O Novo Banco passou ser o maior acionista da Elos, consórcio que assinou o único contrato para a construção da rede de alta velocidade em 2010, durante o segundo Governo de José Sócrates. Nessa qualidade o banco poderá ter direito a uma fatia relevante da indemnização pedida ao Estado, que pode chegar quase aos 200 milhões de euros.

A instituição bancária entrou no capital da Elos em 2019 através de uma dação em pagamento de devedores que estavam em incumprimento, passando a deter 20,6% da sociedade. O Novo Banco ficou com as ações que eram controladas pelo antigo Grupo Lena (atual Grupo Nov) e pela construtora Edifer, que tinham passado para o grupo Elevo. Estas duas empresas eram acionistas do consórcio criado em 2009, com 13% (Grupo Lena) e 7,6% (Edifer).

A entrada no capital da empresa Elos é analisada na auditoria independente da Deloitte realizada à gestão de ativos e perdas do Novo Banco em 2019 e é justificada pela circunstância da instituição bancária estar proibida, pelas restrições europeias, de realizar aquisições. A assunção de uma participação na Elos resulta de um processos de reestruturação de crédito detido pelas duas empresas em causa o que é uma das exceções permitidas no quadro das restrições ao Novo Banco.

Para além do Novo Banco, mantinham-se no capital no final de 2019, a Elos, a Brisa e a Soares Costas (ambas com 16,3%), a espanhola Iridium  (15,2%), a Odebrecht (13%), a Zagope (7,6%), para além dos bancos Caixa e BCP com 5,4% cada.

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A participação na Elos foi valorizada em 28 milhões de euros numa transação realizada no final de 2019. No entanto, o Novo Banco constituiu imparidades da ordem dos 12 milhões de euros sobre as ações, prestações acessórias e suprimentos da entidade, em função do valor que atribuiu a esta participação acionista, e que foi fixado em 16 milhões de euros,  Apesar desta desvalorização contabilística, a Deloitte conclui que a “operação gerou um ganho líquido já que as exposições liquidadas com o produto da dação se encontravam total ou parcialmente provisionadas”.

A Elos acumulou prejuízos de 20 milhões de euros até 2019, refletindo custos com o financiamento obtido e também os encargos jurídicos. O único ativo é o pedido de indemnização ao Estado de quase 200 milhões de euros que se arrasta nos tribunais há vários anos. Mas para que este ganho se materialize e o cheque chegue é necessário um desfecho da ação que se encontra no tribunal administrativo há três anos.

O litígio entre os acionistas da Elos e o Estado arrasta-se nos tribunais desde 2016 quando um tribunal arbitral condenou o Estado a pagar 150 milhões de euros, mais juros, por causa da anulação do contrato para o troço Poceirão/Caia na sequência da recusa de visto prévio por parte do Tribunal de Contas que serviu de motivo ao Governo de Passos Coelho para deixar cair o contrato em 2012.

O Estado tentou reverter esta decisão arbitral nos tribunais. Primeiro recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul com uma ação de anulação da sentença, que não foi aceite. Depois foi até ao Tribunal Constitucional que considerou não ser admissível o recurso.

Perante a falta de pagamento por parte do Estado, a Elos colocou uma ação executiva no Tribunal Administrativo de Lisboa em 2018 na qual reclama o pagamento de 192 milhões de euros. O Estado já apresentou oposição, mas não há indicação de data para este sentença.

O pedido de indemnização da Elos é sustentado nos custos incorridos pela concessionária até à data da recusa de visto em 2012.  O contrato de concessão do projeto Poceirão/Caia, o primeiro troço da linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid, foi assinado em maio de 2010. Portugal sentia já os primeiros efeitos da crise do euro, mas o então primeiro-ministro José Sócrates insistiu em levar o projeto do TGV para a frente.

Esta opção, que gerou responsabilidade financeira para o Estado na sequência da anulação do contrato, foi um dos temas investigados pelos procuradores da Operação Marquês, que na acusação ligaram a obra da alta velocidade a pagamentos imputados ao Grupo Lena que teriam como destinatário final o ex-primeiro-ministro.

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O contrato Poceirão/Caia tinha um valor de 1,4 mil milhões de euros e contemplava o projeto, construção, financiamento, manutenção, disponibilização e exploração da Estação de Évora. O segundo troço desta linha, o Poceirão/Lisboa que incluía a terceira travessia do Tejo, chegou a estar em concurso, que foi anulado antes da adjudicação. Ainda assim, o Estado teve de compensar os concorrentes por custos suportados no processo, num valor bastante inferior ao que agora está em causa. Caso a indemnização venha a ser atribuída aos privados, a conta para os contribuintes do projeto de alta velocidade que não chegou a sair do papel praticamente duplica.

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