O delivery e o take-away foram uma bóia salva-vidas para muitos restaurantes ao longo do último ano de pandemia, mas nem tudo são rosas –- sobretudo quando se fala de manter a qualidade da comida que acaba por não ser consumida imediatamente a seguir à sua confecção. Mas há soluções, e a Dinee é uma delas. Esta nova plataforma leva a casa a papinha toda feita (ou quase, vá). Nos chamados meal kits que entrega, para já, na zona da Grande Lisboa, vão pratos pré-cozinhados e embalados a vácuo de vários restaurantes de referência do país, do Porto a Estremoz. Depois, é deixar que o cliente se atire aos tachos e se arme em chef.

Pedro Horigashi, economista e fundador da HomeMakers, Luiz Medeiros, publicitário que em 2020 criou a DIY Burger Shop, e Sebastião Castilho, chef de cozinha, encabeçam o projeto que quer desconstruir os modelos tradicionais da restauração e levar a qualquer pessoa um prato de um restaurante de qualquer ponto do país sem comprometer a sua qualidade.

“A verdade é que o delivery foi um escape para salvar muitos restaurantes, mas ao mesmo tempo, enquanto cliente também me sentia insatisfeito com a qualidade daquilo que me chegava a casa, mesmo tendo noção que a experiência seria sempre diferente daquela de ir ao restaurante”, conta Pedro. “Depois percebi que alguns chefs se viraram para os kits de finalização e que era uma saída mais viável”.

A questão, explica ainda, é que o core da restauração é o serviço, “é abrir as portas do restaurante assim que possível e voltar a focar na comida servida ali”, ao contrário dos kits que são um produto. “A nossa ideia com a Dinee passa por ampliar o público dos restaurantes através desses meal kits; transformar os pratos, desconstruí-los e levá-los a casa das pessoas para que os terminem, em jeito de experiência”.

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E com o levantar de restrições e o consequente regresso à normalidade possível, os próprios restaurantes deixariam de ter esses kits e a Dinee teria aí um espaço para acelerar o negócio. O projeto alavancou-se no From Start to Table, da Startup Lisboa, um programa de aceleração para negócios ligados ao ecossistema da restauração. Apesar de levarem uma ideia já formada, foi ao longo do programa, com recurso a especialistas, investidores e mentores, que o trio consolidou aquilo que faria a diferença entre a Dinee e outras plataformas de entrega: o quebrar de distâncias.

Os ingredientes já pré-cozinhados de cada prato vêm devidamente separados na caixa e com as respectivas instruções. ©DR

“Tivemos muito acompanhamento e foi com alguns mentores que percebemos que tínhamos de nos focar nesta questão de quebrar as barreiras da distância, e com a pandemia isso impunha-se ainda mais”, conta Pedro. “Passou pela questão do saudosismo na gastronomia, da experiência de quem já esteve num destes restaurantes e quer voltar a comer, ou mesmo quem quer experimentar e não pode deslocar-se só para isso, passava a ter a Dinee para responder a essa necessidade”.

A verdade é que, não sendo um serviço de entrega de comida quente, mas sim refrigerada e em vácuo, a ideia de ter representatividade nacional de restaurantes era, de facto, possível. E foi neste ponto que lançaram o desafio aos chefs do plantel inicial da Dinee: Carlos Afonso, do Frade, em Lisboa; Michele e Ruben, do restaurante Gadanha, em Estremoz; a João Cura, do Almeja, no Porto; e a Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão em Santarém.

Os pratos de cada um destes estabelecimentos chegam a casa do cliente numa caixa, desconstruídos e em vácuo, preparados por Sebastião, que deixa a comida quase pronta e a ser finalizada em casa por quem encomenda. Esse processo demora cerca de 15 a 20 minutos e não há grande margem para erro, garante Pedro.

