Entre todas as histórias que dão voltas e reviravoltas, a de Nuno Miguel Ramos é especialmente rocambolesca. Deixou Portugal há quase 20 anos, sem que a moda fosse uma possível carreira. Viveu em Zurique, Nova Iorque e terminou em Paris, onde a alta-costura exerceu o seu apelo sobre o jovem nortenho. Em junho do ano passado, já em plena pandemia, lançou a própria marca — uma visão festiva do guarda-roupa feminino, marcada pelo gosto por peças fortes e silhuetas exuberantes.
Esta quinta-feira, apresenta “Ride” — a sua segunda coleção, que marca também a estreia no calendário do Portugal Fashion. “A inspiração tem vindo sempre das minhas irmãs”, começa por contar ao Observador, por altura da divulgação do alinhamento da segunda parte do Portugal Fashion, a decorrer entre 22 e 24 de abril. São sete, mas as dificuldades familiares não permitiram que crescesse com elas — “Só nos víamos aos fins de semana, daí que as minhas influências sejam muito aqueles momentos em que estava com as minhas irmãs em casa e em que as via a prepararem-se para saírem à noite, isto no final dos anos 80, início dos 90”, continua.
Mais do que uma inspiração sazonal, Nuno parece ter incutido esse brilho da linguagem da própria marca — sedas, lantejoulas e tule compõem um guarda-roupa entre a sensualidade e a fantasia. “Sou doido por folhos, posso garantir que todas as coleções vão tê-los. Fascinam-me os volumes e as formas”, afirma.
Com menos de um ano de marca e uma pandemia que suspendeu festas e passadeiras vermelhas, é no circuito de figuras públicas que Nuno Miguel Ramos se tem dado a conhecer. Marisa Liz, Gisela João e Maria Cerqueira Gomes já vestiram peças do designer. “A única promoção que fiz da primeira coleção foi no Instagram e tive logo vários stylists a contactarem-me. Ver a Maria na capa da Revista Cristina com um vestido acabado à mão pela minha mãe foi, se dúvida, um dos momentos mais felizes até hoje”, recorda.
Depois de um primeiro lançamento para “fazer barulho”, Nuno pensa agora, mais do que nunca, em vendas e numa estratégia que passa por estar presente em boutiques e concept stores, mantendo sempre o atelier no Porto e os trabalhos por medida. “Tenho noção do risco. O estilo de festa é para manter — adoro mexer com lantejoulas, folhos, dourados, estampados de animais e com vermelho. Estou confiante”, admite.
Aos 36 anos, Nuno é um sobrevivente. Aos 18 anos, deixou Oliveira de Azeméis e mudou-se para Zurique — nunca tinha viajado para fora do país. “Precisava de liberdade e de descobrir o que queria mesmo da vida. Fui para a Suíça, lavei pratos em restaurantes, aprendi a cozinhar e a língua. Entretanto fiz um curso e comecei a trabalhar numa farmacêutica”, conta. A moda não pairava sequer no ar, mas a cidade, com menos de meio milhão de habitantes, começou a ficar pequena demais para a curiosidade do futuro designer.
Em 2011, mudou-se Nova Iorque. “Fiquei apaixonado quando visitei a cidade pela primeira vez. Juntei dinheiro, despedi-me, entreguei o apartamento e reduzi tudo a duas malas”. Durante oito meses, aprofundou conhecimentos sobre fotografia, embora, no regresso à Suíça, o esperasse outra etapa do currículo: a maquilhagem. A nova profissão levou-o para o mundo das produções e dos editoriais de moda — fala do momento em que percebeu “o que realmente queria”, do regresso à sala de aulas e da descoberta de uma nova cidade.
“Paris mudou-me a vida completamente. Voltei à escola com 28 anos, quando os outros tinham todos menos de 20”, conta. No ano passado, apesar de alguns estágios promissores, o novo coronavírus precipitou o regresso a Portugal. “Voltei antes de fechar tudo. Passei a primeira quarentena com a minha mãe, quase 20 anos depois de ter ido embora. Fiz um tapete de Arraiolos, fiz macramé… Mas vinha com a ideia de criar a minha marca. Aluguei um atelier no Porto e produzi a minha primeira coleção, com muita coisa feita à mão e com a ajuda das minhas irmãs”.
Nuno Miguel Ramos, que tem perseguido incansavelmente a sua verdadeira vocação, não garante que fique por aqui. O gosto pela fotografia continua presente e talvez, mais do que uma marca própria, o futuro passe pelo guarda-roupa de cinema, uma das áreas que, admite, tem curiosidade em explorar. Nada parece estar fora do seu alcance.