O ex-nadador australiano Ian Thorpe tem 38 anos. Haverá quem responda a esta informação com “já?”. Outros com “ainda?”. Mas há outra questão que dado o contexto, principalmente o de este sábado, 11 de setembro de 2021, também pode ser importante: “Como?”. O próprio tem dificuldades em explicar.
Na manhã daquele fatídico dia de 2001, o tal dia em que no calendário mundial tudo mudou, Thorpe, já um atleta consagrado a nível mundial e olímpico, dirigia-se para as Torres Gémeas, em Nova Iorque, para uma ida a um dos locais dos edifícios onde se podia observar toda a ilha de Manhattan e a sua envolvência. Nesse dia de descanso depois de mais um Campeonato do Mundo de sucesso, era o programa que tinha traçado na véspera. Reparou, no entanto, que lhe faltava a máquina fotográfica e voltou de táxi para o hotel onde se encontrava. Foi no quarto que, na televisão, viu a imagem do primeiro avião já nas Torres Gémeas.
Poucos dias depois, um dos representantes de Ian Thorpe falou com uma rádio australiana e revelou que o então nadador ainda estava “chocado” com o que (quase) aconteceu. “Ele estava provavelmente a 20 minutos de lá chegar. Ficou chocado. Mais alguns minutos e quem sabe o que poderia ter acontecido?”, referiu Frank Turner, então manager da estrela australiana.
Não que Ian Thorpe seja a única pessoa do planeta a ter (felizmente) uma história deste género mas foi o desportista de maior renome a ter escapado por tão pouco a tragédia do 11 de setembro de 2001 entre outras celebridades como Mark Wahlberg (que ia embarcar no voo 11 da American Airlines nesse dia) ou Michael Jackson (tinha uma reunião no topo de uma das torres mas adormeceu). E isto responde, em suma, ao “como?”, apesar de não se poder garantir o que aconteceria ao australiano. Repetindo o que disse em 2001 o referido representante: “Quem sabe o que poderia ter acontecido?”…
O australiano foi um dos meninos bonitos do desporto mundial entre o final dos anos noventa e qualquer coisa como a primeira metade dos anos 2000. Isto não (apenas) devido ao seu aspeto, mas principalmente pelos resultados desportivos alcançados desde adolescente que passaram de resultados locais e continentais a mundiais e, sem muita surpresa na altura, a grandes resultados olímpicos, com os primeiros a acontecerem logo em Sidney 2000, na sua Austrália, perante os seus conterrâneos em êxtase.
A carreira de Ian começou quando viu a irmã mais velha dentro de uma piscina a praticar natação. Com cinco anos (por volta de 1987), a futura estrela australiana seguiu-a. Podia dizer-se já neste ponto do conto de Thorpe que “o resto é história” mas ainda falta. Isto porque o futuro campeão olímpico era alérgico ao cloro, algo que, sem surpreender, “atrapalhava” as braçadas e a diversão. Foi com a cabeça fora da piscina, no que muitas vezes se chama “nadar à cão”, que Ian Thorpe ganhou a primeira competição de natação, ainda com sete anos. A partir daí a única coisa em que se afundou foi em títulos e feitos muito para além da sua idade, fosse na região da Nova Gales do Sul, na Austrália, em campeonatos nacionais ou até nos Jogos Pan Pacíficos, já nos anos 90, com duas pratas depois de falhar treinos devido a uma operação ao apêndice.
Já se previa que a história desse lenda e pode dizer-se que ganhou esses contornos em 1998 nos Mundiais, curiosamente em Perth, na Austrália. A competição arrancou com os 4×200 metros livres de onde veio o ouro para os da casa, numa equipa onde estava Ian Thorpe, o mesmo que nos 400 metros livres se sagrou campeão do mundo. Tudo bem, um grande atleta venceu uma prova importante. O detalhe? Thorpe tinha apenas 15 anos e três meses, tornando-se assim o mais jovem campeão do mundo.
Os anos seguintes foram de mais medalhas de ouro, fosse em Jogos da Commonwealth, Pan Pacíficos e tudo o que aparecesse à frente, por assim dizer. O objetivo era claro com o passar dos anos: mais uma vez em casa, continuar a nadar como um campeão nos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000. Com 17.000 pessoas no recinto em que foram disputadas as provas de natação das olimpíadas australianas, Thorpe sabia uma coisa: todos pensavam que a vitória era certa e manifestaram-se como tal.
“Nunca tinha ouvido nada assim. A maneira como o público gritou, respondi como um miúdo quando está em problemas, quando não sabe o que tem a fazer. Sorri e foi literalmente o momento em que tirei todas as dúvidas da minha cabeça. Estava pronto. Quando cheguei aos blocos tomei a decisão de que ia liderar a corrida do início ao fim”, afirmou o próprio atleta ao Sydney Morning Herald em 2020. O resultado deste boost de confiança foi a primeira medalha de ouro para australianos nos “seus” Jogos Olímpicos e ainda mais um recorde do mundo, batendo um tempo que já era seu. Isto nos 400 metros livres. Há ainda a somar o ouro nos 4×100 metros livres, 4×200 metros livres e pratas nos 200 metros livres e 4×100 metros medley. O Torpedo (Thorpedo), com ficou conhecido, começava a sua história olímpica aos 17 anos. Mais um detalhe? Partiu o tornozelo a pouco menos de um ano dos Jogos.