O arroz de parto do restaurante Frade, em Lisboa. ©DR

“O desenho da experiência implica que saibamos onde devemos parar a nossa preparação para que o cliente possa continuar em casa”, explica. “Tivemos de construir estes kits para que fosse à prova de erro, porque estamos a colocar o nome do restaurante, há aqui um selo de garantia de qualidade que não podemos arriscar a perder, portanto damos tudo aquilo que as pessoas precisam, da chalota picada ao cubo de manteiga”.

É precisamente no kit do Gadanha, em Estremoz, que um dos sacos guarda chalota picada com alho e um cubo de manteiga, prontos a servirem de base às bochechas de porco preto, estufadas por 24 horas, com molho de farinheira e esmagada de batata (37 euros). A marcha segue com o famoso arroz de pato (29 euros) do restaurante Frade, em Lisboa, que traz o arroz aberto com vinhos e o caldo do pato, que vem noutro saco já desfiado e com laranja.

De Santarém, da Taberna Ó Balcão, chega um gratinado de rabo de toiro (33 euros), que é cozinhado lentamente e acompanhado com cogumelos frescos e um pickle de chalotas com 15 dias de maturação. O quarto prato vem do Porto, do Almeja de João Cura, e é um caril de grão com pickle de gamba (39 euros), que traz tudo bem dividido – desde a pasta de caril ao bisque de camarão e, para finalizar, o dito pickle de gamba.

Este caril de João Cura, do Almeja no Porto, já se tornou num dos pratos mais famosos do restaurante. ©DR

Os kits foram pensados para duas pessoas, e conservam-se durante cinco dias refrigerados no frio até ao momento da confecção. Depois de seis semanas de operação, a equipa decidiu lançar também os packs familiares com quantidades para quatro pessoas. “Os packs permitem, de facto, que cheguemos a mais pessoas e também que haja aqui uma atenção maior na quantidade de embalagens que usamos. Em vez de pedirem duas caixas de dois, passam a pedir a maior que é só uma caixa e com menos sacos também, é vantajoso para todos”, observa Pedro.

As bebidas que acompanham os pratos são pedidas à parte, mas a seleção não é feita ao acaso. A equipa pediu aos chefs de cada um dos restaurantes referências de vinhos que fizessem pairing com os respectivos pratos do menu e que, normalmente, são até vinhos da própria região – apenas João, do Almeja, optou por uma cerveja artesanal.

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A grande vantagem, garantem Pedro e Sebastião, é o facto de a comida ir para a mesa realmente acabadinha de fazer, ainda a fumegar e com mão destes chefs caseiros que são os clientes. “Tentamos proporcionar uma experiência quase imersiva com o cliente que acaba por estar envolvido num processo que começa muito antes de lhe chegar a casa”, explica o chef da Dinee. “Todo o processo de mise en place é feito por nós, mas a finalização é feita pelo cliente. Controlamos tudo até ao momento de faltarem cerca de 15 minutos para o fim da receita, que já fica do lado do cliente”.

Começam com quatro restaurantes, num soft launch, mas Pedro admite já estarem avançados nos preparativos para novas entradas no menu. “Já temos uns três ou quatro restaurantes em fases de testes, que é um processo que tem de ser muito bem afinado. Em breve vão entrar mais, de outras zonas do país que já temos debaixo de olho”, confessa.

De chef para chef

Não é fácil, para nenhum chef, ceder uma receita e permitir que seja reproduzida tal e qual, até porque muito desse receituário já acompanha estes cozinheiros há uns bons anos, com alterações aqui e acolá. São tesourinhos bem guardados para alguns. Sebastião, encarregue de fazer magia de volta dos tachos, carrega também a responsabilidade acrescida de corresponder a expectativas e celebrar a cozinha de outros como sendo a dele e a de todos os clientes que acabam por ter mão nela, já em casa.

“O meu medo inicial era, sem dúvida, a reação e a receptividade dos chefs dos restaurantes. Será que eles me vão meter uma receita nas mãos para conseguir reproduzir?”, questionava Sebastião. “No fim, foi uma surpresa agradável, porque aderiram logo à ideia, ficaram super entusiasmados com o processo. E esta acaba por ser uma forma diferente de darem a conhecer o seu trabalho e garantirem que chega a outro público”.

