Um “raro” espólio documental, pessoal, do historiador e escritor Alexandre Herculano (1810-1877), que esteve na posse dos seus herdeiros, é leiloado no próximo dia 24, em Lisboa, com uma base de licitação de 30.000 euros.

O espólio inclui manuscritos de várias das suas obras, provas para edição, correspondência com alguns dos seus contemporâneos, e ainda documentos relacionados com as suas atividades públicas, segundo os elementos que compõem o lote levado à praça pela leiloeira Renascimento.

Alexandre Herculano foi militar, parlamentar, autarca de Belém e precetor do rei Pedro V, entre outras atividades, além de ter sido um defensor do liberalismo.

O espólio que vai a leilão inclui notas de caráter pessoal, sobressaindo o primeiro caderno de um diário do escritor, narrando a viagem marítima para os Açores, quando regressou do exílio em França.

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Herculano fez parte da expedição que trouxe os exilados portugueses no estrangeiro, sob o comando de Pedro IV, com o objetivo de derrubar as forças absolutistas do rei Miguel, que tomara o trono e que foi derrotado em 1834.

“Estes documentos permitem uma visão de conjunto sobre a sua obra, mas também um vislumbre sobre o seu percurso de vida”, afirma a leiloeira, no texto de apresentação, enviado à agência Lusa.

Entre a correspondência há missivas para o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, e para os escritores Almeida Garrett e Guiomar Torresão, entre outros. Entre os destinatários da correspondência reunida neste espólio, conta-se também o escritor José Maria Latino Coelho, além de Garrett e Guiomar Torresão, o historiador Joaquim Pedro de Oliveira Martins, o diplomata Pedro de Sousa Holstein, 1.º duque de Palmela, os jornalistas José Casal Ribeiro e Luís Augusto Rebello da Silva, o magistrado liberal Manuel Fernandes Tomás, o militar e arqueólogo Augusto Teixeira de Aragão e o político liberal Manuel Passos Manuel, entre outras personalidades.

Da correspondência sobressai uma carta, de 12 folhas, dirigida ao primeiro imperador do Brasil, Pedro I (Pedro IV, de Portugal), e outra, de três folhas, dirigidas a Madame Marie Rattazzi, escritora francesa que visitou Portugal em 1876, 1878 e 1879, e que publicou um livro sobre estas viagens, “Portugal de Relance” (“Le Portugal A Vol D’Oiseau”, 1880).

A leilão vão também os rascunhos originais de cartas sobre a “Questão da Emigração”, debate público de meados do século XIX em que Herculano participou quando era crescente a corrente migratória para o Brasil, e o governo se esforçava por alertar para os falsos desígnios de rápido enriquecimento.

De cartas recebidas por Alexandre Herculano, o espólio em leilão conta com missivas de personalidades como o historiador Joaquim Pedro de Oliveira Martins, os poetas Antero de Quental, João de Deus e António Feliciano de Castilho, o jurista Charles de Savigny, o político liberal Rodrigo da Fonseca Magalhães e os marqueses de Sá da Bandeira e de Loulé, entre outros.

A leiloeira destaca igualmente os “originais dos tomos um e dois das ‘Cartas’, publicadas em 1860, por Aillaud, Alves e Bastos, num total de cerca de 800 folhas”.

No lote de manuscritos destacam-se “centenas de folhas com rascunhos e anotações de obras concluídas e de projetos que Alexandre Herculano empreendeu ao longo da vida”, acrescenta a leiloeira. Entre os poemas manuscritos encontram-se “As Meditações”, “O Sonâmbulo”, “A Melancolia”, “A Freira”, “O Hino de Batalha” e “O Desembarque”.

A leilão vai também um “conjunto de manuscritos com dezenas de ensaios originais que fazem parte dos diversos volumes da obra ‘Opúsculos’, entre os quais se encontram ‘Conversão dos Godos’, ‘Instrução Pública’, ‘Da Educação e Instrução das Classes Laboriosas’, ‘Aristocracia Hereditária’, ‘A Questão de Salvaterra’, ‘A Padeira de Aljubarrota’, ‘Discurso no Teatro D. Maria’, ‘Parecer sobre Filosofia Racional’ e ‘Lísia Poética'”.

Do lote fazem também parte as provas corrigidas da obra “O Clero Português” (1841) e textos sobre a História de Portugal e cópias de alguns ensaios. Há ainda um “livro sem título nem frontispício que apresenta inúmeras anotações e correções que julgamos serem da autoria de Herculano”, acrescenta a leiloeira.

À praça vai ainda um vasto conjunto de diplomas que o historiador recebeu, e documentos, como o diploma de deputado às Cortes em 1858, um documento sobre a atividade militar do escritor, datado de 1834, a nomeação para 2.º Bibliotecário da Real Biblioteca Pública e o diploma de sócio correspondente da Reale Accademia delle Scienze (1849), assim como o diploma de Protetor da Sociedade Escolasticofilomática de Lisboa, entre outros.

Fotografias da sua casa em Vale de Lobos, para onde foi viver depois de deixar Lisboa, e a sua atividade pública, de elementos da sua família e do jazigo da família Gorjão, em Santa Iria da Azóia, nos arredores de Lisboa, onde esteve inicialmente sepultado (antes de ter sido trasladado, em 1888, para o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, onde se encontra), juntam-se igualmente ao lote a leilão.

 praça vai também um “conjunto eclético constituído por imagens e aguarelas que permitem reconstituir aspetos da época do escritor, e que inclui ainda documentos que, de alguma forma, se relacionam com Alexandre Herculano”.

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo “fez questão de intervir construtivamente na discussão de praticamente todos os assuntos fraturantes do seu tempo, como se depreende da consulta deste seu precioso e vasto acervo”, sublinha a leiloeira Renascimento.

A agência Lusa contactou a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, assim como a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), sobre o eventual interesse do espólio, e aguarda resposta.

Em 2010, no ano do bicentenário do nascimento de Alexandre Herculano (1810-1877), a BNP comprou no leilão da Livraria Luís Burnay dois documentos autógrafos do escritor, uma carta e uma declaração dirigidas aos editores e livreiros Bertrand, sobre cedência de direitos autorais, datadas de fevereiro de 1860. À data, cada um destes documentos tinha uma estimativa máxima de preço de 400 euros.

Herculano foi historiador, jornalista, bibliotecário, romancista e poeta. Destacou-se no desenvolvimento da narrativa histórica em Portugal. É, com Almeida Garrett, o pioneiro do Romantismo em Portugal, com o surgimento da “Voz do Profeta” e da revista Panorama, na década de 1830. Grande parte do espólio do historiador encontra-se na Biblioteca Municipal do Porto.

Alexandre Herculano casou-se, a 1 de maio de 1867, com Mariana Hermínia de Meira. Desta relação não houve descendentes. Morreu na sua quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, em 13 de setembro de 1877, aos 67 anos.