“É uma decisão de 1995 do Tribunal Europeu de Justiça sobre a liberdade de movimento dos trabalhadores, a liberdade de associação (…) O caso foi uma decisão importante quando ao movimento livre dos trabalhadores e teve um efeito profundo nas transferências de futebolistas dentro da União Europeia. A decisão baniu as restrições impostas aos jogadores estrangeiros nas ligas nacionais dentro da União Europeia e permitiu que os jogadores dentro da União Europeia pudessem mudar-se para outro clube no final do contrato sem que um valor de transferência fosse pago”.
É assim que a Wikipedia resume a Lei Bosman, a regra que há precisamente 25 anos, em dezembro de 1995, mudou o mercado de transferências do futebol conforme todos o conhecíamos. Tudo começou com uma ação legal movida por Jean-Marc Bosman, jogador belga, contra o clube que representava na altura, o Standard Liège: cinco anos antes da decisão final, Bosman recusou uma oferta de renovação de contrato, que previa uma diminuição de salário de 75%, e viu-se preso em Liège. Ou seja, não podia jogar porque não tinha contrato mas também não podia ir para outro clube porque o Standard não tinha chegado a acordo com ninguém sobre um valor de transferência.
Today is the 25th anniversary of the Bosman ruling which transformed the business side of football. Here’s some of the rules in force today because of Bosman:
???? Free transfer at end of contract
✍???? Pre-contract option w/in 6 mths of contract expiry
???????? Non-EU player quota rules pic.twitter.com/w6Kp1tuxJA
— Laura Sports Law (@laurasportslaw) December 15, 2020
O jogador rescindiu contrato em 1990, conseguiu mudar-se para os franceses do Olympique Saint-Quentin mas deu continuidade ao processo judicial: no fim, a instância europeia deu razão a Bosman, que por sua vez deu nome à nova lei que permitia que os jogadores pudessem mudar de clube a custo zero no fim dos respetivos contratos. Normalmente retratada com a lei que acabou com a “escravidão no futebol”, a decisão ofereceu aos jogadores de futebol a possibilidade de trocar de clube e procurar contratos mais vantajosos financeiramente. Por outro lado, num prisma mais negativo, também fez com que os clubes mais poderosos da Europa passassem a ter maior capacidade de sedução — deixando, normalmente, os habituais clubes formadores sem o devido e natural retorno financeiro. O exemplo mais claro é o do Ajax, logo em 1995, que depois de ganhar a Liga dos Campeões ficou sem Edgar Davids e Patrick Kluivert, ambos formados em Amesterdão e ambos com transferências a custo zero.
Ainda assim, e nos últimos 25 anos, a Lei Bosman abriu a porta a várias transferências high profile — ou seja, vários negócios de jogadores que já eram populares, que não custaram nada ao clube para onde se transferiram e que ainda tiveram uma influência inegável nesse destino. Estas são cinco das maiores transferências a custo zero que só aconteceram porque a Lei Bosman passou em dezembro de 1995.
Andrea Pirlo, 2011, do AC Milan para a Juventus
Em 2011, depois de dez anos ao serviço do AC Milan, de ganhar praticamente tudo em Milão e de se tornar uma lenda dos rossoneri, Andrea Pirlo mudou-se a custo zero para a Juventus. Aos 32 anos, um dos melhores médios da história moderna do futebol juntou-se aos bianconeri — e ainda foi a tempo de conquistar o clube, os adeptos e vários troféus. Em quatro anos com a Juventus, Pirlo foi sempre campeão nacional italiano e ainda ganhou uma Taça de Itália e duas Supertaças do país.
Atualmente, é o treinador da Juventus e é mais facilmente identificado como um símbolo do clube de Turim do que do AC Milan — algo que há uma década parecia impensável mas que Buffon, guarda-redes da Juventus na altura e ainda atualmente, pareceu antecipar. “Quando o Andrea me contou que ia juntar-se a nós, a primeira coisa que pensei foi: Deus existe. Um jogador do nível dele e com a capacidade dele, já para não falar de que foi a custo zero. Acho que é a contratação do século”, atirou o histórico internacional italiano.
