A introdução de um pronome não binário — iel — no Le Petit Robert, um conceituado dicionário francês, desencadeou uma forte discussão de linguistas no país, uns a favor, outros contra.

Le Petit Robert introduziu o pronome “iel” — a junção de “il” (ele) e “elle” (ela) — na sua edição online no mês passado e, embora o termo esteja a ganhar popularidade entre os jovens, ainda está longe de ser amplamente usado, ou mesmo compreendido, por muitos falantes de francês.

Embora a princípio a mudança tenha passado despercebida, um forte debate estalou esta semana numa nação que se orgulha da sua tradição de direitos humanos, mas que também protege ferozmente a sua herança cultural da intromissão estrangeira.

De um lado estão os tradicionalistas, incluindo alguns líderes políticos, que criticam a medida como um sinal de que a França está a inclinar-se em direção a uma ideologia “acordada” ao estilo americano, do outro, está uma nova geração de cidadãos que adotam o não-binário como norma.

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“É muito importante que os dicionários incluam o pronome “iel” nas suas referências, pois isso reflete como o uso do termo agora é bem aceite”, disse Dorah Simon Claude, uma estudante de doutoramento, de 32 anos, que se identifica como “iel”.

Segundo esta é também uma forma de “confrontar a Academia Francesa, que permanece no seu canto conservador e continua a ignorar e a desprezar os usuários da língua francesa”.

Por seu turno, o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, não partilha da mesma ideia, tendo escrito na sua conta do Twitter que “a escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”.

O ex-professor de direito, de 56 anos, alertou que os alunos não deveriam usar “iel” como um termo válido, apesar da sua inclusão em Le Robert, visto como uma autoridade linguística em francês desde 1967.

François Jolivet, um legislador do partido centrista do presidente Emmanuel Macron, também deixou claro o seu desgosto, afirmando que os pronomes não binários são “um sinal preocupante de que a França está a adotar uma ideologia ‘acordada'”.

Jolivet escreveu uma carta ao bastião da língua francesa, a Academie Française com 400 anos, alegando que a “campanha solitária de Le Robert é uma intrusão ideológica óbvia que mina a língua comum e a sua influência”.

O diretor geral das edições Le Robert, Charles Bimbenet, veio, por seu turno, em defesa do dicionário na quarta-feira através de um comunicado.

“Longe de ditar quais os termos que devem ser usados, Le Petit Robert estava a elucidar o significado da palavra, agora que está crescendo em todo o país”, referiu.

Uma vez que “o significado da palavra “iel” não pode ser compreendido lendo-o sozinho”, disse Bimbenet, acrescentando que “pareceu útil especificar o seu significado para aqueles que o encontram, se desejam usá-lo ou … rejeitá-lo”.

A missão do Le Peiti Robert é “observar e relatar a evolução de uma língua francesa mutável e diversa”, disse Charles Bimbenet.

Em 2017, a Academie Française alertou que movimentos para tornar a língua francesa mais neutra em termos de género criariam “uma língua desunida, com expressões díspares, que podiam criar confusão ou ilegibilidade“.

Línguas com género, como o francês, são vistas como um obstáculo particular para os defensores de termos não binários, pois todos os substantivos são categorizados como masculinos ou femininos, ao contrário do inglês.