O passar das semanas foi trazendo vários “testes” à renovada equipa do Sporting de Rúben Amorim, que teve dez jogos na última temporada para identificar lacunas, encontrar soluções e procurar alternativas no mercado. Logo à partida, a redenção após o precoce afastamento da Liga Europa com uma goleada em Alvalade. Depois, a receção ao FC Porto. Depois, a deslocação a Guimarães. Depois, a viagem a Famalicão. Mesmo empatando com a revelação do derradeiro Campeonato, a equipa manteve uma liderança que poucos ou nenhum poderiam esperar nesta fase da temporada. No entanto, esse último encontro teve outras circunstâncias que ainda não tinham surgido: jogar reduzido a dez, perder duas vezes a vantagem, ver Rúben Amorim expulso e fora do banco nos jogos seguintes, não contar com Pedro Gonçalves, fazer uma exposição das incidências ao Conselho de Arbitragem. Por tudo isto e pela qualidade do P. Ferreira, a quarta ronda da Taça de Portugal era mais do que um teste. Por quatro pontos.
Ponto 1: o que vale o Sporting sem Pedro Gonçalves? O internacional Sub-21, que antes de se destacar ao serviço do Famalicão passou pelo Wolverhampton, começou por ganhar o seu espaço no clube, ganhou depois o seu espaço na equipa (como um dos avançados e não como um dos médios de corredor central) e tem vindo a ganhar o seu espaço no futebol português. Tudo porque, não sendo um avançado típico, tem especial apetência para marcar golos, com uma eficácia invejável até para os 9 mais puros. A certa altura, nas fases menos conseguidas dos jogos, quase parecia que o coletivo esperava que o génio individual aparecesse, como aconteceu frente ao Moreirense em que Pote teve uma bola na trave antes de fazer o golo decisivo a 15 minutos do final. Em oito jogos da Liga marcou dez golos mas, frente ao P. Ferreira, era ausente por castigo. Também por isso, Amorim apostou em Bruno Tabata na direita e Tiago Tomás, um avançado mais móvel, no lugar de Sporar – e ambos marcaram, tendo protagonizado os melhores momentos de finalização da equipa aproveitando da melhor forma os movimentos interiores.
Ponto 2: que influência podia ter a ausência de Rúben Amorim? As novas tecnologias permitem uma comunicação entre equipas técnica e jogadores como antes não existia. Por exemplo, antes do início da partida em Famalicão já estava Carlos Fernandes a preparar o iPad para receber informações ou do também adjunto Adélio Cândido ou dos observadores, posicionados noutro local do estádio. Em Alvalade essas condições são ainda mais importantes, tendo em conta a localização das próprias câmaras que permitem dar ângulos mais abertos, mas não ter o técnico principal no banco, mesmo que na ficha de jogo essa posição pertença a Emanuel Ferro, poderia ser um problema complicado de contornar sobretudo nos momentos em que a equipa mais precisasse de reagir e não tanto de agir. Sem o líder do banco, ouviram-se os líderes em campo. Coates, João Mário, Neto, João Palhinha. Foi pelo eixo central que o Sporting controlou os momentos do jogo e “secou” os principais perigos pacenses.
Ponto 3: que reação teria a equipa após o sucedido em Famalicão? Enquanto o Sporting ia reagindo em força contra a arbitragem de Luís Godinho no segundo empate dos leões no Campeonato, num movimento que teve início logo após o encontro com as declarações de Frederico Varandas e prosseguiu depois na figura do diretor de comunicação, Miguel Braga, e em termos institucionais, não só na exposição feita ao Conselho de Arbitragem mas também no editorial do jornal do clube, Rúben Amorim tentava capitalizar essa “revolta” (que na maioria dos casos não foi compreendida entre especialistas) transformando-a em força positiva para superar os compromissos que se seguem em Alvalade. Da parte dos adeptos, surgiu o movimento #Ondevaiumvãotodos, nascido nas palavras do treinador a comentar o que se tinha passado na zona dos balneários após o encontro em Famalicão (“Na equipa do Sporting, quando vai um, vão todos e eu tinha de ir lá buscá-los. Será assim até ao fim do Campeonato”); da parte dos jogadores, que até partilharam em alguns casos esses mensagens nas redes sociais, houve um prolongamento desse estado de espírito com um futebol alegre mas racional, bonito sem perder o pragmatismo.
Ponto 4: que postura teria a equipa num jogo a eliminar? O Sporting levava nove vitórias e dois empates em 12 jogos oficiais realizados na presente temporada, tendo apenas sofrido uma derrota e logo no único encontro em que não tinha margem para facilitar, como era o playoff de acesso à fase de grupos da Liga Europa. E essa derrota teve um ponto na sua génese que seria de novo colocado à prova: exibição à parte, que foi de longe a pior da época com vários momentos completamente descaracterizados em relação à ideia de jogo da equipa, o grande problema entroncou num período de dez minutos na segunda parte, quando o resultado estava ainda empatado, em que a vantagem do LASK Linz e a expulsão de Coates deixou a equipa perdida e à mercê de uma goleada que chegou aos 4-1 mas que poderia não ter ficado por aí. A resposta não podia ter sido melhor: uma equipa ciente dos momentos do jogo, capaz de perceber quando estar mais alto ou mais baixo e que se revelou bem mais adulta.
