O investigador Octávio Fonseca, autor de “Uma Vontade de Música. As Cantigas do Zeca”, aponta José Afonso como “uma personalidade da música popular universal”, ombreando com Bob Dylan, Léo Ferré e Leonard Cohen.

“José Afonso é um genial em português”, disse o músico e investigador à agência Lusa, considerando o autor de “Grândola, Vila Morena”, um criador de “uma arte superior”.

“Mesmo nas canções de efeito imediatamente político, José Afonso fá-lo de uma forma absolutamente superior. Nestas e noutras, há sempre uma preocupação sistemática para responder musicalmente à mensagem dos poemas”, disse Fonseca, salientado a “riqueza de vocabulário” e a “busca da originalidade melódica”.

Ele, quando descobria uns acordes, dava a ouvir aos companheiros, e se algum deles achasse que soava a uma outra melodia o Zeca abandonava-os imediatamente”, contou.

“Estava sempre à procura da melodia nova, o que podia fazer ‘novo'”, acrescentou, referindo que “tudo nele era processado, refletido, questionado”. Foi desta forma que se aproximou dos ritmos africanas, adiantou.

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Na opinião do autor do levantamento da obra de José Afonso, que agora é publicada em livro, o lirismo da poesia do cantor e compositor “nada tem a ver com Coimbra, antes sim com Camões, que muito apreciava”, e citou, entre outra, a canção “Maria”.

A obra “Uma Vontade de Música. As Cantigas do Zeca” é apresentada no sábado, pelas 16h00, no auditório da Escola Secundária Camões, em Lisboa.

A apresentação estará a cargo do investigador João Carlos Callixto. Paralelamente haverá um momento musical com a cantora Filipa Pais, acompanhada pelo guitarrista Mário Delgado.

Admirador confesso de José Afonso (1929-1987), como músico e cidadão, Octávio Fonseca afirmou à Lusa que o foco da sua obra está “na relevância da genialidade” do músico, com a preocupação na criação musical e poética do autor de “Índios da Meia Praia”.

Com alguns interregnos, Octávio Fonseca levou cerca de quatro anos a investigar e escrever esta obra que acompanha, a par e passo, o percurso criativo e artístico de José Afonso, do “Fado de Coimbra” (1950) ao seu último álbum de estúdio, “Galinhas do Mato” (1985), passando pela transição para a balada na década de 1960, e que originou o que se chamou a “nova música popular portuguesa”, referente às gravações feitas nos anos de 1968 a 1970.

A partir de 1970, nota-se na produção de José Afonso a influência das harmonias e dos ritmos africanos, como claramente explica na obra Octávio Fonseca.

O livro, de capa dura, num formato de 19X19,5 cm, é editado pela Tradisom, tem ilustrações de Pedro Sousa Pereira, reproduz várias capas de discos de José Afonso e conta com um elucidativo aparelho de notas no final, que dá pistas para o processo criativo de José Afonso.

Uma das imagens remete para um relatório da extinta Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), datado de 1968, a partir de Coimbra, no qual dá conta que José Afonso é “um indivíduo de ideologia política ‘avançada’ que transmite aos seus fados e canções”, razão pela qual os seus discos foram apreendidos, e dá como exemplo a canção “Menina dos Olhos Tristes”.

No prefácio, o músico Rui Pato, que acompanhou de perto o início da carreira de José Afonso, afirma ser esta obra “um estudo sério, uma leitura pessoal da obra de José Afonso (…), que nos dá uma perspetiva séria, quase científica da obra de José Afonso”.

Um livro, refere Rui Pato, que “convida o leitor a fazer a sua própria leitura” da produção artística do músico e poeta que “compunha por necessidade”, como disse à Lusa Octávio Fonseca.

Octávio Fonseca afirmou que José Afonso “não valorizava o seu papel” no conjunto de atividades políticas contra a ditadura anterior à revolução de 1974, e ficou “muito feliz” com o reconhecimento que teve depois do 25 de Abril de 1974.

Segundo o autor, o músico, depois da Revolução dos Cravos teve “a prova efetiva do efeito que as suas canções tinham, e isso encheu-o de felicidade”.

O fator político associado a José Afonso, e que não deve ser escamoteado, serviu, no entanto, para desvalorizar a sua música e poesia no que têm de universal, referiu Octávio Fonseca, alertando: “Confiná-lo na música de intervenção, é não compreender a dimensão artística das suas canções, ao nível do que melhor se fez na música popular universal” no século XX.

Numa “narrativa descomplicada [e] tanto quanto possível coloquial”, como refere Rui Pato, para o autor, este livro é “uma forma de ler e ouvir as canções de José Afonso”.

Mais importante que o seu conteúdo, é confrontá-lo com as canções e refletir sobre elas para descobrir o mar profundo de surpresas que é a obra de José Afonso”, conclui Octávio Fonseca.