A Comissão Parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados quer aprovar durante a próxima semana um novo diploma sobre o enriquecimento injustificado e as obrigações de declaração por parte dos titulares de cargos políticos e altos titulares de cargos públicos. Nos contactos feitos pelo Observador, os partidos – à esquerda e à direita –, acreditam que vai ser possível chegar a um texto final, preferencialmente na reunião de terça-feira.

Apesar de divergências, sobretudo entre a proposta base do PS e as ideias do PSD, os partidos acreditam que vai ser possível chegar a um entendimento que recolha os votos da maioria, ainda que a proposta possa depois voltar a enfrentar dúvidas por parte dos juízes do Tribunal Constitucional.

O presidente da Comissão, Jorge Lacão, diz ao Observador que na reunião que decorreu esta semana “existiu um consenso em adotar como base do texto comum a proposta do Partido Socialista” e mostra-se confiante de que vai ser possível construir um novo diploma já na próxima semana. Alguns dos partidos contactados pelo Observador dizem também acreditar num texto final já durante a próxima reunião.

Apesar da vontade maioritária em chegar a um novo diploma existem ainda divergências por ultrapassar, umas mais de pormenor, outras relacionadas com o espírito geral da nova lei do enriquecimento injustificado. A coordenadora do PSD na comissão, Mónica Quintela, frisa que “a proposta do PSD tem uma filosofia distante do PS. Quer ir mais longe”, mas admite já que algumas propostas foram sendo integradas neste texto conjunto que está a ser redigido, o que pode levar a uma aproximação das partes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mesmo que o processo legislativo chegue a bom porto já durante a próxima semana, ou mesmo com atrasos, até ao final desta legislatura, o documento pode encontrar novamente entraves no Tribunal Constitucional. Ao Observador, um dos deputados envolvidos nas negociações reconhece que existem normas que podem novamente chumbar no crivo do Palácio Ratton e repetindo erros do passado, como a violação do principio da presunção de inocência.

Depois de vários chumbos e contribuições, o que muda na nova proposta?

Na sequência da discussão pública da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses emitiu uma série de recomendações para um diploma sobre o enriquecimento injustificado. Nessa proposta de aperfeiçoamento, o Partido Socialista, que construiu o texto base deste novo diploma, propõe o alargamento da moldura penal para ocultação de enriquecimento para cinco anos de prisão e alarga também as obrigações de declaração, passando a ser mandatório identificar o que originou um aumento de património ou de rendimentos.

Na proposta que está a ser redigida, passa também a ser obrigatório incluir na declaração entregue pelos titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos os factos que justificam um aumento de rendimentos ou de património superior a 50 salários mínimos nacionais, o que equivale aproximadamente a 33 mil euros.

Um dos pontos que o PS aponta como solução para ultrapassar a inconstitucionalidade das propostas anteriores é um alargamento do tipo de crimes. Para além do crime de ocultação, o PS quer incluir também o crime de omissão intencional. Ou seja, com o alargamento dos factos que são obrigatórios declarar, passa também a ser criminalizado quem deixa de fora, de forma intencional, uma parte dessa informação.

O PCP levanta dúvidas quanto a esta proposta especifica por considerar difícil provar a “intencionalidade” da omissão. Numa das reuniões de preparação, João Oliveira argumenta que “em muitas circunstâncias identificar dolo é já uma tarefa penosa. Quando se trata de identificar omissões isso torna-se ainda mais complicado”.

Ainda assim, o PCP tem, até historicamente, estado ao lado de uma lei sobre o enriquecimento injustificado, tendo integrado uma proposta de lei que foi aprovada em 2011 com o Bloco de Esquerda e com a maioria PSD/CDS.

Ainda no que ao texto final diz respeito, a fiscalização das novas obrigações é também um ponto que vai gerando divergências entre o PS e o PSD. Ao contrário do que sugere a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o PS mantém na proposta que a criminalização só é possível depois de notificação das entidades responsáveis pela análise das declarações apresentadas, enquanto o PSD que a ocultação de riqueza seja comunicada ao Ministério Público dando assim inicio a uma investigação. Esta é aliás a proposta dos sociais-democratas para garantir a presunção de inocência e tentar obter luz verde por parte do Tribunal Constitucional.

Chumbado em 2012, 2015 e 2019. À quarta será de vez?

Os juízes do Palácio Ratton já chumbaram por três vezes diplomas para criminalizar o enriquecimento injustificado ou ilícito. Na proposta apresentada agora, o PSD até diz que “está ampla e decididamente demonstrado que este tipo de criminalização não passará no crivo do Tribunal Constitucional por resultar inequívoca a violação de princípios constitucionais há muitos consagrados e consolidados” e que por isso “não se insistirá nesse tipo de criminalização”, procurando dar a volta com outros termos como a “ocultação”.

Em 2019, o Tribunal Constitucional apontou a violação da presunção de inocência como uma das razões para chumbar o diploma, utilizando os mesmos argumentos do chumbo de 2012. Pelo caminho, em 2015, Cavaco Silva tinha também pedido a fiscalização preventiva de dois artigos da lei, que foram também rejeitados pelo Constitucional.

Nas nove propostas apresentadas e que vão ser condensadas num único texto que deverá conseguir ser aprovado na Assembleia da República, praticamente todos os partidos referem o passado de inconstitucionalidade e de dificuldades em legislar sobre o enriquecimento injustificado. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses enviou durante este ano uma proposta de legislação aos grupos parlamentares, mas criticou já as propostas do PS e do PSD por considerar que “mantêm os alçapões que impedem que a lei funcione”