A histórica livraria Barata, em Lisboa, conseguiu angariar 25 mil euros, de 190 mil pretendidos, suspendeu o processo de lay-off que tinha em curso e fez uma parceria com a FNAC para atrair clientes.

A informação foi dada à Lusa por fonte da Barata, que especificou que este é o resultado, até ao momento, do plano de reestruturação que a livraria lisboeta desenhou em maio, para tentar encontrar uma solução para a crise que atravessava, agravada pelas restrições e confinamento impostos pela pandemia de Covid-19, que a conduziu a uma perda de vendas entre 80% e 90%.

O plano incluiu um pedido de lay-off parcial e uma reunião com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), na qual foram transmitidas as necessidades e dificuldades da livraria, tendo ficado do lado da autarquia pensar em possíveis soluções ou saídas para a situação.

O resultado foi uma parceria tripartida, através do programa “Lojas com História” da CML, que coloca a FNAC dentro da Livraria Barata, entrando com novos produtos que tradicionalmente aquele espaço não vendia, tais como vinis, produtos de papelaria, jogos e brinquedos, instrumentos musicais, merchandising, equipamentos de som e de telecomunicações, anunciou a FNAC.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A ideia partiu da Câmara Municipal de Lisboa que lançou o desafio à FNAC, rendendo daqui benefícios para ambas as partes.

Trata-se de uma parceria estritamente comercial, sem que a cadeia de lojas francesa tenha comprado qualquer parte da Barata, que manterá o nome original, acrescido apenas da frase “powered by FNAC”.

O objetivo desta parceria é atrair novos públicos, que tradicionalmente não frequentem a Barata, com a oferta de novos produtos. Pode também funcionar ao contrário: pessoas que já frequentam a Barata e que não têm FNAC, passam a ter uma mais perto [a marca ainda não estava presente naquela zona de Alvalade]. É uma sinergia”, explicou fonte da cadeia.

A empresa sublinhou ainda que em momento algum haverá concorrência direta, já que os produtos disponibilizados pela FNAC serão “complementares” aos da Barata: “A FNAC vai funcionar quase como um pop-up dentro da livraria, num canto com jogos, brinquedos, vinis”, acrescentou.

A outra parte do plano de reestruturação foi um pedido de lay-off parcial, que esteve sem resposta e finalmente “acabou por nunca avançar por questões burocráticas”, disse fonte da Barata.

Em junho, a livraria lançou uma campanha de angariação de fundos com vista a obter 190 mil euros, destinados a restabelecer os stocks, garantir os custos de funcionamento, como rendas e ordenados, até final de 2020, a requalificar o espaço histórico para o preparar para a oferta de novas atividades e desenvolver uma plataforma de e-commerce.

Quanto às contrapartidas previstas para os doadores, seriam vertidas em produtos culturais, ou seja, uma espécie de crédito em compras na livraria.

No entanto, “não se atingiu o objetivo, a campanha angariou cerca de 25 mil euros, parte dos quais foram resgatados. Uma parte dos donativos podem ser feitos em regime incondicional, ou seja, a fundo perdido. Quer dizer que, mesmo que não se atinja o valor da campanha, os doadores querem que esse valor chegue ao promotor”, explicou a Barata.

A livraria decidiu então “resgatar essa parte para comprar stock para a livraria, no Natal, e comunicou-o”, mas só o fez quando teve “a garantia de que existe, de facto, um futuro alternativo para a Barata, que permita um retorno concreto do valor” investido, acrescentou.

A Barata adianta que aqueles que contribuíram na angariação receberão, em breve, as contrapartidas correspondentes ao seu nível de apoio e que vão desde cheques-oferta, que podem ser descontados em livros e outros produtos comprados em loja, merchandising exclusivo da Barata (marcadores de livros, postais ilustrados, sacos de pano) até livros assinados e obras de arte, de autores a anunciar.

Está ainda previsto submeter o piso inferior da livraria a obras de remodelação, para transformar aquele espaço num local para eventos culturais, o que deverá avançar no início do próximo ano.

A Barata é uma empresa familiar, criada por António Barata, em 1957, com um percurso fortemente ligado à história de Lisboa, e chegou a ter uma cadeia de uma dúzia de livrarias espalhadas pela cidade, em pontos como o Instituto Superior Técnico e o bairro de Campo de Ourique.

A origem de tudo é a livraria-mãe, na Avenida de Roma, que começou por ser uma pequena loja de livros, papelaria e tabacaria, e que em 1986 sofreu uma transformação arquitetónica que a tornou o espaço que é atualmente, com o seu piso em calçada portuguesa e estantes de inspiração modernista.

Nos anos de 2010, para dar impulso ao negócio, a Barata fez uma parceria de âmbito comercial com o Grupo Leya, que lhe permitiu acesso prioritário na comercialização de todas as chancelas do grupo, desde as edições gerais às escolares.

Atualmente classificada Loja com História, a Barata nasceu há 63 anos, “nas brumas da ditadura”, e foi-se tornando um espaço de comunhão literária, mas também de resistência, de busca e partilha de conhecimento e informação, segundo a descrição da própria livraria.

Esse posicionamento valeu ao seu fundador a perseguição da polícia política, mas nem assim fechou as portas, alimentando sempre um espaço de cultura e de pensamento livre.

Criada à imagem das “grandes livrarias independentes, herdeiras da Europa das Luzes, precursoras da alfabetização e da promoção do conhecimento, numa lógica plural, humanista e universalista”, a Barata evoluiu em dimensão e oferta, apostando no ensino técnico e na vertente infantojuvenil.