“Às vezes o desporto pode ser palco dos mais belos dramas. Pode emocionar, pode inspirar, pode mover. Pode oferecer as perceções mais plangentes da vida, mostrar o potencial do cérebro humano, do coração humano, do corpo humano. O desporto é uma terra de contos de fadas onde os sonhos se podem tornar realidade”. Era desta forma que Jonathan Wilson iniciava um texto no The Guardian depois de ficar confirmado o encontro entre PSG e Manchester City nas meias da Champions. Mas calma, nem tudo era idílico. “Este realmente não é um jogo que possa ser considerado apenas do ponto de vista desportivo. É um embate sustentado pela incursão de estados que veem o futebol como uma ferramenta para melhorar sua reputação global”. Em resumo, o crescimento dos dois conjuntos no plano nacional e europeu entroncava no lado mais sombrio dos contos de fadas.

De um lado, um PSG que cresceu sustentado no dinheiro do Qatar, que inflacionou de forma decisiva o mercado de transferências europeu quando no mesmo verão deixou quase 360 milhões de euros em dois jogadores e que, de uma forma até paradoxal, acabou por tornar-se uma espécie de bandeira dos anti-Superliga Europeia com o próprio Nasser Al-Khelaïfi a ocupar a vaga de Andre Agnelli como presidente da Associação de Ligas Europeias. Do outro, um Manchester City que se tornou grande apoiado no dinheiro dos Emirados Árabes Unidos, que não teve problemas em gastar mais de 400 milhões de euros só em defesas para equilibrar o único setor que por norma se desequilibrava e que, de uma forma até paradoxal, acabou por tornar-se o primeiro a anunciar a saída da Superliga Europeia. O duelo tinha muito de extra futebol, um dérbi do Médio Oriente com uma pitada de geopolítica à mistura. Como dizia o El Mundo, se o teórico Carl von Clausewitz fosse vivo teria adaptado uma famosa frase sua para “O futebol não é mais do que um prolongamento da política por outros meios”.

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A projeção do PSG-Manchester City, que colocava também em confronto dois dos treinadores com maior astral da atualidade como Pep Guardiola e Mauricio Pochettino, foi feita à base do peso dos petrodólares quase tendo num plano secundário duas equipas com inúmeros intérpretes com ouro nos pés. E, durante 90 minutos, isso era o que realmente interessava porque os dois novos-ricos do futebol europeu tinham há muito ideias de jogo enraizadas que colocavam um interesse especial neste confronto entre duas equipas com trajetórias distintas nos respetivos Campeonatos, que sentiram dificuldades nos oitavos e nos quartos (até com vantagens dilatadas, como se viu no PSG-Barcelona no Parque dos Príncipes) mas que tinham a oportunidade de ouro para chegarem pela primeira vez ou voltarem ao encontro decisivo da prova que norteou os milhões investidos anos a fio.

O jogo, esse, teve duas faces. Com um PSG melhor na primeira parte, com um Manchester City muito melhor no segundo tempo. E acabou por ganhar quem foi mais fiel à sua identidade, mesmo quando não conseguiu colocar em campo o seu jogo e teve de esperar pelo intervalo para corrigir peças e movimentos para recuperar a bola, o controlo e o resultado. Mais uma vez, brilhou Kevin de Bruyne, que saiu da sombra dos becos sem saída com que se foi cruzando perante a estratégia dos franceses para mostrar a luz da baliza a uma formação inglesa que deu um passo importante para chegar à final da Champions. Aliás, o belga voltou a ter uma exibição tão boa que até a querer cruzar marcou – e no livre direto de Mahrez só a sua presença baralhou a abordagem dos visitados.

Abdicando de Julian Draxler para montar um 4x3x3 com Verratti no apoio a Paredes e Gueye, o PSG conseguiu ter uma entrada melhor com e sem bola que surpreendeu o Manchester City. E a grande diferença entre as duas equipas centrou-se mesmo na capacidade dos franceses condicionarem a posse do adversário, com uma boa reação à perda que permitia em alguns momentos transições como aconteceu logo aos dois minutos, numa saída de Neymar e Mbappé com remate do brasileiro para defesa de Ederson após perda de Rodri. Foi esse o fator que deu outra confiança em campo aos visitados, que tiveram nova grande oportunidade numa combinação em espaço curto de Neymar e Verratti (13′) e inauguraram mesmo o marcador à passagem do quarto de hora inicial, com Marquinhos a aparecer da melhor forma ao primeiro poste após canto de Di María num lance onde o posicionamento de Paredes, a bloquear a saída de Rúben Dias, foi fundamental para o golo (15′).

O primeiro remate do Manchester City surgiu apenas aos 20 minutos de jogo, num movimento tradicional de João Cancelo a fletir para dentro e a cruzar para o aparecimento de Bernardo Silva ao segundo poste (Navas defendeu para canto). Não que o PSG tenha criado grandes oportunidades mas apresentava-se sobretudo muito confortável em campo perante um conjunto de Pep Guardiola descaracterizado por ter muito menos posse do que é normal (54% ao intervalo) e que só conseguiu criar perigo em lances que nasceram da boa pressão alta no primeiro terço dos franceses, com Paredes a tirar a bola da cabeça de Bernardo Silva com um gesto arriscado à Karaté Kid na área (32′) e Foden a rematar para defesa de Navas isolado após assistência do português (42′).

No segundo tempo, parte da identidade do Manchester City voltou. Com mais bola, com mais posse no meio-campo contrário, com maior controlo sobre os momentos do jogo. No entanto, entre o adiantamento de Cancelo (que foi substituído por Zinchenko por estar já com amarelo e exposto à velocidade de Mbappé) e a colocação de Phil Foden mais por dentro, foi preciso esperar até aos 60 minutos para um primeiro remate com perigo, com Kevin de Bruyne a ganhar uma segunda bola e a rematar de primeira por cima. Estava dado o aviso inicial no plano ofensivo que iria corporizar a total mudança de rumo após o intervalo e o empate foi uma questão de tempo, ainda que com culpas próprias dos visitados: De Bruyne cruzou em arco descaído sobre a esquerda, ninguém conseguiu desviar de cabeça, Navas não reagiu a tempo e a bola entrou mesmo para o 1-1 (63′).

A reação do PSG foi quase nula, com Pochettino a pensar no que poderia fazer e Guardiola a dizer move it, move it, move it à equipa. E os jogadores do City mexeram-se, com aquele gosto que caracteriza todos os elementos da formação inglesa com bola. Tanto que, no meio dessa dança, chegaram à reviravolta: Phil Foden foi carregado em zona central, De Bruyne colocou-se a jeito para marcar o livre, Mahrez conseguiu colocar a bola pelo meio da barreira e marcou o 2-1 muito celebrado pelo banco dos citizens, que sentiram nesse momento que tinham na mão a possibilidade de levarem para o Etihad Stadium uma vantagem muito importante para alcançar pela primeira vez na história do clube a final da maior importante competição europeia de clubes. Aliás, depois da expulsão de Gueye por uma entrada duríssima sobre Gündogan (77′), esse avanço podia ter sido ainda maior.