A saída anunciada de três membros do conselho de administração da TAP até final de abril pode pôr em causa o cumprimento dos estatutos da empresa, segundo os quais este órgão deve ser composto, no mínimo, por oito membros. Isto se não se verificar uma recomposição ou substituição parcial dos administradores que comunicaram a intenção de sair após a aprovação das contas.
As renúncias apresentadas por Esmeralda Dourado e Diogo Lacerda Machado, dois administradores não executivos, têm como data limite para se verificarem o dia 30 de abril, prazo para a aprovação de contas anuais de empresas que têm títulos transacionados em mercado. O mandato dos administradores da TAP terminou no final do ano passado, mas o normal é que os gestores fiquem em funções até serem escolhidos novos gestores. Mas, neste caso, a incerteza sobre quando será realizada uma assembleia geral para eleger os novos órgãos sociais terá pesado.
Esmeralda Dourado confirmou ao Observador que pediu a renúncia a 1 de março com efeitos a partir do final de abril, com o objetivo de ainda votar a aprovação das contas da empresa. A administradora justifica que não tem disponibilidade temporal para manter as suas funções como presidente da comissão de auditoria da TAP num contexto tão difícil e exigente como o atual para a empresa e para o setor. Acrescenta que, também por causa dessas circunstâncias, fez questão de concluir o seu mandato até ao final do ano passado — mas explica que, face à exigência das funções de auditoria financeira, o seu cargo não executivo “era quase o um cargo executivo” que envolvia 25 a 30 horas por semana.
A administradora entrou para o conselho de administração não executivo em 2017, num quadro em que a empresa tinha uma gestão privada e desempenha mais cargos não executivos em outras empresas. Com a passagem do controlo da TAP para o Estado, Esmeralda Dourado, que recebe também uma reforma, passou a exercer as funções na transportadora sem ter remuneração.
No caso de Diogo Lacerda Machado, uma figura muito próxima de António Costa, especula-se sobre uma relação difícil com o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que terá visto em algumas posições do administrador um alinhamento com os interesses dos acionistas privados da TAP. Quando questionado sobre o tema em julho, o ministro não quis comentar, tendo afirmado que “seis administradores do Estado têm feito o seu trabalho com um grande empenho e dedicação à TAP. Temos conseguido trabalhar bem em conjunto”. Em declarações ao Público esta quarta-feira, o advogado afirmou que era “tempo de sair”.
Previsível é ainda a demissão de Trey Urbanh. O administrador não executivo, que ainda tinha sido uma escolha do anterior acionista David Neeleman, poderá até querer sair mais cedo.
Uma comissão executiva reduzida a dois, no pior momento da TAP
Atualmente, o conselho de administração conta com nove membros, dos quais apenas dois são executivos: Ramiro Sequeira, que está a desempenhar funções de CEO, e Alexandra Reis. Dos outros sete, três vão sair após a aprovação das contas de 2020 e, quando estas saídas se materializarem, o número de administradores em funções deixa de cumprir o patamar mínimo estabelecido nos estatutos da TAP SGPS. A expetativa é de que até 30 de abril seja possível recompor os órgãos sociais da empresa, já com o novo presidente executivo proposto pela empresa de head hunters contratada pela Parpública.
Abril é também um prazo indicativo para a aprovação do plano de reestruturação em Bruxelas, se bem que algumas fontes admitam que o processo possa prolongar-se até ao final do primeiro semestre.
TAP já tem novo CEO: será alemão. Lacerda Machado e Esmeralda Dourado demitem-se
Não terá sido por acaso que, no mesmo dia em que foram conhecidas estas demissões, que se vêm juntar a outras saídas da administração da TAP já verificadas este ano, saiu uma informação sobre a escolha próxima do novo presidente executivo para a TAP, um gestor alemão cujo nome terá já sido proposto ao Ministério das Infraestruturas.
Não há, contudo, qualquer indicação de quando irá o novo CEO e a sua equipa chegar ou de quando se avançará com a recomposição de todo o conselho de administração. Mas as demissões de três administradores acabam por funcionar também como uma pressão para acelerar o calendário, até porque as fragilidades na gestão da empresa não são só formais, são operacionais.
A comissão executiva tem apenas dois elementos (que acumulam com as funções que tinham antes) — no mínimo, as empresas comparáveis com a TAP têm cinco —, numa altura em a transportadora joga em vários tabuleiros a sua sobrevivência, ainda que Miguel Frasquilho funcione na prática como um presidente executivo, dedicado em full time à empresa. Já os restantes membros não executivos foram também chamados a ter um maior envolvimento no acompanhamento da empresa, com reuniões semanais pelo menos até à entrega do plano de reestruturação à Comissão Europeia.
Desde o braço de ferro entre a gestão escolhida por David Neeleman e o Governo sobre qual devia ser a solução de ajuda à TAP, e que culminou com a venda da participação do investidor americano/brasileiro ao Estado português já saíram seis dos administradores eleitos e que estavam em funções em 2019. Só três foram substituídos.
O primeiro a sair foi o próprio David Neeleman, seguido do presidente executivo Antonoaldo Neves, que abandonou o cargo em setembro e por decisão do Governo na sequência da compra da participação de Neeleman pelo Estado. Para o substituir interinamente subiu Ramiro Sequeira a CEO, cargo que acumula com a função anterior, a de chief operation officer, que corresponde a ser o principal responsável pelas operações.
Em outubro, o acionista privado que ficou na TAP, Humberto Pedrosa, e o filho David Pedrosa (o segundo dos três membros da comissão executiva) renunciaram aos cargos na sequência da recomposição acionista que levou o Estado a tomar o controlo da empresa e para evitar eventuais conflitos de interesse associados ao estatuto de gestor público. Foram substituídos por Alexandra Reis, que subiu à comissão executiva — era Chief Procurement & Real Estate Officer (responsável por contratação) — , e por Silva Rodrigues, que entrou no conselho de administração como não executivo em representação da família Pedrosa.
Humberto Pedrosa sai da administração da TAP com a tomada de controlo pelo Estado
Em janeiro, e depois de entregue o plano de reestruturação exigido pela Comissão Europeia, saiu o último gestor executivo indicado por David Neeleman e que tinha experiência internacional no setor da aviação. Raffael Quintas era o CFO, administrador financeiro, e não foi substituído. Logo no início do ano, Ana Pinho, administradora não executiva nomeada pelo Estado, tinha renunciado ao cargo por razões que terão também a ver com as limitações impostas pelo estatuto do gestor público. Ana Pinho é presidente da Fundação Serralves.
E esta quarta-feira foram anunciadas mais três saídas que podem ser explicadas pelo fim de um ciclo da TAP que se iniciou com uma empresa com gestão privada e a crescer — se bem que com prejuízos — que se tornou uma empresa do Estado com uma dura reestruturação para fazer num cenário de retoma incerta. Os três administradores tinham terminado o mandato no final do ano, mas decidiram avançar com uma hora marcada para abandonarem funções, quando o normal é que os administradores cessantes fiquem até serem nomeados os seus substitutos.
Este passo pode ajudar a clarificar as águas na empresa, na medida em que seja necessário recompor os órgãos sociais de forma a refletir a nova realidade acionista, mas também estratégica e operacional. E se Ramiro Sequeira é apontado como uma pessoa que se deverá manter na comissão executiva, já o futuro do presidente do conselho de administração parece mais incerto. Miguel Frasquilho (que é do PSD) foi nomeado presidente da TAP EM 2017, já com os socialistas no poder e na sequência da renegociação do acordo parassocial com os privados após o Estado parte da posição vendida em 2015 pelo Governo do PSD/CDS.