O presidente da EDP assegura que a forma como foi conduzida a venda de seis barragens no rio Douro teve como pressuposto “garantir a operação das barragens sem sobressaltos, não o de fugir aos impostos”. Logo na sua intervenção inicial na comissão de Ambiente e Economia, Miguel Stilwell de Andrade defendeu esta terça-feira que o imposto do selo que tem sido reclamado — de 110 milhões de euros — é um “equívoco”, afastando a ideia de que a EDP tenha feito planeamento fiscal agressivo para beneficiar de “uma borla fiscal” como denunciaram já vários partidos da oposição.

O gestor sustentou que o pagamento deste imposto, que a EDP parece assumir não ter feito, não é devido por lei em resultado de uma “diretiva europeia que impede a aplicação de imposto do selo a operações como esta. Acrescentou ainda que este entendimento já foi “expresso pela própria Autoridade Tributária”.

No entanto, e ao longo de uma hora de audição — tempo considerado escasso por vários deputados para apurar um tema tão complexo — Miguel Stilwell deixou sem respostas algumas perguntas concretas sobre o quadro legal e fiscal e os argumentos invocados em concreto pela elétrica para considerar que este negócio estava isento do pagamento do imposto de selo.

Em causa estão 110 milhões de euros, o que equivale a 5% do valor da transação de 2,2 mil milhões de euros, que são reclamados pelo Movimento Cívico Terras de Miranda e por partidos da oposição, em particular o Bloco de Esquerda e o PSD que até já pediu uma investigação à Procuradoria-Geral de República para averiguar se houve favorecimento do Estado à empresa.

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Miguel Stilwell de Andrade foi afirmando que todos os reguladores e entidades competentes escrutinaram o negócio durante um ano — desde a Direção-Geral de Energia, até à Agência Portuguesa do Ambiente (quem autorizou a transferência da concessão de bens de domínio público hídrico), passando pela Comissão Europeia. Mas acabou por reafirmar o que já tinha dito em explicações anteriores: a EDP não notificou previamente esta operação à Autoridade Tributária que terá, acrescentou, a oportunidade de a escrutinar no quadro das suas funções. Logo, o entendimento invocado na sua intervenção inicial, não se reporta a esta operação em particular a qual será sujeita a uma inspeção do Fisco.

Audição de Miguel Stilwell de Andrade foi feita através de vídeo-conferência

Na sua estreia numa audição parlamentar, o gestor conseguiu explicar a racionalidade económica de fazer esta transferência, através da cisão dos ativos para uma empresa — as barragens e todos os compromissos e contratos associados —  para depois a vender.

“Estamos a falar de mais de 1.000 contratos com colaboradores, municípios, fornecedores, parceiros locais, prestadores de serviços e outras entidades associadas à atividade das barragens.”

O racional económico de fazer a venda pela cisão dos ativos para uma sociedade veículo é ter uma empresa com autonomia operativa e funcional e com todos os contratos de modo a transmitir tudo isso de forma integrada porque o comprador, a Engie, queria adquirir uma empresa com capacidade para operar as barragens. Na sua intervenção inicial, Stilwell de Andrade invocou outras operações feitas em Portugal e fora do país com o mesmo perfil.

O que ficou por responder: reestruturação e artigo que deu benefício fiscal

Já quando foi confrontado com a necessidade de invocar uma reestruturação empresarial para que essa cisão ficasse isenta, por exemplo, do pagamento de IRC — a EDP já informou que a operação rendeu uma mais-valia de 215 milhões de euros —, o gestor não esclareceu se isso foi feito. Reafirmou apenas que esta estrutura era a única que assegurava a continuidade contratual.

A transmissão de concessão só não paga imposto de selo, se a EDP argumentar que é uma reestruturação de um ramo de negócio. Mas não é”, defendeu a deputada do Bloco de Esquerda.

Sem resposta ficou também a pergunta colocada duas vezes por Mariana Mortágua sobre qual o artigo que a EDP invocou no Estatuto dos Benefícios Fiscais para fundamentar a presunção de que a operação estava isenta de imposto de selo. Depois de várias insistências, Stilwell de Andrade admitiu não saber exatamente qual foi o artigo, mas reafirmou que nos termos da lei portuguesa e comunitária a isenção do imposto de selo tem sido o entendimento da Autoridade Tributária. Esta presunção foi contrariada pela deputada do Bloco para quem a lei a portuguesa é clara quanto à obrigação de pagar imposto de selo sobre a transferência de ativos de concessões, no que aliás foi seguida por outros deputados.

Mariana Mortágua já tinha levantado suspeitas sobre uma alteração feita no ano passado ao artigo do 60 do Código dos Benefícios Fiscais que permitiu estender a isenção de imposto de selo a transações que envolvam os estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, necessários às operações de reestruturação. Esta suspeita já tinha sido categoricamente afastada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. António Mendonça Mendes garantiu que tal alargamento de isenção não inclui concessões, mas o Bloco quer ouvir o ministro das Finanças sobre as implicações desta mudança.

Bloco quer saber se Governo alterou lei fiscal à medida da EDP e chama Leão ao Parlamento

O presidente executivo da EDP reafirmou várias vezes a disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos e até enviar documentação sobre a transação para o Parlamento (que aliás já recebeu a documentação que envolveu a autorização desta operação por parte das entidades públicas. E foi repetindo que a EDP cumpre todas as obrigações legais e paga todos os impostos (400 milhões de euros por ano só em Portugal).

O deputado do CDS, João Gonçalves Pereira, sublinhou que a empresa seria a principal interessada no esclarecimento das dúvidas, mas a generalidade dos deputados considerou que o gestor não respondeu a grande parte das perguntas que foram colocadas, durante a única ronda permitida — pelo menos seis, elencou Afonso Oliveira do PSD, partido que chamou Stilwell ao Parlamento. E mesmo depois de ter sido concedida uma mini-segunda ronda, nem todas as respostas foram dadas.

O gestor deixou ainda três garantias. Os impostos e contribuições associados às seis barragens vão continuar a ser pagos, referindo um contributo superior a 70 milhões de euros por ano. E o modelo de transação permitiu transferir para o comprador todos os compromissos que tinham sido assumidos junto das entidades locais. O presidente da EDP reafirmou o compromisso da empresa com Portugal, lembrando que o plano estratégico prevê um investimento de mais de seis mil milhões de euros para os próximos cinco anos, o que representa três vezes mais do que o encaixa recebido com a venda das barragens do Douro ao consórcio da Engie.