A timelapse da construção do Jeddah Corniche Circuit, na Arábia Saudita, mostrou mais uma vez que não há impossíveis (sobretudo quando dinheiro não falta) e aquilo que era um terreno sem nada tornou-se em pouco tempo num imperial palco para a penúltima corrida do Mundial de 2021. “Não me lembro de algo que tivesse sido construído de forma tão rápida na Fórmula 1”, assumiu Martin Whitaker, CEO da prova. O que poucos poderiam pensar era que, logo no ano de estreia, poderia ser ali que todas as decisões seriam tomadas. E se em condições normais tudo ficaria adiado para Abu Dhabi na próxima semana, um erro de Lewis Hamilton em Jeddah poderia ser suficiente para Max Verstappen fazer a festa do título.

“O congestionamento na pista é muito pior do que noutros lugares. É do estilo do circuito do Mónaco, só que a velocidade e a distância para os outros carros são quase uma zona de perigo. Mas é incrivelmente rápido e, conseguindo alcançar o ritmo, é fantástico de pilotar. Também notei que a aderência é grande”, comentara Hamilton após os primeiros treinos. “Pilotei nesta pista no simulador e parece-me ser muito rápida. Além disso, não dá margem para erros. Ainda assim, vamos estar um pouco a adivinhar porque nunca corremos cá mas estou ansioso pelo desafio”, salienta o rival Verstappen.

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Outros pilotos foram concordando com a ideia e aquilo que aconteceu na qualificação deste sábado foi a prova de como um erro pode deitar por terra toda uma estratégia: quando estava com um tempo de pole position, o neerlandês fez uma curva mais larga, bateu no muro, não foi além do terceiro lugar atrás dos dois Mercedes de Hamilton e Bottas e corria ainda o risco de descer um pouco mais na grelha.

“Vamos temos que desmontar e olhar para tudo. Vimos o que aconteceu com o Leclerc [Ferrari] em Monte Carlo, foi um impacto parecido com este que o Max [Verstappen] teve, decidiram não mudar e depois foi logo bang, as consequências tornaram-se claras logo na volta de aquecimento. Nós somos tão rápidos em pista que não necessitamos de correr riscos, se a caixa tiver algum dano ou problema, vamos trocar. É difícil ultrapassar nesta pista mas ainda assim preferimos mudar”, admitiu este sábado Helmut Marko, responsável da Red Bull, sabendo que o neerlandês iria cair pelo menos cinco lugares na grelha.

Ainda antes de as luzes vermelhas se apagarem, esse era o principal foco de interesse para a quinta corrida noturna da Fórmula 1 depois de Singapura, Bahrain, Sakhir e Qatar, até porque a vantagem de Verstappen tinha vindo a diminuir nas duas últimas corridas ganhas por Hamilton com o neerlandês em segundo, ficando agora antes da Arábia Saudita em apenas oito pontos, ainda que o piloto da Red Bull tivesse essa vantagem de ter ganho nove Grandes Prémios contra sete do rival da Mercedes. E o cenário não era tão mau como se equacionou, com o neerlandês a sair mesmo do terceiro lugar e a não ter a mínima hipótese de atacar uma das duas posições da frente na saída graças a uma boa colocação de Bottas. No entanto, o “azar” de um acabou por ser a “sorte” de outro, neste caso de Max Verstappen nas voltas iniciais.

Na décima volta, Mick Schumacher teve um erro de cálculo e acabou por embater numa barreira, o que motivou primeiro uma bandeira amarela e depois bandeira vermelha, com a Red Bull a arriscar até ao limite não trocando de pneus à espera de uma suspensão de prova. Ou seja, como os Mercedes foram logo às boxes, Verstappen passou para a frente e teve ainda o bónus de poder depois trocar de pneus sem ter de perder o primeiro lugar. “Isto é bandeira vermelha porquê? A barreira parece bem. Tentem perceber o porquê da bandeira vermelha. Isto é inacreditável! Eles [Red Bull] arriscaram muito. Faz sentido?”, atirava Hamilton nas comunicações com a equipa depois de perder a liderança. Mas estava só a começar.

