Em Portugal, estima-se que anualmente se registem 1.160 mortes causadas por bactérias resistentes e a Direção-Geral da Saúde (DGS) alerta para a importância de utilizar antibióticos apenas quando necessário, para que não se venham a tornar ineficazes.
Artur Paiva, diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e Resistências aos Antimicrobianos (PPCIRA), implementado em 2013, sob a alçada da DGS, explica à Lusa que o principal fator determinante para as bactérias ganharem resistência é a exposição a antibióticos, por conseguirem estabelecer mecanismos adaptativos e registarem mutações. Daí a importância da utilização responsável destes fármacos, para que não se corra o risco de retroceder nos cuidados médicos.
“Este cenário de o antibiótico ser um bem escasso em vias de extinção é uma consciencialização muito significativa e temos de evitar a utilização desnecessária do antibiótico”, realçou, em declarações à agência Lusa, Artur Paiva.
O responsável pelo PPCIRA acentuou os efeitos adversos individuais da utilização abusiva de antibióticos, mas também os efeitos coletivos, ecológicos, que faz com que as bactérias fiquem mais resistentes e “potencialmente criarem o risco de os antibióticos perderem a efetividade para as gerações futuras”.
“Se nada for feito à escala mundial, em 2050 teremos as infeções como a primeira causa de morte”, referiu o especialista em Medicina Interna, que remete para os anos 30 do século passado, quando o fármaco não existia e as infeções eram a segunda causa de morte, estando agora em oitavo ou nono nesse ranking.
Em 2011, Portugal apresentava das mais elevadas taxas de infeção hospitalar e também das mais elevadas taxas de doentes hospitalizados a fazer antibiótico. Com a criação do PPCIRA, esses números “diminuíram significativamente”, através de “estratégias educacionais, produção de normas e até algumas estratégias de mudança comportamental, nomeadamente de programas de apoio à prescrição adequada do antibiótico nos hospitais e melhoria das estratégias que evitam a transmissão”.
“Temos obtido um percurso positivo. Embora a taxa de infeções hospitalares ainda seja alta, temos uma redução franca”, acentuou Artur Paiva.
O diretor do PPCIRA considerou que a consciencialização para os efeitos perniciosos da má utilização de antibióticos é uma responsabilidade não apenas dos médicos prescritores, mas também dos cidadãos, que deve “saber regras básicas”.
Além de estarem cientes de que só podem ser tomados com receita médica e a automedicação ser um erro, os cidadãos devem também saber que não devem guardar antibióticos em casa. As sobras devem ser entregues na farmácia e não deitadas na sanita ou no lixo doméstico, “porque irão ser lançados no ambiente e produzir o efeito de resistência”, vincou Artur Paiva.
Se em 2011 Portugal era dos países que mais consumia medicamentos na saúde humana, atualmente está abaixo da média europeia no consumo de antibióticos e, “por causa disto, a resistência de muitas bactérias está a diminuir”, frisou o diretor do programa de prevenção.
As infeções mais frequentes, segundo Artur Paiva, estão associadas a dispositivos que atravessam áreas habitualmente com bactérias para zonas sem bactérias. Nesses casos, “o risco de infeção aumenta muito”, como acontece com as algálias, com passagem da uretra para a bexiga, com doentes ventilados, com a passagem de equipamentos da boca para o pulmão, o que aumenta o risco de pneumonia, ou as infeções ligadas às cirurgias, com o corte de pele que expõe tecidos normalmente protegidos.
“As infeções urinárias associadas à algália, as pneumonias hospitalares e as infeções do local cirúrgico são as três mais frequentes”, indicou o especialista em Medicina Interna, que mencionou serem as infeções em que os números têm melhorado, enquanto outras, associadas a cirurgias ao colo do intestino, “estão estabilizadas”.
“Como partimos de uma posição de uma prevalência elevada, queremos continuar este percurso de melhoria adicional”, sublinhou Artur Paiva.
Se no estudo feito em 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) se apontava para 1.160 mortes anuais em Portugal provocadas por bactérias resistentes a vários antibióticos, estima-se que, na Europa, “uma em cada cinco destas Infeções hospitalares é causada por bactérias resistentes”.
“Há uma evolução muito positiva da prescrição adequada e há também uma evolução positiva na consciencialização do cidadão para os riscos da toma indevida do antibiótico. Quando é preciso tomar antibiótico, há que prescrevê-lo pelo tempo mínimo que seja necessário, mas nunca o prescrever quando não é necessário”, acrescentou Artur Paiva.
