Foi o próprio José Mourinho que o admitiu, na sequência do empate do Tottenham frente ao LASK Linz na Áustria: “Já sabia que a Liga Europa não motiva alguns jogadores, tinha noção disso”. E o português não ficou por aí: “A única coisa de positivo que levo é a qualificação. Alguns jogadores estiveram bem no plano individual, outros fizeram exibições muito pobres. Partilho tudo o que penso com os jogadores e normalmente estou certo. Quando vi o aquecimento antes do jogo, pressenti logo que havia uma grande diferença na intensidade do nosso em relação ao deles. Estava a ver os dois lados. Por isso não, nada me surpreende e os jogadores sabem disso”.

Se na Premier League os londrinos acertaram passo e nem mesmo a fase mais complicada do calendário retirou à equipa a liderança da prova a par do Liverpool, com vitórias frente a Manchester City e Arsenal e empate diante do Chelsea, na Liga Europa a equipa era capaz do melhor e do pior, quase que deixando-se levar por algum facilitismo que nunca foi bom conselheiro que tão depressa podia acabar em goleada como em derrota. E foi por isso que a última jornada chegou com o Tottenham a ter de ganhar ao Antuérpia para assegurar o primeiro lugar, dando uma vantagem relativa para o sorteio de segunda-feira numa prova que se vai tornar quase Champions.

“Se acontecesse à minha equipa sentiria exatamente o mesmo. É como é e, honestamente, traz mais qualidade à competição, não nos podemos esquecer disso. Quando há mais qualidade, há mais atenção, e isso é bom para a competição. Do ponto de vista desportivo, não é justo que uma equipa que não tenha sucesso numa competição caia para outra. É apenas uma questão de princípio. No futebol, quando, por alguma razão, não temos sucesso… Azar, tentamos novamente na próxima temporada. Agora o Manchester United torna-se num dos favoritos. As equipas que caem da Champions para a Liga Europa são sempre fortes e normalmente não pertencem a este nível. Tinham um grupo complicado com PSG e RB Leipzig, todos sabíamos que não ia ser fácil e que uma equipa top iria descer”, comentou na antecâmara da receção aos belgas, abordando já a próxima fase onde chegará como cabeça de série e com Harry Kane, que jogou apenas meia hora, como grande referência.

– Acho que tinhas uma relação muito boa com o Mauricio [Pochettino]…
– Sim, tinha.
– Adoro isso. E agora penso: ‘Se tem boas relações com o antigo treinador, porque não terá comigo?’. Vi o treino de ontem e não tenho dúvidas que és um vencedor, é o meu feeling. O mundo olha para o futebol inglês com um respeito incrível, mas continuam a achar que as estrelas de cinema estão noutros lados e eu acho que devemos construir o teu estatuto nessa direção. Eu sou um bocadinho assim como treinador, a minha imagem é universal e penso que consigo ajudar-te…
– Sim, é esse o meu objetivo… Quando olhamos para um clube como o Tottenham, acho que estivemos bem e pessoalmente acho que estive bem mas quero ser nível Ronaldo, Messi…
– Pois, o que não aceito porque não é do meu feitio é estar aqui e não ganhar nada mas acredito que podemos ganhar por tua causa, por tua causa. Vocês têm melhores jogadores do que tinha no Manchester United. Acho que o clube tem imensas coisas para explodir. Estou aqui…
– E agradeço por isso, obrigado.

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Recordando a conversa supracitada que passou no documentário “All or Nothing” (que acompanhou a temporada de 2019/20 do Tottenham) entre José Mourinho e Harry Kane, muito do que é hoje a equipa londrina consegue explicar-se em menos de dois minutos de diálogo: um lote de jogadores com mais qualidade, com maior confiança, com outro pragmatismo para chegar aos resultados, com uma crescente capacidade coletiva que faz sobressair as individualidades. E o avançado inglês, que entrou para jogar apenas a última meia hora, voltou a mostrar que é cada vez mais um elemento completo, capaz de marcar com golos com uma eficácia como poucos ao mesmo tempo que cria espaços para os companheiros e faz assistências. Mais do que nas últimas épocas… e quando estamos apenas em dezembro. Também por isso, o 2-0 ao Antuérpia até acabou por ser curto.

Promovendo várias alterações na formação inicial, sobretudo do meio-campo para a frente, nem sempre a exibição foi a melhor mas desde cedo se viu um Tottenham apostado em decidir cedo o encontro, com Tanganga a cabecear à figura numa bola parada e Gareth Bale a desviar também de cabeça ao lado dentro dos dez minutos iniciais. Os intervenientes mudaram, o número de ocasiões nem por isso mas Carlos Vinícius e Lo Celso viram, cada um por duas ocasiões, o iraniano Alireza Beiranvand a brilhar entre os postes, segurando o Antuérpia a um resultado que valeria o primeiro lugar na fase de grupos. O número 1, que lavou carros, varreu ruas e entregou pizzas para cumprir o sonho de poder tornar-se profissional que o levou a deixar a casa e a vida de pastor e a viver em zonas de imigrantes mais carenciados, era a inspiração frente a uma equipa que só não estava na finalização.

Lavou carros, varreu ruas, entregou pizzas mas cumpriu o sonho: a história de Beiranvand, a última barreira de Portugal

Percebia-se que era uma questão de entrar a primeira bola mas José Mourinho, que começou a segunda parte de cara fechada para o quarto árbitro entre protestos com o facto de Seck ter cartão amarelo e continuar a fazer algumas entradas à margem da lei, quis mais do que ganhar: depois do 1-0 por Carlos Vinícius, na recarga a uma grande defesa de Beiranvand a livre direto de Bale (57′), o português lançou Kane, Son, Ndombelé e Sissoko para arrumar de vez com o encontro, chegando ao 2-0 por Lo Celso, o melhor do Tottenham ao longo de toda a partida, entre várias oportunidades que podiam ter valido nova goleada na Liga Europa aos londrinos (71′).