Intitula-se Fenestra e abriu há uma semana na Galeria Vera Cortês, em Lisboa. É a primeira exposição de Vhils desde o fim do segundo confinamento. As paredes brancas do espaço foram pintadas de preto, instalaram-se nove projetores no teto e de alto a baixo surgem vídeos panorâmicos que o artista captou em nove cidades de todo o mundo antes do início da pandemia — Hong Kong, Macau, Xangai, Pequim, Los Angeles, Cincinnati, México, Paris e Lisboa.

“O objetivo é fazer o inverso do que é a cidade, fazer um fresco das cidades de hoje através de imagens vídeo”, explicou-nos o artista, de 34 anos. “Procuro recuperar a beleza do dia-a-dia, que se perde nas cidades e no estilo de vida globalizado. Fiz a captação em várias cidades e ao juntar tudo no mesmo espaço, neste caso a galeria, estou a oferecer uma reflexão sobre o impacto da globalização, o perdermo-nos no lugar em que estamos, o não termos referências nas cidades. Há muitas coisas que diferem de cidade para cidade em termos culturais e históricos, mas muitas outras coisas estão a convergir e começa a ser difícil decifrarmos o sítio onde estamos. Tudo se assemelha em termos dos produtos que consumimos e das lojas e publicidades que aparecem.”

Fenestra faz parte da série “City Slow Motion”, é um projecto que Vhils tem vindo a criar desde há seis anos a partir das pelas viagens que faz pelo mundo inteiro por razões profissionais. Dois dos vídeos já tinham sido exibidos em exposições de Vhils nos EUA (Cincinnati Contemporary Arts Center, em inícios do ano passado) e em França (espaço CentQuatre-Paris, em 2018). Os restantes são inéditos, num total de 15 minutos.

Através de uma câmara de vídeo que grava dois mil fotogramas por segundo, Vhils consegue um efeito de câmara lenta, o que transmite a sensação de se observar em detalhe o que se passa nas ruas. Vemos pessoas à espera de atravessar a rua, turistas em esplanadas, tendas de sem-abrigo, gente que corre à beira-mar, lojas, carros, prédios. Um mundo muito denso e cheio de cores e solicitações. Por momentos, há quem se aperceba de estar a ser filmado e fite a câmara com espanto e curiosidade.

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Trata-se de um olhar crítico perante a atualidade, ainda que o artista sublinhe não querer tomar posição. Mesmo que os vídeos tenham sido registados antes do surgimento da covid-19, acabam por servir de comentário ao  período de afastamento físico e de convulsão da vida em sociedade.

“Com a pandemia ficámos prisioneiros do nosso espaço. No fundo, prisioneiros da globalização, ainda que mantivéssemos contacto com o resto do mundo. O mundo globalizou-se, mas só as marcas é que conseguem viajar”, disse-nos Vhils. “O comércio funciona, mas as pessoas não podem circular de um lado para o outro. Este trabalho é também sobre isso, porque tudo mudou desde que estive naquelas cidades a filmar.”

A exibição dos vídeos em formato panorâmico, a ocuparem uma sala de poucos metros quadrados, permitem ao espectador aproximar-se totalmente de figuras humanas sem máscaras faciais, o que simbolicamente contraria o espírito do tempo. “Faz-nos refletir sobre tudo que aceitámos no último ano em nome da saúde pública e da pandemia. Quem vê é espectador de algo que sabe que vai acontecer, mas que as pessoas do vídeo nem imaginam”, comentou Vhils.

Os vídeos não têm som mas surgem acompanhados por uma instalação sonora da responsabilidade do rapper Chullage, com ruídos metálicos e industriais. “Segundo uma lógica de carroussel de imagens, as cidades sucedem-se, encadeiam-se num travelling infinito e o espectador é rodeado pela corrente de imagens sem delas se conseguir libertar, como se estivesse preso numa armadilha visual”, escreveu o crítico de arte João Pinharanda na folha de sala da exposição.

Galerias desconfinadas

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Com o fim do confinamento e a autorização do Governo para que as galerias de arte pudessem reabrir (o que aconteceu a partir de 5 de abril), deu-se um engarrafamento de inaugurações. Além da exposição de Vhils na Vera Cortês, muitas outras galerias apresentam os seus artistas ao público. Eis uma seleção de propostas.

  • Galeria Foco, Lisboa: exposição coletiva “Amuse-Bouche”, com 13 artistas emergentes. Até 29 de maio (nova localização da galeria: Rua Antero de Quental 55A).
  • Galeria Objectismo, Lisboa: exposição “Victor Palla Ceramista, 1949-1951”. Até 29 de maio.
  • Galeria Lehmann+Silva, Lisboa: exposição “Burned Against the Rear Fender”, de Monika Grabuschnigg. Até 30 de maio.
  • Galeria MOVART, Lisboa: exposição “Matéria Vital”, de António Ole. Até 9 de junho.
  • Galeria Sokyo Lisbon: exposição “Japanese Blue”, de artistas japoneses contemporâneos. Até 12 de junho.
  • Galeria Nuno Centeno, Porto: exposição “Pale Planets”, de Magali Reus. Até 13 de junho.
  • Galeria Módulo, Lisboa: exposição “Paisagens e Constelações”, de Fernando Marante. Até 15 de junho.
  • Galeria Lx Lapa, Lisboa: ciclo expositivo “Reflection Upon Space”, com oito artistas emergentes. Até 2 de julho.
  • Galeria Francisco Fino, Lisboa: exposição “Corpo Capital”, de José Pedro Cortes. Até 24 de julho.

“Não me vejo a afastar, o vídeo é um meio para passar uma mensagem”

À primeira vista, as imagens em movimento constituem uma nova forma de expressão para o mais conhecido e requisitado artista visual português do momento — e pode até parecer que ele se está a afastar da street art que o celebrizou. Mas não é verdade. Ao Observador, explicou esta semana que nunca gosta de se apresentar exclusivamente como artista de rua e relembrou outros trabalhos em vídeo. Por exemplo, videoclips para Buraka Som Sistema e U2, ambos em 2014.

“Fico sempre desconfortável quando dizem que sou street artist. Não tenho vergonha das minhas raízes, venho do graffiti, e continuo a ter uma relação muito próxima com a rua e a arte urbana, que não deixei de fazer. Por isso, não me vejo a afastar. O vídeo é um medium em que trabalho desde 2013 e sempre me atraiu bastante”, sublinhou Vhils (nome artístico de Alexandre Farto). “É um meio para passar uma mensagem e para criar uma experiência para as pessoas. Tanto posso usar o vídeo como a pintura, a serigrafia ou a parede de uma rua.”

Fenestra pode ser vista até 12 de junho. Sendo uma exposição para venda, inclui três versões de cada vídeo: uma fica no acervo da galeria, a outra destina-se a instituições culturais ou museus e a terceira é pensada para colecionadores particulares.