Robert Lewandowski, 2014, do Borussia Dortmund para o Bayern Munique
Um dos melhores avançados da atualidade também se mudou a custo zero. Em 2014, depois de quatro anos em Dortmund que incluíram duas Bundesligas e uma final da Liga dos Campeões, o jogador polaco reforçou o Bayern Munique sem qualquer valor associado. Parte de um largo grupo de nomes que nos últimos anos trocaram Dortmund por Munique, algo que só deixa clara a influência esmagadora do Bayern no futebol alemão, a verdade é que a saída de Lewandowski acabou por ser a mais ruinosa para o Borussia.
O avançado assinou um pré-contrato logo em novembro de 2013, antes sequer de o vínculo com o Borussia Dortmund ter oficialmente terminado, e mudou-se no final da temporada. De lá para cá, foi campeão alemão em cinco ocasiões consecutivas, ganhou três Taças da Alemanha, uma Liga dos Campeões e uma Supertaça Europeia. Para lá disso, cimentou-se como um dos principais goleadores a atuar na Europa e já foi o melhor marcador da Bundesliga cinco vezes, sendo nesta altura o grande símbolo do Bayern Munique.
Zlatan Ibrahimovic, 2016, do PSG para o Manchester United
Sim, um dos jogadores mais mediáticos do século XXI também assinou a custo zero. Há quatro anos, o avançado sueco deixou o PSG e juntou-se a José Mourinho no Manchester United, tornando-se um dos elementos mais importantes do clube inglês nessa temporada. Ibrahimovic assinou inicialmente por apenas um ano, marcou o golo que deu ao United a conquista da Community Shield e foi preponderante nas vitórias da Liga Europa e da Taça da Liga.
Depois de marcar 17 golos na Premier League, o sueco lesionou-se com gravidade já no final da temporada e falhou praticamente na íntegra a época seguinte — mesmo depois de ter renovado contrato, algo que em muito agradou os adeptos do Manchester United. Saiu em 2018, para os LA Galaxy, e voltou à Europa na época passada para regressar ao AC Milan.
James Milner, 2015, do Manchester City para o Liverpool
Não é o jogador mais virtuoso, não é habitualmente titular, não é um dos primeiros nomes que vem à cabeça quando se fala de transferências a custo zero. Contudo, por tudo aquilo que veio oferecer ao Liverpool nos últimos cinco anos, James Milner tem sempre de ser incluído nas listas da Lei Bosman. Em 2015 e depois cinco épocas de Manchester City, o jogador inglês mudou-se para o Liverpool e reforçou a quota de experiência à disposição do recém-chegado Jürgen Klopp.
Nos últimos cinco anos, Milner tornou-se um dos capitães do Liverpool, uma das caras do profissionalismo em Anfield e faz parte do grupo de heróis do clube que conquistaram a Premier League 30 anos depois da última vez — e pouco mais de um ano depois de terem vencido novamente a Liga dos Campeões. Homem de total confiança do treinador, não escondeu as lágrimas em pleno relvado quando o Liverpool eliminou o Barcelona nas meias-finais dessa mesma Liga dos Campeões, há dois anos, num momento que o deixou para sempre no coração dos fiéis adeptos dos reds.
Cafu, 2003, da Roma para o AC Milan
Já numa fase derradeira da carreira, o lateral brasileiro deixou a Roma e juntou-se ao AC Milan. A ideia, depois de ter conquistado dois Mundiais com a seleção brasileira e de se ter tornado um nome importante no clube da capital italiana, era oferecer experiência aos rossoneri e provavelmente assumir um papel de maior relevância no balneário do que dentro de campo. A história, porém, foi bastante diferente.
Nos cinco anos que passou em San Siro, Cafu foi campeão italiano, ganhou uma Supertaça italiana, uma Supertaça europeia e um Mundial de Clubes. Mas acima disso tudo, conquistou a Liga dos Campeões de 2006/07, a maior glória de um lateral brasileiro que, até chegar a Milão, parecia estar condenado a ter mais sucesso na seleção do que no clube.