O recomeço começou na grelha e parado, com Hamilton a arrancar melhor e Verstappen a tentar ganhar de novo posição e a saltar para a frente passando pelos limites de pista. Questão? Teria o britânico “forçado” o neerlandês a sair ou foi o neerlandês que arriscou demasiado e tentou depois corrigir. Essa seria sempre uma dúvida para os comissários responderem mas a discussão foi acelerada depois de mais uma bandeira vermelha, desta vez numa colisão forte entre Sergio Pérez e George Russell. E aquilo que se viu a partir daí foi quase um “regatear” de posições para não haver uma chegada do tema aos comissários, com Mercedes e Red Bull a assumirem que seria Esteban Ocon a sair na frente (porque estava em segundo, tendo ultrapassado no meio da confusão os Mercedes), Hamilton passava para segundo e Verstappen em terceiro.

A decisão promete dar muito que falar. Muito mesmo, que mais não seja pela incapacidade revelada pelo controlo da corrida em ver as imagens, assumir uma posição e anunciar a mesma às equipas. Pelo menos em termos públicos, nunca uma situação tinha acontecido. E não deverá voltar a acontecer.

O terceiro arranque estava pronto, com a Red Bull a apostar tudo no arranque colocando pneus médios novos em Max Verstappen que sairia da zona mais limpa da pista. Funcionou na perfeição: o neerlandês saiu que nem uma bala da traseira de Ocon, conseguiu ir buscar a trajetória por dentro na curva 1, o francês ainda passou para a frente por fora mas devolveu depois a posição, sendo ultrapassado pouco depois por Hamilton. O duelo entre os dois candidatos estava lançado, até porque Verstappen ganhou rapidamente dois segundos de avanço mas Hamilton conseguiu recuperar bem após subir a segundo.

A corrida continuaria a manter o seu cariz acidentado, com uma série de safety car virtuais no seguimento de pequenos choques e saídas, até à volta 37 que reacendeu a polémica: Hamilton arriscou passar, Verstappen desacelerou, houve a colisão, o britânico ficou com a asa dianteira danificada a ponto de chegar a ponderar pelas boxes até a equipa confirmar que os danos não eram suficientes para isso e Toto Wolff, o chefe da Mercedes, atirava os auscultadores ao chão furioso com o que se tinha passado enquanto o britânico alegava ter sido “condução perigosa”, sem que se percebesse se tinha sido a Red Bull ou os comissários a darem indicações ao neerlandês para ceder posição. Depois, e só depois, percebeu-se que tinha sido uma ordem dos comissários (e que Hamilton não teria sido avisado). Mas aquilo que se passaria a seguir seria ainda mais estranho e polémico, com Max Verstappen a estar no melhor e no pior.

O piloto da Red Bull cedeu a posição a Hamilton mas atacou logo de imediato, voltando ao primeiro lugar mas durante poucos segundos, em termos virtuais: ao mesmo tempo que isso acontecia, chegava uma penalização de cinco segundos a Verstappen por ter saído da pista, o que colocou Christian Horner, o chefe da Red Bull, a abanar com a cabeça enquanto Toto Wolff sorria (literalmente). O britânico conseguiria passar novamente o rival e, a sete voltas do final, a vitória estava mesmo entregue, o que leva agora todas as decisões para Abu Dhabi e com o Mundial empatado para os dois principais candidatos depois de Hamilton ganhar também o ponto extra pela volta mais rápida na corrida da Arábia Saudita, sendo que Verstappen ainda foi penalizado mais tarde com mais dez segundos sem efeitos na classificação. Ou seja, quem conseguir ficar na frente na última prova do campeonato de 2021 irá também sagrar-se campeão.