Uma das obras principais da exposição No Reino das Nuvens: os Artistas e a Invenção de Sintra — evento de grande visibilidade que abre ao público na sexta-feira e se mantém até 17 de outubro no Museu das Artes de Sintra (MU.SA) — é uma pintura a óleo de 1855 da autoria de João Cristino da Silva, que pertenceu ao rei D. Fernando II antes de ter sido integrada no Museu do Chiado em 1911.
A pintura intitula-se Cinco Artistas em Sintra e foi exibida pela primeira em 1855 na Exposição Universal de Paris. Tem sido descrita como a primeira representação coletiva de artistas na pintura portuguesa, com retratos de Tomás da Anunciação, Francisco Metrass, Vítor Bastos, José Rodrigues e o próprio Cristino da Silva, à época em início de carreira.
Além desta, há na exposição várias pinturas do mesmo artista e centenas de obras de criadores desde o século XVI até aos nossos dias.
A mostra tem entrada livre e ocupa dois pisos do museu. Deve o título a uma frase que o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen registou nos seus diários quando passou por Sintra em 1866. Assinala os 25 anos da classificação de Sintra como paisagem cultural da humanidade, pela UNESCO, razão por que os seis núcleos que a constituem remetem para a paisagem física da vila histórica interpretada por artistas.
MU.SA terá coleção própria?
A apresentação aos jornalistas e uma visita do Presidente da República aconteceram nesta quarta-feira de manhã, estando a inauguração oficial marcada para quinta-feira, com a presença da ministra da Cultura, Graça Fonseca.
No Reino das Nuvens deveria ter sido inaugurada há um ano, mas foi adiada para agora devido a pandemia. Pode ser considerado um dos eventos com maior potencial de atração de público alguma vez realizados no MU.SA — instituição municipal que funciona desde 2014 no antigo Casino da Vila e no mesmo edifício que recebeu de 1997 a 2006 parte da Coleção Berardo (depois cedida ao Centro Cultural de Belém, em Lisboa).
“Este ainda não é um museu com direção, coleção e programação próprias”, disse esta quarta-feira ao Observador Victor dos Reis, curador da exposição. “Gostava que esta exposição permitisse que as entidades políticas que governam o município vissem que têm aqui um ótimo edifício para ser transformado num verdadeiro museu.”
Marcelo Rebelo de Sousa considerou a exposição “excecional”. “Se quer isto dizer que a partir desta experiência nasça um conjunto decisões importantes, que já estão em curso, quanto a peças que possam ficar aqui em Sintra? A última palavra é dos autarcas. Bem pode acontecer que isto seja um salto qualitativo”, comentou o presidente.
A organização da exposição não é cronológica ou em função de matérias ou temas, o que logo à entrada está patente na exibição lado a lado de um óleo de Diogo Teixeira (1540-1612) e de um óleo de Carlos Calvet (1928-2014). “Arrisquei fazer combinações de obras”, explicou Victor dos Reis na quarta-feira de manhã, acrescentando que do ponto de vista teórico seguiu as ideias do historiador alemão Aby Warburg. “Tal como as pessoas criam afinidades ou aversões entre si, o mesmo acontece com as obras de arte. A exposição procura não ter uma organização por categorias, procura encontrar afinidade e nesse sentido é também uma exposição pessoal. Ninguém é neutro, podemos é fingir que as opções se impõem”, disse.
“Através da reunião de obras de diferentes criadores e períodos históricos, a exposição procura expressar e celebrar as múltiplas formas como esta montanha e o seu território atraiu a atenção e a imaginação dos artistas e estimulou a sua criatividade”, escreveu o curador no catálogo.
30 obras novas de artistas atuais
As obras agora expostas no MU.SA ascendem a duas centenas, incluindo pintura, escultura, desenho, gravura, fotografia, vídeo e instalação. Pertencem a 56 coleções públicas e privadas localizadas em Portugal, incluindo museus nacionais e a instituições como a Culturgest, a Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, a Fundação PLMJ ou a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
“Muitas das obras ajudaram a criar e a transformar a nossa ideia de Sintra, fosse porque se apresentaram como ficções ou construções oníricas estimuladas pelo real, fosse porque registaram as profundas transformações ocorridas neste território, contribuindo para tornar icónicos e conhecidos muito para além das próprias fronteiras alguns dos seus lugares e monumentos”, refere no catálogo Victor do Reis , também professor na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
Domingos Sequeira, Silva Porto, José Malhoa, Nadir Afonso, Ana Hatherly, Carlos Calvet e Ângela Ferreira são exemplos de artistas representados. Há ainda peças arqueológicas e exemplares de literatura inspirada pela vila.
O público terá também a oportunidade de ver pela primeira vez 30 obras criadas de propósito para a ocasião por artistas visuais portugueses da atualidade. Por exemplo, seis obras de Pedro Cabrita Reis (que esteve pessoalmente na quarta-feira para apresentar as obras a Marcelo Rebelo de Sousa), três fotografias de Ana Caria Pereira, um desenho de grandes dimensões de Gabriela Albergaria, duas obras de Hugo Lami, duas peças multimédia de Igor Jesus e três fotografias de Paiva-Gusmão. Julião Sarmento e Rui Chafes estão representados com obra já conhecida.
Um programa paralelo, que vai de maio a outubro, tal como a exposição, inclui um concerto a 2 de junho no Centro Cultural Olga Cadaval pela Orquestra Municipal D. Fernando II dirigida pelo maestro Cesário Costa, e uma homenagem no dia 18 de setembro à galerista Maria Nobre Franco (1938-2015), primeira diretora do Sintra Museu de Arte Moderna. A homenagem consiste na colocação de um banco no jardim do MU.SA dedicado a Maria Nobre Franco.
Presente na sessão de apresentação, o presidente da Câmara, Basílio Horta, disse que a exposição “é um grande momento para Sintra” e assinala “a prioridade que a Câmara dá, e sempre deu, à cultura, que eventualmente é a parte mais importante da cidadania”.