Ao segundo take, o Portugal Fashion voltou a tomar conta da Alfândega do Porto. Depois de três dias em que os fashion films predominaram no alinhamento (em março, durante a primeira leva de apresentações), o desfile, ainda que à distância, voltou a ser o formato privilegiado pelos criadores de moda nacionais.

O Bloom fez as honras e deu início ao calendário da última quinta-feira, com as apresentações de alunos de cinco escolas: Cenatex, EMP, ESAD, FAUL e a Modatex de Lisboa. Aberto o caminho para dar a conhecer os talentos emergentes da moda nacional, Carolina Sobral apresentou a coleção “Solace”. Mais do que um guarda-roupa pensado para o quotidiano da mulher urbana, a jovem criadora privilegiou a funcionalidade, o conforto e a durabilidade das peças, fatores que, por estes dias, imperam na relação entre a moda e os seus consumidores.

A estreia do dia foi Nuno Miguel Ramos. O designer de 36 anos apresentou “Ride”, a segunda coleção desde que, no verão do último ano, lançou a sua marca homónima, sediada no Porto. O movimento dos folhos em tule contrastou com as silhuetas esguias de fatos e vestidos longos. Nuno confirmou o gosto pela exuberância e apostou quase todas as fichas no registo de passadeira vermelha.

Luzes, câmaras, desfiles: quatro protagonistas nos bastidores de um Portugal Fashion 100% digital

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Concreto e Sophia Kah completaram a montra deste primeiro dia de Portugal Fashion em abril. Também para Ana Teixeira de Sousa, criativa da segunda, o verão esteve no centro das atenções. Do Douro para o mundo, a marca deixou-se imbuir pelo romantismo da paisagem e pelo lifestyle inspirado nas encostas ensolaradas. Bordados, padrões florais, saias rodadas e mangas com volume foram os ingredientes de uma coleção fotografada num cenário idílico.

Susana e a coleção vista da janela

Mas foi a Susana Bettencourt que coube encerrar este primeiro dia de desfiles transmitidos online. “O Lugar” foi a coleção construída a partir das intermináveis horas passadas em casa, à espera que o vírus desse tréguas e que a vida na rua voltasse, aos poucos, a ser uma realidade. A criadora não fala necessariamente de uma experiência pessoal — como já tem vindo a fazer nas últimas estações, serve-se da moda para refletir e diagnosticar males e sintomas sociais.

“Pensei logo no primeiro confinamento que a pandemia nos ia trocar os significados das coisas. Temos tido um determinado léxico para a nossa casa — o nosso cantinho, um porto seguro, um esconderijo. Agora, ela passou a ser muito mais do que isso. A maior parte das pessoas deve sentir que perdeu privacidade e que a casa se transformou numa prisão”, explica a designer ao Observador.

Desfile de Susana Bettencourt © Ugo Camera

As malhas estão (e estarão) sempre no centro do trabalho de Bettencourt, seja no pronto-a-vestir, seja numa das instalações de arte que idealiza para introduzir o conceito das suas coleções. A janela — cuja geometria remete para as grades de uma prisão, mas que também é a única ligação com o mundo exterior — foi o elemento na base dos grafismos deste verão. Intacta ou distorcida e desconstruída, a quadrícula atravessou o desfile.

O tricot cedeu lugar ao crochet, ainda que continue presente na coleção. Tops, casacos e vestidos deixam ombros a descoberto, enquanto calças e saias surgem em quadrículas abertas — o máximo que se pode pedir de uma malha estival. “Abri logo com os coordenados mais coloridos, eles são o mundo que vemos lá fora”, acrescenta. Seguiram-se o branco e o azul, referência direta ao casario típico de muitas regiões do país.

“Tenho esta paixão por tentar transformar sentimentos em imagens, por transportar para os nossos grafismos o que as pessoas estão a sentir”. Susana não consegue evitar recuar ao inverno de 2019 e à coleção manifesto onde refletiu sobre a velocidade da vida que levamos e o impacto que isso tem na saúde mental. “Quando veio a pandemia, aquele sufoco, sinto que finalmente as pessoas perceberam o que queria dizer. Tivemos tempo para refletir nas prioridades e no que queremos para a nossa vida, sabendo que ela pode mudar de um momento para o outro”, afirma.

Desfile de Susana Bettencourt © Ugo Camera

O último ano aproximou a marca Susana Bettencourt dos seus clientes finais, levou a uma mudança no sistema de preços e abriu a porta à possibilidade de explorar novas ferramentas tecnológicas. Enquanto isso, a criadora ganhou balanço para começar o doutoramento, um projeto prático dividido entre Londres e a Universidade do Minho e aplicado à própria marca, metodologia que Bettencourt diz ser inédita em Portugal. Tudo isto, no ano de todas as provações. Caso restem dúvidas, o balanço é positivo.

A 46ª edição do Portugal Fashion continua esta sexta-feira. Além do espaço Bloom, são esperados os desfiles de Pé de Chumbo, Hugo Costa e Diogo Miranda. Até lá, veja (ou reveja) as imagens que marcaram este primeiro dia, na fotogaleria.