A resposta positiva às quatro questões transformou as dúvidas em certezas e recolocou o Sporting na rota não só das boas exibições mas dos resultados, vencendo por 3-0 frente a um P. Ferreira que foi sempre uma sombra do que mostrou no domingo na Luz – também pelo mérito da estratégia leonina. E se as duas novidades no onze, Tiago Tomás e Bruno Tabata, deram tanta ou mais vida ao ataque, João Palhinha voltou a ser o melhor na equipa verde e branca. A defender, a atacar, a desarmar, a passar, agora até a marcar. O médio que regressou esta época está cada vez mais completo e consegue funcionar equilíbrio da equipa em todas as ações de um jogo que, depois de um escolta à saída de Alcochete e de uma receção apoteótica com centenas de adeptos em Alvalade, contou com muitos elementos a fazerem-se ouvir fora do estádio como se estivessem já no seu interior.
Com Nuno Mendes de regresso à equipa após lesão, Bruno Tabata a ocupar o lugar de Pedro Gonçalves à direita e Tiago Tomás como referência ofensiva em vez de Sporar, o Sporting teve um início de jogo tranquilo, com muita paciência na posse, a arriscar alguns passes longos que nunca tiveram resultados práticos e a esperar pelo melhor momento para criar perigo junto da baliza dos pacenses, como aconteceria em duas ocasiões com Pedro Porro a ter um bom trabalho individual numa segunda bola para defesa de Jordi que passou perto do poste (11′) e Coates a subir mais alto para desviar de cabeça por cima após canto de Bruno Tabata na direita (14′). Mais do que aquilo que conseguia fazer, os leões tinham o mérito de evitar que o P. Ferreira fizesse. Fizesse aquela saída de trás ou pela primeira fase de construção, fizesse transições pelos corredores laterais, fizesse situações de igualdade numérica. E o único momento de perigo dos castores acabou por nascer de um lance infeliz de Luís Neto, que desviou de forma infeliz para a própria baliza um livre lateral de João Amaral antes da defesa de Adán (22′).
A intervenção do espanhol teve mérito mas não foi propriamente a mais complicada da carreira. Ainda assim, foi um toque de alerta para os verde e brancos, que depois de uma boa entrada estavam a ceder mais alguns espaços na zona do meio-campo para Eustáquio e Bruno Costa mexerem no jogo. E seria por aí, pelo corredor central, que iria nascer a jogada do primeiro (grande) golo, com Coates a acertar o passe longo para Nuno Santos que se deslocara mais para o interior, o ala a fazer a assistência de cabeça e Tiago Tomás, com um fantástico remate de fora da área ao ângulo, a inaugurar o marcador (26′). O Sporting colocava-se em vantagem e se já antes conseguia controlar da melhor forma todos os momentos do jogo, a partir daí foi ainda mais cirúrgico, aumentando a vantagem por Bruno Tabata em cima do intervalo: já depois de um remate que saiu muito por cima (40′), o brasileiro ocupou o espaço por dentro, recebeu, ajeitou para o pé esquerdo e atirou em jeito para mais um grande golo (45′).
As duas alterações ao intervalo, com as entradas de Diaby e Zé Uilton, deu mais alguma vivacidade do meio-campo para a frente ao P. Ferreira, aproveitando também um recomeço mais adormecido do Sporting que não teve tanta capacidade para ligar setores e levar a bola até às unidades ofensivas. E Pepa percebeu que era naquele momento que tinha de jogar tudo, acrescentando ainda Adriano Castanheira e Martín Calderón a uma equipa que conseguia colocar mais os laterais nas ações atacantes com Eustáquio a ter mais bola no meio. No entanto, e apesar de duas aproximações com perigo mas sem finalização, seria a formação verde e branca a chegar ao 3-0 numa bola parada, com João Mário a colocar com o pé como se fosse com a mão num livre lateral na cabeça de João Palhinha, que marcou a meias com o Marcelo e voltou a festejar um golo três anos depois pelos leões (64′).
O encontro tinha chegado ao “fim”, algo que foi até confirmado pela saída de Douglas Tanque, poupado por Pepa. E foi nesse período da segunda parte que o Sporting foi acumulando oportunidades para aumentar ainda mais a sua vantagem, com Tiago Tomás a ter duas boas oportunidades antes da dar o lugar a Sporar (que também tentou a sorte mas neste caso saiu muito desenquadrada) e Gonzalo Plata a ver Jordi evitar o quarto golo no último minuto de descontos numa tentativa de chapéu que saiu com aba curta. O resultado estava feito, a história do jogo também. E se o P. Ferreira, sobretudo na segunda parte, mostrou um futebol de qualidade, o Sporting provou que é nesta fase da temporada a equipa mais regular em termos nacionais. Na Liga e, agora, na Taça de Portugal.