Ian Thorpe sempre se fez valer do seu poderio físico. Não só tem quase dois metros como, e isto sempre foi bastante comentado e relevado, calça o 50 (!). Com todo este poder e qualidade, os anos até Atenas 2004 são fáceis de resumir: seis ouros nos Mundiais de 2001; seis ouros e uma prata nos Jogos da Commonwealth de 2002; cinco ouros e uma prata nos Jogos Pan Pacíficos de 2002 e três ouros, uma prata e um bronze nos Mundiais de 2003. O torpedo australiano chegou à Grécia para os Jogos Olímpicos e, claro, medalhas. Neste caso dois ouros, uma prata e um bronze. Atenas 2004 foi ainda a primeira vez que um tal de Michael Phelps apareceu nos Jogos, para ganhar seis medalhas de ouro.
É após os Jogos helénicos que a vida de Ian Thorpe começa a ganhar outros contornos. Sempre ligado à filantropia e as causas, ainda hoje em dia, o australiano quis fazer uma pausa na carreira, que ao fim ao cabo já durava desde que era praticamente uma criança, saltando inclusivamente os Mundiais de 2005. A dada altura soube-se que o objetivo era retirar-se totalmente da competição depois de Pequim 2008, mas em novembro de 2006 anunciou mesmo que ia deixar de nadar de forma competitiva.
“Tomei uma decisão muito difícil. Decido que vou deixar a minha carreira profissional de nadador”, afirmou, dizendo-se farto de nadar “volta atrás de volta a olhar para uma linha preta”. “É uma decisão complicada mas estou mais satisfeito com ela. Já ando a trabalhar nesta decisão há algum tempo. Tenho 24 anos e tenho apenas 24 anos também. Sou jovem o suficiente para ter novos desafios e aceitá-los na minha vida. Fiquei bem fisicamente e a minha mente também ficou bem. Comecei a fazer várias perguntas”, acrescentou, dizendo ainda que a natação sempre foi um “cobertor” e uma “rede de segurança”. Ao mesmo tempo, afirmava querer “priorizar outras coisas e deixar a natação ficar um pouco atrás”.
“A minha primeira reação foi medo, mas também fiquei entusiasmado com a hipótese de ter outras coisas na vida. Estou a realinhar o que é mais importante para mim, e essas coisas importantes eu não as listo e ordeno, mas nadar não está bem lá, o que nunca aconteceu”, disse então Ian Thorpe, que já não competia internacionalmente desde a prestação em Atenas 2004. Retirou-se como o mais medalhado atleta olímpico australiano de sempre.
Sem medos, Thorpe anunciou em 2011, cinco anos depois da retirada e sete depois de competir pela primeira vez internacionalmente, que iria tentar um regresso. A demanda até deu um documentário, mas acabou por não resultar, pelos resultados e por uma lesão no ombro. O sonho de Londres em 2012 tinha acabado.
Em 2014, o australiano voltaria a ter destaque mediático ao assumir a sua homossexualidade num programa de televisão e, em 2016, seria internado numa clínica de reabilitação após ser encontrado a vaguear perto de casa dos pais. Na sua autobiografia, admitiu ter considerado o suicídio e ter bebido grandes quantidades de bebidas alcoólicas para lidar com uma depressão. Mas nada melhor do que o próprio a explicar as suas lutas, como fez em 2020 ao site do Comité Olímpico Internacional.
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“Eu já batalhava questões de saúde mental antes de saber a minha sexualidade. Eu sabia que estava a lutar. Desejava ter conseguido mais tempo para aceitar a minha sexualidade durante a minha carreira mas não o fiz. Há uma parte de mim que se arrepende, mas as circunstâncias eram complicadas e não sabia o que fazer. Perguntaram-me se era gay quando era adolescente, e não é uma pergunta apropriada para aquela idade, ou de todo”, afirmou.
Explicou ainda que, devido à tal lesão do ombro de 2011, que necessitou de uma intervenção cirúgica, consegue apenas “fazer umas voltas na piscina“, mas nada de muito sério.
A lenda já não compete mas multiplica-se em ideais e lutas por causas, entre as quais os direitos LGBT. Sente-se feliz assim? Diz apenas que Ian Thorpe é Ian Thorpe. “É quem eu sou. Lutei para assumir a minha sexualidade, mas não luto para estar na minha sexualidade. Apenas me levou tempo. E é isso que que todos precisam também. Não sabemos as circunstâncias pelos quais os outros passam para chegar lá. Não sei. Não tenho respostas. Só quero ter a certeza que as pessoas estão ok. Mas o melhor exemplo e a melhor sugestão que já ouvi foi que a melhor razão para uma pessoa se assumir é tornar-se um exemplo e que se torna mais fácil para outra pessoa”, explicou o precoce campeão, ainda hoje a vencer, mas fora das piscinas.