Título: Montanhas Douradas
Autora: C Pam Zhang
Editora: Bertrand Editora
Páginas: 280
Preço: 16,60

Montanhas Douradas é o romance de estreia de C Pam Zhang e pode dizer-se que a autora entrou a pés juntos na literatura. Nascida em Pequim, mas criada principalmente nos Estados Unidos, Zhang morou em 13 cidades e 4 países. De acordo com informação dada pela editora, continua “à procura de um lar”, e a expressão salta à vista para quem tiver acabado de ler o romance, em que Lucy e Sam, de 12 e 11 anos, respetivamente, tendo perdido os pais, partem pela Califórnia em busca do seu solo. Não é coisa fácil, porque nunca tiveram estrutura na vida, nunca passaram tempo suficiente num lugar para que o pudessem fazer seu. Este possessivo também é relevante na estrutura do romance, já que, tendo características físicas que destoam das dos nativos, há, à sua volta, quem tente tirar-lhes o direito à terra.

E é de terra que trata este romance. Em busca de uma vida melhor, os pais seguiam rumores em busca de ouro, furavam o solo – contra a resistência do corpo – em busca de riqueza e de descanso do corpo. Tendo isto como pano de fundo, Zhang imiscui-se na paisagem da Califórnia e o resultado é encontrar-se secura em cada página. A própria Califórnia ganha a vida de uma personagem – uma coisa palpitante que muda os destinos e molda as vidas, contra a qual é tantas vezes preciso lutar em permanência.

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Se vemos o abandono das crianças por terem perdido os pais, também o vemos face à terra. E as crianças seguem em busca da casa que não têm, mas não sabem para onde ir porque nunca a tiveram. Esta procura é acalentada pela esperança de alívio, de que encontrar o pouso signifique alguma paz. Mas a vida fez-se de solavancos, as condições materiais moldaram a expectativa e os pais nunca fizeram um lar porque tinham um plano inglório para porem o pão na mesa. O que poderia significar casa quando tinham tido uma vida tão turbulenta? O pai fizera-as fazer a mala tantas vezes, tinha os olhos focados em fazer fortuna num ápice, mudando-lhes a vida num só golpe.

Na América, corria-se ao ouro, e ei-lo ali em busca da última novidade, esperando a riqueza súbita. Os rumores de terras por reclamar ganhavam espaço e ele seguia-os em busca do seu espaço. As tentativas, contudo, não surtiam efeito: cada chegada representava a desolação de sempre. As colinas já estavam destruídas por terem sido escavadas, os riachos já estavam cheios de cascalho. Quis então ganhar a vida a minerar carvão, mas nada mudou. Andaram de mina em mina, viveram a passar em cima de colinas numa carroça. O problema é que o que os atraía atraía os outros e a promessa de ordenados elevados morria com a sobra de mão-de-obra.

Com isto, lançadas à vida, as crianças ainda sentem a angústia de quem não deixa a sua marca, de quem sente o impacto de um lugar sabendo que nunca terá impacto nele, e encarando assim a volatilidade da vida e a efemeridade do momento ou da família.

Não deverá restar nenhum vestígio deles. As suas pegadas no chão de terra serão varridas, as cordas da roupa tiradas, a horta deixada ao abandono. Outra família de mineiros ocupará aquela casa, ou porventura outro bando de galinhas. Também nunca foi a casa deles, ou a terra deles. A estação das chuvas apagará todos os sinais, pegadas, cabelos, unhas (…), história. (…) Que prova restará de que a sua família existiu sequer naqueles montes?” (p. 143)

C Pam Zhang deu-nos um romance que vai à terra para dar vida. A sua prosa é bruta e bela, os seus cenários são ricos e respiram. Com múltiplas camadas, o romance dá um retrato de um país, isola uma ilusão, voa quando explora a expectativa das personagens. Das questões raciais às questões de classe, da esperança contra a secura da vida, da necessidade de erguer um caminho no fim da estrada, parece estar lá tudo.