Esta quinta-feira assinala-se o Dia Internacional do Antibiótico e a DGS assina com a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) um memorando de entendimento com o objetivo de combater as infeções hospitalares e reduzir o uso excessivo de antibióticos.
A parceria visa implementar, através do PPCIRA, em 12 unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), durante os próximos três anos, o projeto Desafio STOP Infeção Hospitalar 2.0, que pretende replicar um projeto semelhante promovido entre 2015 e 2018, reduzindo as infeções hospitalares em mais de 50% em 12 instituições hospitalares nacionais.
De acordo com Artur Paiva, uma das ações previstas no memorando é “a expansão do Stop Infeção Hospitalar a mais hospitais do país”.
Na cerimónia agendada para as 16h00, na FCG, onde está prevista a presença do secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, será também formalizada uma colaboração para acelerar a diminuição, na ordem dos 20%, da sobreutilização de antibióticos em cuidados de saúde primários e hospitalares do SNS, com o projeto Desafio Boas Escolhas, Melhor Saúde.
Consumo de antibióticos na Europa cai 15% durante a pandemia
O consumo de antibióticos na Europa caiu 15% entre 2019 e 2020 nos cuidados primários devido à pandemia de Covid-19, revela a Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, alertando para “elevados níveis” de resistência antimicrobiana.
“Os últimos dados do ECDC mostram uma diminuição no consumo total de antibióticos humanos em mais de 15% entre 2019 e 2020. Isto tem sido observado na maioria dos países da UE/EEE [União Europeia e Espaço Económico Europeu], principalmente nos cuidados primários e muito provavelmente em resultado da pandemia de Covid-19″, revela a agência europeia em comunicado.
Num relatório divulgado a propósito do Dia Europeu de Sensibilização para o Uso Racional de Antibióticos, que se assinala esta quinta-feira, o ECDC justifica que a redução nestes últimos dois anos “ocorreu sobretudo no setor dos cuidados primários e pode ser resultado de uma diminuição do número de consultas dos cuidados primários, quer por hesitação em procurar cuidados de saúde para infeções ligeiras autolimitadas, quer por dificuldades em obter uma consulta”.
Tal situação resultou em “menos prescrições de antibióticos para infeções leves e autolimitadas e teve um efeito mais notório em países onde o uso excessivo e inadequado era comum antes da pandemia”, acrescenta o centro europeu, falando ainda na “baixa incidência notificada de infeções respiratórias não relacionadas com a Covid-19 na UE/EEE em 2020” devido à adoção de medidas como distanciamento físico, confinamentos, etiqueta respiratória, utilização de máscaras faciais e higiene das mãos.
Porém, apesar desta redução acentuada no consumo de antibióticos, os níveis de resistência antimicrobiana (RAM) “permanecem elevados para várias combinações importantes de espécies bacterianas e grupos antimicrobianos, com as percentagens mais elevadas geralmente comunicadas pelos países do sul e leste da Europa”, alerta o ECDC.
A RAM põe em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número cada vez maior de infeções por vírus, bactérias, fungos e parasitas.
Segundo dados do ECDC, todos os anos ocorrem na UE/EEE mais de 670 mil infeções devido à resistência bacteriana aos antibióticos e aproximadamente 33 mil pessoas morrem como consequência direta destas infeções.
O peso da RAM na saúde é comparável ao da gripe, tuberculose e VIH/SIDA combinados, retrata a agência europeia.
A diretora do ECDC, Andrea Ammon, assinala que “a Covid-19 tem sido o foco de todos desde o início de 2020 e com razão”.
“Contudo, apesar da pandemia ainda em curso, não nos podemos dar ao luxo de negligenciar outras grandes questões globais de saúde pública, tais como a RAM”, destaca a responsável.
Ressalvando serem “necessárias mais análises para compreender melhor as razões deste decréscimo [no consumo de antibióticos] e se este terá um impacto na resistência antimicrobiana”, Andrea Ammon fala numa “boa notícia”.
A diretora do ECDC exorta, assim, a que as autoridades sanitárias europeias recorram “com prudência” aos antibióticos e apostem em “boas práticas de prevenção e controlo de infeções”, dado o “sério desafio” da resistência antimicrobiana.
No conjunto da UE/EEE, o ECDC adianta no relatório que “a maioria dos países relatou uma diminuição substancial entre 2019 e 2020”, no consumo de antibióticos tanto na comunidade como no setor hospitalar, “embora as diminuições fossem geralmente maiores na comunidade do que no setor hospitalar”.
Portugal e mais seis outros países (Estónia, Grécia, Hungria, Itália, Letónia e Malta) reportaram, desde logo, “uma diminuição na comunidade, mas um aumento no setor hospitalar”, conclui a agência europeia.