporação e retenção de mulheres na instituição militar são outras medidas contidas no plano setorial.
Entre as 30 medidas a aplicar até 2021, destacava-se a criação da figura do “conselheiro de género” em cada ramo militar e no Estado-Maior-General das Forças Armadas, a reportar diretamente aos chefes militares.
Atualmente, os ramos e o Ministério da Defesa já têm pessoal a desempenhar este tipo de funções visando a promoção da igualdade mas não em exclusividade e tem poderes limitados, segundo disse à Lusa na altura fonte da Defesa Nacional.
O plano setorial para a promoção da igualdade na Defesa e nas Forças Armadas previa ainda a elaboração de um “código de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio nos locais de trabalho” e de um “guia da profissão militar”.
Se no pessoal civil se verifica “uma relativa paridade”, no que respeita “ao pessoal militar e militarizado a disparidade em prejuízo das mulheres é muito acentuada (12% e 2% de mulheres, respetivamente)”.
Quanto à conciliação da vida familiar e profissional, o plano incluía a criação de equipamentos e estruturas de apoio à infância, como creches e jardins de infância, e incentivava a colocação de militares o mais perto possível da sua área de residência.
Ao nível do ensino militar, o plano propunha um curso de formação de formadores para a Igualdade, a criação de uma “linha de investigação” sobre a igualdade de género e a inclusão de um módulo sobre o tema “em todos os cursos de formação e promoção”.