“É o São João que acontece todos os dias na minha rua”. As queixas de uma moradora da Rua dos Mártires da Liberdade, na zona da Movida do Porto, multiplicam-se por vários relatos que chegaram esta segunda-feira à Câmara Municipal do Porto. Os moradores estão descontentes com o barulho que todas as noites ouvem à porta de casa, e que os deixa sem descanso, e com o consumo de álcool na via pública, decorrentes do fenómeno do “botellón” que nos últimos tempos tem preenchido as ruas da cidade.
“São centenas de pessoas a beber, a cantar e a falar alto. Não nos deixam dormir. Aos fins de semana não durmo na minha cama, tenho de ir para a sala por causa do barulho”, conta uma outra moradora da mesma rua. Os relatos foram apresentados no final da reunião do executivo desta segunda-feira e voltaram a trazer para cima da mesa a discussão de mais medidas de controlo da Movida do Porto.
Na Rua dos Mártires da Liberdade o cenário que muitos moradores dizem ter à porta de casa é “uma balbúrdia” que não lhes dá descanso, mesmo com as inúmeras tentativas de chamar as autoridades para controlar a situação. “Todas as noites, de domingo a domingo, é uma balbúrdia. É o São João que acontece todos os dias na minha rua”, refere uma moradora, acrescentando que o barulho não vem apenas do interior de alguns estabelecimentos, mas da rua, onde se concentram “centenas de pessoas” a consumir bebidas alcoólicas e drogas. “É impossível vivermos a ouvir esta quantidade de barulho até às duas da manhã todos os dias”, queixa-se a moradora, criticando “a conivência” das autoridades e da autarquia.
Para a portuense, a rua neste momento “não serve para nada”. “Era uma estritamente residencial. Não é uma rua de armazéns, nem uma rua de escritórios, é uma rua de pessoas que vivem lá”, refere, queixando-se de que os habitantes são tratados “como moradores de segunda”. “Digam-nos para onde é que podemos ir para fugir da Movida“, apelou.
Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, disse compreender as queixas e ressalvou que este é um dos assuntos que mais preocupação tem gerado, mas que a autarquia não consegue fazer muito mais do que tem feito, uma vez que a lei permite o consumo de álcool na via pública (a única exceção ocorreu durante o confinamento). O autarca assumiu que “todos somos coniventes por permitirmos que as leis que foram criadas deem excessivamente a uns e tirem a outros”.
“Enquanto o consumo de álcool na via pública for permitido por lei, nem a Câmara nem a polícia podem fazer nada. Entendo que o consumo de álcool e estupefacientes na via pública tem de ser controlado de alguma maneira. Os direitos têm de ser equivalentes para uns e para outros”, alertou o presidente da Câmara do Porto, sublinhando que o regulamento da Movida está a ser reavaliado, numa tentativa de travar o fenómeno do “botellón” e controlar a venda de bebidas ao postigo e o ruído em período noturno.
Também no Largo Alberto Pimentel, bem perto da Rua dos Mártires da Liberdade, o cenário é semelhante: “É de domingo a domingo, seja em horário diurno ou noturno”, descreve um morador, queixando-se das situações que vai presenciando, desde o consumo de drogas e bebidas alcoólicas à porta de casa ao barulho “horrível” das colunas de som portáteis. “Acho que o largo tem mais potencial para ser conhecido do que apenas pela cerveja a 50 cêntimos”, sublinha.
Câmara do Porto quer revisitar regulamento da Movida para travar “botellón”
Rui Moreira considera “inaceitáveis” este tipo de comportamentos na via pública e aconselhou o morador a fazer uma petição e a enviar o documento para o Parlamento. “Eu ajudo a redigir e assino”, garantiu, acrescentando que a ideia de que esta situação “só acontece nos bairros sociais é mentira”. “É um problema que existe em toda a cidade. Tem que haver uma ferramenta e a ferramenta tem que ser jurídica”.
O autarca defende que antes da pandemia existia um “botellón formal”, mas que as restrições implementadas para controlar a pandemia de Covid-19 acabaram por levar a que as pessoas “transferissem os seus atos para o espaço público”. “E agora o caldo está entornado”, alertou o autarca, referindo que foi gerado um novo comércio noturno: o comércio ao postigo, destinado à venda de bebidas alcoólicas para consumo na via pública. “É mais barato, incontrolável e é legal”. As novas restrições, que exigem um certificado e teste para entrar em bares e discotecas, vão, na visão do autarca, reforçar este fenómeno: “À sua porta ninguém vai pedir certificado”, refere.
Os moradores pedem ainda que seja revisto o horário de funcionamento dos estabelecimentos. “O barulho é tanto. Juntam-se mais de mil pessoas num espaço de menos de 100 metros. Não se consegue passar lá a partir das onze da noite”, descreve um outro morador.