Cada um dos quartos ocupados pelas famílias de desempregados da Disney World, em Orlando, Estados Unidos, são retratos de “fantasmas” que vivem na esperança de comerem pelo menos uma vez por dia.

“Isto é uma cidade fantasma e eu sou um fantasma. Agora estão aí as eleições. Eles querem a Casa Branca e eu estou aqui na ‘casa dos pretos'”, diz D1, um afro-americano que vive num quarto com duas camas, sem fogão no motel Magic Castle na rua 192 de Kissimmee, Orlando, a principal via de acesso automóvel ao parque de diversões Disney World.

“Barack Obama é que foi um grande Presidente. Tinha classe e ajudou as pessoas. Fez muitas coisas boas. Agora o ‘homem’ (Donald Trump) que é um dono de casinos quer continuar a ser Presidente”, desabafa o desempregado da Disney World.

Por vezes, no motel Magic Castle, visivelmente degradado, o proprietário corta o abastecimento de água e eletricidade apesar de os ocupantes dos quartos pagarem a renda com a ajuda de uma organização não-governamental local.  Se a renda mensal de um quarto de hotel ou num motel for de 700 dólares (cerca de 590 euros) as pessoas têm de pagar um avanço de 2.800 dólares, sendo que a maior parte foi expulsa das casas onde viviam porque não já não conseguiam pagar as hipotecas porque não têm trabalho.

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Por outro lado, se um desempregado tiver registo criminal não pode sequer pedir a intervenção ao Estado da Florida porque está “desqualificado pelo sistema de ajuda” e fica a viver dentro de um carro, na rua ou ocupa um quarto de motel à beira da estrada 192.

O mesmo acontece às pessoas que tiveram problemas com bancos nos últimos sete anos e que ficam impedidas de pedir qualquer financiamento para habitação. D1 sai do quarto que diz parecer “uma caverna” e aproxima-se da varanda do segundo andar do edifício. Ultimamente as noites têm sido “insuportáveis” porque as colunas de som da Disney instaladas em quase toda a rua 192 começam a “transmitir ópera” “É uma música em ‘altos gritos’ só para nos levarem à loucura e afastarem os sem-abrigo que se escondem ali ao lado da piscina ou nós que vivemos aqui no Magic Castle”, queixa-se.

À distância de cinco minutos de carro, no Motel 6 vivem muitas mulheres com cães porque o proprietário da unidade hoteleira permite animais no interior. Pat tem dois cães, um dogo argentino e um pequeno pinscher preto “com mau caráter”. “Eu fui pobre a vida toda, agora estou desempregada e o meu marido também e vivemos neste quarto de hotel frente ao parque de estacionamento. O cão grande serve para ajudar o meu marido a caçar, quando ele pode”, diz a mulher que sobrevive no Motel 6 e que anda descalça por causa do calor que se faz sentir na Florida.

Calcula-se que cerca de oito mil pessoas foram despedidas do parque de diversões Disney World, principal empregador e que vive do turismo que foi um dos setores mais severamente afetado pela pandemia de covid-19.

A organização Kissimmie Poinciana Homeless Outreach (KPHO) diz que a juntar-se aos empregados da Disney é preciso ter em conta os efeitos indiretos que atingiram as lojas de recordações e restaurantes ao longo da principal rua de acesso ao parque de diversões. A KPHO fornece todos os dias refeições a cerca de 300 famílias que vivem em condições precárias em quartos de motéis e ajuda os desempregados a pagarem as rendas semanais.

Muitas pessoas perderam as casas onde viviam por não poderem pagar as hipotecas e outras já viviam em motéis por nunca terem tido possibilidade económicas para conseguirem um empréstimo para habitação. No mesmo motel, um homem de 49 anos dorme dentro do carro estacionado no parque de estacionamento e ajuda a KPHO a distribuir alimentos às famílias carenciadas.

Por outro lado, o caso de Kay demonstra de forma clara a violência que se vive na rua 192: foi violada por três homens no anterior motel onde se encontrava a viver mas a investigação foi arquivada por falta de provas sobre o crime. Kay mantém os dois cães e raramente sai do quarto. No mesmo corredor vive a família Kelly, um casal jovem com três filhos pequenos que depois do início da pandemia deixaram de ir à escola por falta de meios de transporte.

Vivem cinco pessoas num pequeno quarto com duas camas e brincam nos corredores, nas escadas exteriores e no parque de estacionamento do motel, praticamente sem automóveis estacionados.

Os “fantasmas” da rua 192 em Kissimmee, Orlando, são o retrato mais vivo da crise económica que afeta o Estado da Florida neste ano de eleições presidenciais, marcado pelos graves efeitos da pandemia de SARS CoV-2. Para Barbie Áustria, da KPHO, os “retratos de miséria e desespero” exigem, pelo menos, “mais humanidade” que, sublinha, vale tanto ou mais do que “dinheiro no bolso”.