Investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) lideram um projeto que, focado nos mexilhões de água doce, visa avaliar o impacto das alterações climáticas nestes ecossistemas e se estes organismos já estão no seu limite térmico.

Em declarações à Lusa, Elsa Froufe, investigadora do centro da Universidade do Porto, explicou esta quinta-feira que o projeto, intitulado EdgeOmics, visa “avaliar e prever o impacto resultante das alterações climáticas na biodiversidade de água doce”, desde a bacia do mediterrâneo ao Norte da Europa.

Para tal, os investigadores vão debruçar-se sobre os mexilhões de água doce, uma espécie de bivalve que é considerada o “engenheiro dos ecossistemas” por ter funções e características “extremamente importantes”, como a purificação da água.

Estes organismos purificam a água e são extremamente eficazes nessa função, mas também servem de alimento para outras espécies, as suas conchas servem de abrigo, têm um impacto muito grande no ciclo de azoto e na sedimentação”, esclareceu.

A investigação, que arrancou há cerca de três meses, vai analisar ecossistemas de água doce em vários locais da Europa, incluindo Portugal, nomeadamente, em “rios intermitentes mediterrâneos”.

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“São rios que não correm constantes, que têm caudais elevados durante o inverno, mas no verão secam quase completamente e deixam uns pegos (espécie de poça). Os organismos que vivem nestas poças já têm de ter adaptações para conseguirem sobreviver, mas a ideia é saber se, com as alterações climáticas, estes organismos estão a viver no seu limite térmico“, afirmou a investigadora.

Durante os últimos meses, os investigadores do CIIMAR procederam a ações de campo e fizeram amostragens no Parque Natural do Guadiana, na zona de Mértola.

“Começámos por colocar sensores em três pegos que registam a temperatura de hora em hora”, esclareceu Elsa Froufe, adiantando que, com base na informação recolhida, “as temperaturas são de facto elevadas”, atingindo os 30 graus Celsius.

“Aquilo que estamos a ver neste momento é de facto temperaturas muito elevadas. Claro que não é constante, o que também é muito interessante, porque a água chega aos 30 graus Celsius durante o dia, mas depois arrefece durante a noite. Há um ciclo e estes 30 graus nunca serão durante muitos dias seguidos, só que com as alterações climáticas, as ondas de calor começam a ser cada vez mais crescentes“, acrescentou.

Para tentar perceber se os mexilhões de água doce conseguem acompanhar o curso de água, assim como se conseguem aguentar a elevada e inconstante temperatura, o projeto contempla um segmento laboratorial “muito forte”, até porque “no campo nem sempre é fácil”.

Em laboratório, os investigadores vão por isso tentar mimetizar as alterações climáticas, simulando a descida da água com rampas e a diferentes velocidades, tal como o aumento da temperatura.

Apesar de se focar nos mexilhões de água doce, a investigação abrange também outras espécies, uma vez que “a proteção dos bivalves terá consequências na proteção de todo o habitat”.

A investigação vai procurar ainda recolher informação genética destes organismos (grupo composto por cerca de 800 espécies e apenas com quatro genomas publicados) para tentar “gerar possíveis ligações entre as variações genéticas que ajudem a perceber como é se adaptam às alterações climáticas”, disse à Lusa André Santos, investigador do CIIMAR.

Além do CIIMAR, o projeto, que se vai desenvolver ao longo dos próximos três anos, conta com a colaboração da Universidade do Minho, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, ICETA, Instituto Politécnico de Bragança, Karlstad University (Suécia), University of Rome (Itália), Université de Montreal (Canadá) e Research Associate, Institute of Systematics, Evolution, Biodiversity (França).