Para se fazer entender melhor, Edward Snowden chega a comparar a atuação dos denunciantes a um homicídio cometido em legítima defesa. “Se o uso da força foi necessário e proporcional à ameaça apresentada, por exemplo, para defender a nossa própria vida, a questão de se é correto perante a lei torna-se secundária”, defende. E conclui que “até mesmo um ato criminoso, pode ser um ato de serviço público”. Por isso, para ele, “não há dúvidas de que as histórias reveladas por Rui Pinto, suscitaram interesse público“. “E espero que concordem comigo”, conclui.

É assim que o ex-analista dos serviços de informações norte-americanos, que em 2013 revelou esquemas de espionagem e vigilância, apoia Rui Pinto, o autor da maior fuga de informação do futebol e que está por trás também do Luanda Leaks. O vídeo foi gravado por Snodwden e os advogados de Rui Pinto pediram que fosse exibido na sala de audiências, durante o julgamento do alegado pirata informático, mas o tribunal recusou, embora tivesse considerado o vídeo como prova documental e o tivesse incluído no processo. Acabou por ser publicado no YouTube, na madrugada desta quinta-feira e assim começa: “Obrigado por ouvirem o meu testemunho. O meu nome é Edward Joseph Snowden”

No vídeo de praticamente nove minutos, Snowden defende que “não importa de onde vem aquele que denuncia” — algo que, diz, “mesmo as leis mais perfeitas” não compreenderão. “Não importa se é funcionário da organização [que denuncia], não importa se esteve envolvido na atividade criminosa ou na infração que virá mais tarde a denunciar”, explica Snowden, que trabalhava na organização da qual denunciou esquemas de espionagem ilegais, ao contrário de Rui Pinto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que separa Assange, Manning, Snowden e Rui Pinto?

No vídeo publicado na página da associação sem fins lucrativos que apoia denunciantes, a The Signal Network, Snowden falou também sobre o seu caso específico. “O meu Governo argumentaria que revelar as suas atividades ilegais e imorais, violações de leis e direitos nos Estados Unidos e no estrangeiro foi em si um crime. E talvez seja verdade. Mas isso significa que um ato de denúncia tem de ser julgado pelo facto de ser ou não do interesse público“, disse ainda, defendendo que quem denuncia e as circunstâncias em que o faz “não são o fator mais importante”.

O ex-analista estava inicialmente na lista de testemunhas arroladas por Rui Pinto, mas na sessão de dia 19 de maio, a defesa do alegado hacker informou o tribunal que já não seria possível ouvi-lo. Apesar de não ter sido dada uma explicação concreta para o facto de o denunciante já não ir testemunhar a favor de Rui Pinto, a razão pode estar relacionada com o facto de Snowden estar exilado na Rússia e uma ligação dor videochamada para o Tribunal de Lisboa poder levar à sua localização. Assim, a solução foi gravar um vídeo de apoio ao alegado hacker português.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade.