A independência do sistema de Justiça venezuelano foi posta em causa pela Missão Internacional Independente de Determinação dos Factos (Missão) da ONU para a Venezuela, num relatório divulgado esta quinta-feira.
O relatório, que será debatido no Conselho de Direitos Humanos da ONU, acusa a Justiça da Venezuela de ter servido para cometer graves violações dos direitos humanos contra os opositores do Governo.
“A Missão tem motivos razoáveis para acreditar que o sistema judicial tem desempenhado um papel significativo na repressão estatal de opositores ao Governo, em vez de proporcionar proteção às vítimas de violações dos direitos humanos e crimes”, explica o relatório.
O documento sublinha que “os efeitos da deterioração do Estado de direito espalharam-se além das pessoas diretamente afetadas, refletindo-se em toda a sociedade”.
Criada em 2019 e presidida pela portuguesa Marta Valiñas, a Missão considera que juízes e procuradores não garantiram os direitos dos opositores reais ou tidos como tal “por terem sofrido interferências da hierarquia do poder judicial ou do Ministério Público”, em particular em casos levados a tribunais com jurisdição sobre terrorismo.
O organismo refere ainda que foi negligenciada a obrigação de proteger os opositores contra detenções arbitrárias sem mandado judicial, justificadas frequentemente sob o pretexto de flagrante delito, ao contrário do que teria emergido dos factos.
“As detenções preventivas foram utilizadas rotineiramente e não como uma medida excecional, sem justificação suficiente ou adequada. Por vezes, foram ordenadas detenções nas instalações do Serviço Bolivariano de Inteligência (SEBIN, serviços de informação) ou da Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM, serviços de informação militar), apesar do risco de tortura, inclusive, quando os detidos mostravam sinais compatíveis com torturas na sala de audiências”, lê-se no documento.
Segundo a Missão, “os frequentes atrasos processuais, para além dos prazos legais” prolongaram prejudicialmente a prisão preventiva e medidas cautelares, com efeitos devastadores na vida dos suspeitos, incluindo a saúde física e mental e a das famílias”.
A Missão diz ainda que alguns atores do sistema judicial venezuelano “privaram os detidos do direito a representação legal, negando-se a autorizar a nomeação de advogados de defesa privado e insistindo que fossem representados por um advogado oficioso”, tendo negado o acesso a documentos cruciais.
“O Estado não adotou medidas tangíveis, concretas e progressivas para remediar as violações dos direitos humanos, combater a impunidade e reparar as vítimas através de investigações e julgamentos. A informação oficial é escassa, mas as provas disponíveis sugerem que o número de processos judiciais internos por violações dos direitos humanos é baixo e está limitado a perpetradores de baixa patente” afirma o relatório.
No entanto, a Missão “reconhece alguns avanços recentes” entre os quais a ordem emitida a 12 de maio de 2021 para transferir os detidos da DGCIM e do SEBIM para centros de detenção do Ministério de Serviços Penitenciários.
Além disso, refere, em 29 de abril de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça ordenou acelerar os processos judiciais dos detidos em instalações policiais e em 21 de junho último foi criada uma comissão especial para tratar dos atrasos processuais e sobrelotação de prisões.
Segundo a Missão, se o Ministério Público e a Justiça “tivessem desempenhado adequada e plenamente o seu papel constitucional, poderiam ter impedido muitos destes crimes e violações ou, pelo menos, colocado travões rigorosos para obstaculizar a capacidade dos membros dos serviços de segurança pública e de inteligência (serviços secretos) do Estado de os cometer”.