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O processo está todos nas suas mãos, numa cozinha operacional em Carcavelos, mas antes teve de aprender intensivamente com cada um dos chefs e nas respectivas cozinhas dos restaurantes. “A parte de desconstruirmos a receita é o ponto central, porque temos os chefs que adoram a sua receita e não querem alterações, e isso implica um trabalho da nossa parte muito delicado”, refere.

O processo foi longo, como uma bola de ping-pong que vai e volta, com esta ou aquela alteração, mais cozedura, menos cozedura, mais crocante ou menos crocante. Enfim, foi um vaivém de pratos até que Sebastião, num treino árduo, acertasse na confecção de cada uma das especialidades de forma a que o cliente a consumisse em casa tal e qual como sairia da cozinha do restaurante.

A caixa, desenhada criativamente por Luiz, foi pensada para ser o mais simples possível, mas simultaneamente apelativa. Que puxasse do fundo do ser a vontade de cozinhar, sem medo de errar – até porque pouca margem há para tal. Cada prato vem embalado de forma desconstruída, em várias saquetas de plástico e em vácuo, com as devidas quantidades e instruções com a ordem de confecção.

A preocupação com a sustentabilidade ambiental do negócio acabou por ser um dos pilares da Dinee, que optou por usar caixas e sacos recicláveis, ou seja, não têm lâminas de nylon na sua composição como é habitual nos sacos de vácuo.

Além dos alimentos já pré-cozinhados, Sebastião acrescenta que cada prato acaba por levar um ingrediente fresco, sejam cogumelos ou coentros, também eles embalados em vácuo, e que “conseguem manter-se vivos para a confecção, que é sempre uma surpresa para o cliente”.

As bochechas de porco do Gadanha vêm de Estremoz, para que o prato fique tal e qual o original do restaurante. @DR

A reprodução destes pratos passa também pelos próprios ingredientes usados – estes são exatamente os mesmos que cada chef usa nos seus restaurantes. “O arroz do Frade é especial, então usamos exatamente o mesmo arroz que eles. Também a bochecha do Gadanha em Estremoz vem directamente de lá, assim como a farinheira que vem de uma salsicharia local onde a Michele e o Ruben se vão abastecer”, conta Pedro.

De Lisboa para o resto do país

Para Sebastião, que veste o avental, a grande mais valia tem sido o contacto com todos os chefs, quer o dos restaurantes de arranque do projeto quer dos que estão para vir, “não só pela aprendizagem brutal, mas pela possibilidade de trazer ao cliente pratos de outros pontos do país”. O chef afirma, no entanto, que o “grande salto da Dinee vai ser quando conseguirem entregar em todo o país” e poderem, de facto, complementar a experiência de norte a sul, do litoral para o interior.

Para já, a Dinee está apenas disponível nos concelhos de Lisboa, Odivelas, Amadora, Oeiras e Cascais, algumas freguesias dos concelhos de Sintra e Loures (lista completa aqui), e agora também na Margem Sul. As entregas são feitas todas as sextas-feiras entre as 08h e as 22h, sendo que os pedidos só podem ser realizados (e pagos) até ao meio-dia da quinta-feira anterior. O pedido mínimo é de 25 euros e à encomenda acrescem 3,50 euros de taxa, seja qual for a zona dessa entrega. “Em breve, já estamos em testes para isso, queremos adicionar um outro dia de entrega, talvez a meio da semana para não concentrarmos tudo na mesma altura”, refere Pedro.

Mas tal como a ideia de acrescentar restaurantes de todas as zonas do país, passa pelo planos desta grupeta alargar as entregas, “talvez mais perto do verão”, admite Pedro, também a todo o país. “Queremos alargar o raio de entregas, claro, é o nosso objectivo desde o início e que complementa o propósito do projecto. Queremos que alguém de Braga possa comer um prato de um restaurante do Algarve, quão fascinante é isso?”, remata.