Cada vez mais estudantes de origens socioeconómicas desfavorecidas frequentam o ensino superior em Portugal, mas mantêm-se as desigualdades no acesso ao emprego para estes jovens que enfrentam maior risco de desemprego, alerta um estudo do Edulog.
O estudo da iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo indica que o alargamento do ensino superior ainda não é suficiente para combater as desigualdades, continuando a registar-se mais casos de abandono escolar, maiores dificuldades na entrada no mercado de trabalho e “maior risco de desemprego” entre os alunos de contextos socioeconómicos mais frágeis.
O problema começa muito antes: “Existe uma grande percentagem de jovens que são hoje os primeiros a ter um curso superior na família”, contou à Lusa Alberto Amaral, membro do Conselho Consultivo do Edulog.
Nos anos 60, Alberto Amaral era um dos cerca de 50 mil estudantes do ensino superior em Portugal e “a percentagem de jovens de classe mais baixa era extremamente reduzida”, recordou em declarações à Lusa.
Atualmente, as universidades e institutos politécnicos têm oito vezes mais alunos: só no ano passado havia 412 mil estudantes inscritos.
Há cada vez mais jovens de classes mais baixas no ensino superior, mas, regra geral, estes não entram para os melhores cursos nem para as melhores instituições“, alertou Alberto Amaral, que foi reitor da Universidade do Porto ao longo das décadas de 1980 e 1990.
Oriundos de famílias com baixa formação académica e muitas vezes com baixos rendimentos, estes jovens não têm o mesmo apoio no ensino obrigatório.
Os alunos de meios socioeconómicos mais favorecidos podem ter ajuda em casa, têm explicações quando não conseguem acompanhar as matérias dadas nas aulas, frequentam colégios e os pais podem ser uma mais-valia no momento de escolher o curso superior, apontou.
Nos cursos com notas de acesso mais elevadas, como medicina ou engenharia industrial, há poucos alunos carenciados. “A percentagem de alunos bolseiros é muito mais baixa em medicina do que em enfermagem”, exemplificou, baseando-se nos resultados do estudo “Estudantes nacionais e internacionais no acesso ao ensino superior”.
O estudo revela que a massificação do acesso ao ensino superior ainda não conseguiu colmatar as desigualdades. “Este é um processo longo e demorado e vão ser precisas várias gerações“, disse.
Os estudantes que decidem candidatar-se ao ensino superior são influenciados nas suas escolhas pelo contexto socioeconómico de onde provêm. Os alunos de ambientes mais favorecidos têm melhores notas no ensino secundário e nos exames nacionais, podendo depois candidatar-se aos cursos mais seletivos que, regra geral, são oferecidos pelas universidades.
Além disso, para os estudantes de contextos mais desfavorecidos é mais difícil suportar os custos associados à frequência de uma instituição privada, ou de suportar os custos de mobilidade e o nível de vida em algumas cidades, acrescenta o estudo hoje divulgado.
Esta “falta de equidade no acesso ao ensino superior verifica-se um pouco por todo o mundo, sendo o mais curioso o facto de esse efeito se manter depois no acesso ao emprego”, sublinhou Alberto Amaral, explicando que os estudantes de contextos desfavorecidos “enfrentam maior risco de desemprego”.
O estudo conclui por isso que o ensino superior nem sempre consegue cumprir o seu papel de promotor da mobilidade social.
Os investigadores do Edulog concluíram que, em média, “os estudantes que terminam a sua formação académica em universidades públicas tendem a ter uma menor propensão ao desemprego do que os dos politécnicos públicos”.
Segundo o estudo, o problema não está na qualidade da formação dada pelos politécnicos: a diferenciação é resultado de os institutos politécnicos receberem estudantes de contextos socioeconómicos mais diversos, “sendo uma maior propensão ao desemprego um reflexo das desigualdades já existentes no momento do acesso, e não uma falha do ensino politécnico no cumprimento da sua missão”, explica o estudo divulgado esta segunda-feira.
Abandono escolar no superior é maior entre alunos mais desfavorecidos
O abandono escolar no ensino superior é mais elevado entre os alunos mais desfavorecidos, segundo um estudo que alerta para o facto de as famílias portuguesas fazerem um esforço financeiro acima da média europeia.
Num país onde cada vez mais alunos frequentam o ensino superior, os investigadores do Edulog quiseram perceber se essa massificação do acesso tinha conseguido combater as desigualdades na permanência ou abandono dos estudos.
Os resultados divulgados mostram que não: “Quanto menos favorecido é o contexto socioeconómico do estudante, maior é a taxa de abandono”, revela o estudo do Edulog ‘Estudantes nacionais e internacionais no acesso ao ensino superior’.
O estudo da iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo aponta vários motivos para o problema, entre os quais o custo que representa para uma família ter um filho a estudar no ensino superior: em Portugal, “alguns dos fatores responsáveis pelo abandono prendem-se com as condições socioeconómicas do país”, lê-se no documento.
Alberto Amaral, membro do Conselho Consultivo do Edulog e porta-voz do estudo, contou à Lusa que “para as famílias portuguesas a frequência no ensino superior representa um peso no seu orçamento superior à média da União Europeia, uma situação que é ainda mais agravada porque os portugueses têm rendimentos inferiores”.
Para Alberto Amaral o problema poderia ser minimizado com a atribuição de mais bolsas de estudo: “As bolsas de estudo são atribuídas apenas a famílias claramente desfavorecidas, que têm rendimentos extremamente baixos. Os alunos de famílias de classe média não têm acesso”, disse à Lusa Alberto Amaral.
O ex-reitor da Universidade do Porto nas décadas de 1980 e 1990 referiu que nos países nórdicos, “todos os alunos têm um salário que os tornam independentes da família”.
No entanto, esta não é a solução defendida por Alberto Amaral para Portugal — “porque seria uma despesa incomportável” — mas sim o alargamento de acesso às bolsas a mais alunos e “o aumento substancial do seu valor”.
No ano passado, o Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior valor a subir o valor da bolsa mínima (ficou em 871 euros), alargou o universo de bolseiros e reforçou o complemento de alojamento para quem estava a estudar fora da sua residência. Mas para Alberto Amaral é preciso fazer mais.
O estudo divulgado esta segunda-feira explica que para muitas famílias o ensino superior continua a ser visto como um investimento com retornos incertos no longo prazo e por isso muitos alunos são forçados a entrar mais cedo no mercado de trabalho para aumentar o rendimento familiar.
Mas existem outras razões por detrás do abandono escolar precoce. O estudo alerta para o facto de o acesso ao ensino superior ainda não ser igual para todos: os jovens de meios mais favorecidos têm mais hipóteses de conseguir um lugar num curso superior mais procurado e por isso com médias de acesso mais elevadas.
Os investigadores do Edulog concluíram que os alunos que conseguem entrar no curso que escolhem como primeira opção no momento da candidatura ao ensino superior são os que menos abandonam os estudos.
Assim como a satisfação do estudante é um fator favorável à sua decisão de se manter na escola.
O estudo indica ainda que também os subsistemas, tipos de curso e áreas de formação influenciam a taxa de abandono no ensino superior, sendo, em média, menor no sistema universitário do que no ensino politécnico.
A taxa de abandono é mais baixa nos cursos de mestrado integrado (3,5%) e de licenciatura de 1º ciclo (8,8%), e mais elevada nos cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP) e mestrados de 2º ciclo, com 18% e 15,8%, respetivamente.
Já as áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática apresentam taxas de abandono inferiores (5,7%), quando comparadas com as restantes (9,7%).
Alberto Amaral recorda que há cada vez mais alunos no ensino superior que são oriundos de famílias socioeconómicas desfavorecidas, mas, regra geral, não entram “para os melhores cursos nem para as melhores instituições”.
Além da alteração das condições de atribuição de bolsas de ação social e do seu valor, o estudo defende outras recomendações como o reforço da oferta formativa.
Estudantes estrangeiros duplicaram numa década mas falta oferta em inglês
O número de estudantes estrangeiros no ensino superior português mais do que duplicou na última década, mas a “fraca oferta” de cursos em inglês faz com que sejam, maioritariamente, falantes de português, revela o estudo do Edulog.
O estudo “Estudantes nacionais e internacionais no acesso ao ensino superior” divulgado pela Fundação Belmiro de Azevedo mostra que há mais alunos estrangeiros a escolher Portugal para estudar, mas muitas instituições continuam a ignorar as recomendações feitas pelo Governo há sete anos.
Em 2014 o relatório “Uma Estratégia para a Internacionalização do Ensino Superior Português” apresentava várias advertências que, segundo o estudo, “não foram aplicadas”. Uma delas era a importância de ter formação educativa ministrada em inglês.
No ano letivo 2019/20, dos quase 50 mil estudantes internacionais, quase três em cada quatro (72,9%) falavam português: 40,63% eram provenientes do Brasil e 32,29% da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Dos restantes cerca de 13 mil alunos destacavam-se os jovens oriundos de Espanha, França, Itália e Alemanha, “havendo comunidades importantes de lusodescendentes em, pelo menos, alguns destes países”.
Para os investigadores do Edulog, esta realidade significa que se “mantém uma das fragilidades do processo de internacionalização resultante da fraca oferta de ciclos de estudo na língua inglesa”, uma questão que tinha sido abordada nas recomendações do relatório, “aparentemente sem grandes resultados”.
Os investigadores salientam ainda o facto de o Estatuto do Estudante Internacional excluir os alunos internacionais da possibilidade de se poderem candidatar a bolsas de estudo. Apenas os estudantes da CPLP são elegíveis, “o que coloca as nossas instituições em clara inferioridade num mercado de ensino superior concorrencial e globalizado”, refere o documento divulgado esta segunda-feira.
Outro dos problemas detetados prende-se com a burocracia para se conseguir obter os vistos dos estudantes extracomunitários.
O estudo alerta que nunca chegou a ser implementada a Via Verde, que era também proposta no relatório de 2014, e aponta para a ausência de uma coordenação nacional entre os organismos intervenientes no percurso dos estudantes internacionais.
Ao nível das motivações para o recrutamento de estudantes internacionais, as instituições apontaram razões culturais e académicas, mas também houve quem identificasse razões económicas e de sustentabilidade como o principal motivo para a sua internacionalização.
Já a respeito dos desafios apontados, o porta-voz do estudo, Alberto Amaral, alertou para o gradual decréscimo da taxa de natalidade em Portugal e para a necessidade de ter em Portugal esses estudantes estrangeiros.
Num futuro próximo, haverá uma redução de jovens portugueses a ingressar no ensino superior e por isso a internacionalização do ensino superior português será “uma das principais estratégias de suporte à sustentabilidade das instituições, e por isso é imperativo começar a adotar medidas que mitiguem as dificuldades no desenvolvimento internacional do nosso sistema de ensino”.
O Edulog recomenda um maior investimento no financiamento da investigação académica, para melhorar a visibilidade internacional do país a nível científico.
Além disso, defende a promoção de uma oferta formativa em inglês, precisamente para conseguir atrair estudantes além dos provenientes dos países de língua oficial portuguesa.
A criação de um “visto de estudante”, com base numa burocracia simplificada, tal como já acontece, por exemplo, na Alemanha, Polónia e Suécia, é outra das recomendações do estudo divulgado esta segunda-feira.